domingo, 20 de julho de 2014

REFUGIADOS

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Refúgio é um lugar para onde se foge. Se foge da destruição, da calamidade, da dor e do medo. 
Refúgio é um lugar de refrigério, de desarme, de descanso, de proteção e segurança.
Refúgio é para flagelados. Flagelados das guerras, das catástrofes, das tribulações. De alguma coisa maior e sem controle com a qual não se pode brigar.
Refúgio é o que sobra do calor humano, é o que sobra do teto, é o que sobra de tudo o que foi tirado.
Refúgio é o último alento.
E refugiados são todos os que foram pegos de surpresa pela vida. Que tiveram seus caminhos desviados, planos estraçalhados, esperanças açoitadas e crenças quebradas.
Refugiados são todos que estiveram diante da impotência de todas as suas potencialidades e sobreviveram.
Sobreviveram para chorar, para se lembrar da sua pequenez, como que por crueldade.
Refugiados também são aqueles que espreitam, que esperam o momento certo e a hora certa de sair do bunker.
Refugiados também são os que  insistem e que não se dão por vencidos.
Refugiados são todos aqueles que estiveram diante de si mesmos, conheceram seus limites, mas enquanto a luz não se apaga, não dormitam.
Refugiados somos todos nós em múltiplos e diferentes aspectos. Somos refugiados em nós mesmos tendo os olhos como grade de cela em relação às mazelas do mundo que não controlamos.
Somos refugiados em nós mesmos com o coração pulando a solavancos pela falta de humanidade e amor que não podemos distribuir sozinhos.
Somos refugiados em nós mesmos atrás de uma inteligência como campo de força que não consegue jogar uma partida de xadrez decente com a vida.
Somos refugiados em nós mesmos trancados, estrebuchando com gargalhadas, galhofas e lufares para não escutar a própria respiração.
Somos refugiados em nós mesmos pela simples falta de coragem de admitirmos o que vemos, o que sentimos e agirmos em conformidade com tal.
Somos refugiados eternos perdendo a grande oportunidade de virar o tabuleiro e ganhar a guerra. 
Nesse refúgio não há refrigério, só escuridão e perda.
Nesse refúgio não há conforto, só engano e dor.
Para viver nesse refúgio é melhor que nos açoite todas as tempestades e que nos assole todas as calamidades e tribulações, do que ser um campo de força contra a vida, a mudança e a evolução. Mil vezes desprotegidos e felizes do que protegidos e uns vermes na vida.
Tá na hora de desabrochar porque a gente só vive quando abandona o refúgio e a condição de refugiado.

