domingo, 21 de fevereiro de 2016

O FOMENTO, O CULTIVO E OS USOS DO MEDO

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O arcabouço existencial que nós criamos inclui em cem porcento dos casos o exercício de poder. E na maioria das vezes sobre o outro. Quando esse exercício é espúrio, e mesmo, quando não o é, mas se pretende eficaz, um dos seus instrumentos é o medo. Fomentar medo é fazer teste de sondagem, quem cair é propenso ao jogo. A partir daí, é ir para a estante dos medos e buscar em suas prateleiras qual dos que combinam com a clientela. E isso vai variar de acordo com os costumes, formação, fragilidades sociais, psicológicas, crenças etc... Enfim, de acordo com toda uma rede de conhecimentos e conexões que estes indivíduos - os propensos à manipulação - tenham com o mundo.
Mexer os pauzinhos da manipulação é usar bem as fraquezas de um determinado grupo ou contingente de pessoas, inflar isso de pavor e jogar avanço. M. Night Shyamalam foi ótimo em mostrar como isso funciona no filme "A Vila". Dar de comer e de beber ao medo alheio é tarefa de manipuladores profissionais. E normalmente o fazem em cima de pessoas com uma inteligência e percepção medianas. Ser manipulado é não perceber que um manipulador diz com todas as letras, "sou mais inteligente que você", e ter prazer de ouvir como reposta um sonoro 'amém'. Ser manipulado, também é ser medroso conscientemente, pois em algum momento percebe-se  um lampejo de 'verdade' mas é mais conveniente acreditar no que se escuta do que questionar e pagar o preço por isso. Ser manipulado é ser covarde com a própria essência da existência, que é a de descortinar o mundo. E um grande traidor daquela criança que um dia fomos que não tinha rabo preso com nada, que não estava preso a engrenagens sociais e que podia dizer e ser o que e quem quisesse. Ser manipulado é aceitar uma série de somatizações no corpo ao longo da vida. Pois fomos feitos para sermos autônomos e senhores de nossos atos, criadores de nossas ações. A autonomia dos dá vida, nos dá força, entusiamo, disposição e nos faz sentir especiais (mesmo que não sejamos). A negação dela nos mata lentamente, nos apaga, nos faz agir como desistentes de nós mesmos e todo poder é entregue ao manipulador.
Quanto a este, rei em terra de cretinos, é o mais superior dos homens numa arena de desistentes da vida e de si mesmos. Alguém que está enterrado dentro de si em uma sepultura de chumbo, onde todo o lampejo de vida visto de longe lhe causa espécie e suscita em si o que há de pior. Felicidade não existe no dicionário de um manipulador, se o fosse estaria ocupado com ela. O que existe é incompetência para ver, para criar e para sentir. Incompetência para viver, para gostar de si, para se expor sem máscaras de proteção e capacidade de administrar o resultado: a aceitação ou a não aceitação.
A partir desse vácuo existencial, o infeliz ser vegetante busca uma trupe de seguidores, um rebanho de acéfalos que são jogados como a ondas do mar para aqui, para lá e para acolá. É o único prazer para quem é zumbi de si mesmo.
E os títeres desse jogo macabro são movidos pelo medo e a falsa sensação de proteção que um manipulador oferece. O manipulado, seja em relação à sua vida, seja em relação à vida do outro não consegue perceber que a arma que ele é, e que é usada contra outro, um dia um outro também o será em relação a ele. E nesse jogo de burrices cavalares fico sem entender qual é gozo final. Que transa unilateral é essa que não é masturbação e não tem orgasmo. 
Mas essa divagação, quase um desabafo, contra os podres poderes da relações instituídas, não pode terminar assim, desclassificando um trabalho tão meticuloso, de tanta gente esforçada em atualizar a sua própria incompetência. Então vamos glamourizar o que hoje está tão em moda, e vamos chamar de 'jogo de xadrez macabro dos medíocres'.