domingo, 13 de julho de 2014

FORMIGUEIRO

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Esqueçamos a visão sociológica do formigueiro como simbologia de tecnicalismos, automação sem pensamento, exército de braços em consonância, feito relógio suíço (o fordismo no trabalho).
Não é essa a vertente que tem graça. Tudo tem dois lados (no mínimo) e o lado que admite a licença poética, esse recheio de doce de leite da vida, é muito mais bonito, muito mais vivificante.
Temos muito o que aprender com as formigas. Esses insetos insignificantes que passam ao nosso largo sem serem percebidos ou para serem varridos pelo nosso desprezo.
Existem muito mais formigas na terra do que gente. O planeta é delas. Elas são pequenas, são muitas e unidas e isso faz delas muito maior que muitas espécies, fora suas peculiaridades. Uma formiga carrega até cem vezes o seu peso, nenhuma espécie consegue isso. As formigas constroem cidades imensas, com uma desenvoltura arquitetônica espetacular e, cidades essas, muito maiores que a nossas, se formos levar em consideração a proporção de seu tamanho e a capacidade que têm de percorrer distâncias. As formigas são guerreiras, defendem seus formigueiros, suas "casas", sua rainha (sua raiz/origem). Nós entregamos as nossas. As formigas são previdentes, armazenam alimentos (meia tonelada por ano), é como se pensassem no amanhã, como se fizessem planejamentos anti-imprevistos. As formigas são um nadinha em relação ao mundo que vivemos, tanto quanto somos em relação ao universo, mas fazem diferença. Se não fossem elas a consumirem outros seres em decomposição, nós, os donos do pedaço, não conseguiríamos viver num mundo sem assepsia e pereceríamos. Elas consomem mais carne que tigres, leões e lobos juntos. Não daríamos conta do que as formigas fazem.
Mas temos muito em comum. As formigas também mantém animais domésticos. Isso mesmo, os pulgões. São movidas pela química. O que as guia são estradas de cheiros deixadas pelas outras. Possuem sistemas de comunicações secretos, códigos e mensagens clandestinas. Como nós, através dos olhares e da leitura corporal.
Agora, as diferenças são abissais. O tamanho, o raciocínio, a capacidade de afeto, etc... Formigas não amam, não pensam, não tomam decisões. São autômatos especializados, nascidas para a função que desempenham e não evoluem existencialmente... Apenas existem.
Nós temos limitações cabais, em relação à constituição de sociedade e convívio social, se comparar-mo-nos às formigas. Talvez, nem sejamos tão importantes para o mundo tal qual elas o são. Às vezes somos muito mais afeitos à destruição.
O que me ocorre é a possibilidade de pensar a nossa própria melhora a partir do modo de olhar e do lugar de onde se olha. Refletir sobre a nossa existência olhando para baixo, para as formigas. Sua organização, respeito ao outro, solidariedade, capacidade de luta (defesa - nunca ataque) e o uso de potencialidades naturais colada pela argamassa do afeto ( no nosso caso) 
As vezes aprendemos com o que menos imaginamos. Olhar para baixo nem sempre é "baixar a cabeça", às vezes, é encontrar um modo brando de exercício da própria superioridade. As vezes, é viver para além de, simplesmente, existir.

domingo, 6 de julho de 2014

DALTONISMO DA ALMA

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Dizem os pessimistas que do meio da vida para o fim, nesta modalidade de existência, tudo se repete. Que do meio para o fim tudo é meio igual, não tem novidade e a gente sabe como as coisas acabam.
Já visitamos tantos bastidores, já estivemos em tantas coxias que o espetáculo perde a graça, fica tudo cinza. Nada mais é novidade, nada mais nos encanta com o mesmo afã, já estamos vacinados. Nada mais nos impacta. Somos como que paxás, sentamos e vemos a vida passar.
Assistimos aos outros atores da vida, e a distração é apostar em quem achamos que atua melhor, que está mais preparado para ela. Analisamos quem tem  maestria, estilo, perspicácia e que promete a si mesmo um bom futuro...mesmo que ele também seja cinza.
Mas dizem os otimistas que, em tudo vivido tem sempre alguma coisa que a gente não viu. Ou porque estava distraído na ação de viver, ou porque estava atolado na ação de pensar que sabe tudo, que pode tudo e que enxerga tudo. Tem sempre um interstício que passa despercebido.
E a brincadeira na metade cinza da vida deveria ser olhar mais devagar, com mais atenção. Assumir o Slow Motion e pintar esse espaço de outras cores.
O mundo é forte, nos acachapa. A vida é cruel, nos estapeia. Mas nós somos adaptáveis e versáteis. Do que não tem jeito a gente ri, pega o lápis de cor e pinta da cor que a gente quiser... Até de cinza.
É triste sentir que a nossa velocidade diminui, que as cores perdem o brilho, que o alcance do olhar fica mais próximo e que a gente oficializa o horizonte como sonho. E passa o bastão para a próxima geração. Mas ainda não é o fim. E não justifica virar um pintor de "tons de cinza". rsrsrsrs
Tendo vivido a metade e tendo na lembrança o que é/foi e o que significa/significou temos todos os instrumentos da ressignificação. E é tudo o que, talvez, a segunda metade da vida nos ofereça, as cores da ressignificação. Só que desta vez, sem ensaio e erro, com muito mais temperança e assertividade, territórios que a gente não tinha capacidade de enxergar na primeira metade da vida.
Curemos a daltonia da alma, troquemos a lente escura e desfocada e façamos da vida o que fazíamos lá no jardim de infância nas instruções pedagógicas....Para colorir.