domingo, 25 de setembro de 2016

INTERSEÇÃO DO INVISÍVEL

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Amigos caminhando na praia, famílias conversando na areia, um grupo jogando voley, a mulher que caminha ouvindo música, o D. Juan que atira para todos os lados deslumbrado com tanta beleza. Todo mundo no seu mundo.
Cada um vivendo seu dia, suas histórias. Umas alegres, outras tristes, zilhões de expectativas e sonhos. Cada núcleo reunido ou gente só tem uma vibração, uma energia e um mundo à parte. Vários mundos de valores, de costumes, de crenças, Mundos de formas diferentes de ver o mundo convivendo no mesmo espaço.
A praia é uma metáfora pertinente para a vida na terra, um lugar sem fronteiras de convivência com o diferente, uma visão conotativa de mundos particulares que se tocam e que convivem. Todos de passagem, todos sem saber o que vai ser do minuto seguinte, todos sem saber do outro. O movimento de energia humana que se vê numa praia é o de uma babel. Enquanto um ganha a vida o outro se diverte, enquanto um leva a família para um passeio inusitado o outro sai de casa e passeia corriqueiramente. Enquanto um vê uma paisagem e uma cultura que não é a sua, um outro nem nota as diferenças ao seu redor e muito menos o que acontece ao seu redor. Enquanto um faz yoga o outro corre, Enquanto um medita o outro joga frescoboll. Enquanto um beija na boca o outro briga.
Esse lugar de interseção do diverso deve ser o quadro mais expressivo do que viemos fazer aqui. No desenrolar das histórias desconhecidas uns vão ter um dia alegre com boas notícias, outros momentos tristes e, quiçá, trágicos. Alguns viverão trinta anos ou mais, outros nem chegarão em casa. Olhar para esse formigueiro e tentar imaginar o quanto há ali de histórias, de expectativas, de esperanças, de momentos felizes e de momentos difíceis. E quantas maneiras inventadas de se driblar a dor e a infelicidade estão ali misturadas àquela gente toda é um passatempo interessante.
Faz com que nos sintamos iguais, comuns, fazendo parte de alguma coisa maior que não precisa ser definida, conceituada. Ali, somos todos invisíveis uns para os outros e nem por isso deixamos de existir, de amar, de sofrer, de fazer planos e de sermos bem sucedidos ou não.
Como diz a música "Encontros e Despedidas": a plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar; é a vida desse meu lugar, é a vida.



domingo, 18 de setembro de 2016

AMOR DE GATO

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Amor de gato não é para qualquer um. 
Ser amado por um ser independente que não está nem aí para o mundo e se mantém incólume diante de qualquer circunstância é um elogio.
Ser o referencial de proteção de um gato é uma declaração de idoneidade, de confiabilidade e, quiçá, de perspicácia. Gatos gostam de gente atenta. 
Ser o refúgio de um gato na hora do perigo, voluntariamente, é um presente. 
Ter a confiança de um bicho tão desconfiado é um recado, quase que, divino.
Ser pai/mãe de gatos, escolhidos por eles, é ser muito especial, podes crer. O gato sai mundo afora, se vira, entra em confusão, encara tudo, toma surra, não tem limites. Gatos não veem no ser humano uma extensão de si como os cães. Quando um gato te escolhe e confia em você, o diferencial está em você. Ele não faria com isso com qualquer um, não faria mesmo. Gatos não se enganam. 
Um cão come tudo o que o dono come, mesmo não gostando, eles agradam. Gatos não. Salvaguardadas as diferenças fisiológicas quanto as papilas gustativas, gatos só comem o que faz bem para eles, é uma questão de autogestão, de intuição, de um saber silencioso, e são um excelente mensurador sobre o que você não deve consumir. (fica a dica)
Gatos não agradam, não bajulam, não se humilham.
Ter o amor e a confiança de um bichinho desses é ser agraciado pelo cosmos, e possivelmente, não ter a medida espiritual disso. As bruxas que o digam! 
Contidos em suas manifestações, não gostam de bajulação e têm muito a nos ensinar, e uma das lições, talvez, seja esta: sobre  nossa autoestima numa espécie de jornada de autoconhecimento. 
Enxergar nossas virtudes através do amor de um gato é uma viagem de introspecção interessante. Gente que bicho não gosta é furada, principalmente, gatos. Óbvio que toda regra tem exceção, mas são a exceção da exceção. (raríssimo!). 
A declaração de amor de um gato é uma espécie de carteira de identidade para o restante da humanidade.
...já o amor entre eles é um tremendo escarcéu. Ninguém dorme! (rsrsr)



domingo, 11 de setembro de 2016

ESCONDE-ESCONDE

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Escrever é uma forma de expressão. Uma maneira de se dizer coisas que, 'faladas' o vento levaria, teriam outro sentido pelo movimento do que acontece ao redor, pelo olhar do interlocutor e pela impossibilidade de voltar na fala como fazemos com o texto. Gosto de escrever. Aqui falo do que não falo em lugar nenhum. Seja pela falta de tempo das pessoas, seja pelo pouco interesse pelos assuntos. Logo, para mim escrever é uma forma de registro de pensamento, de suscitar assuntos e provocar conversas.
Meu assunto de hoje, aquele que me atravessa é a diferença entre os discursos e as práticas. Isso no âmbito social e até pessoal do nosso cotidiano. Essa semana assisti a um vídeo sobre as mudanças das relações de poder, isso foi no âmbito da política. Mas fiz um pequeno ajuste para o âmbito pessoal para poder pensar sobre a forma com a qual uma sociedade inteira determina quem sejamos, como devemos nos comportar e o quanto os nossos entes mais próximos (família, amigos e afins) usam dessa prerrogativa para manipular nossas vidas ou determinar nossas atitudes e o que vai ser aceito ou não. Sobre a maneira com a qual somos tratados quando nos negamos a ser o que o outro determina e do que são capazes as pessoas quando descobrem que não têm o poder sobre nós. Quando descobrem que conseguimos fugir desses tentáculos imaginários de dominação, que nos fazem estar sempre sob a égide do outro (principalmente as mulheres)  e, ainda, sobre a  dificuldade em ser  livre, mesmo com condições para sê-lo. E o quanto a reversão dessa ordem daninha significa desequilíbrio nessas relações de poder mesquinhas que sempre reinaram sobre nós.
A vida é uma batalha. Sim, e de esconde-esconde. Esconda o quanto você puder sua diferença em relação ao outro (seja de pensamento, de talento, de potencialidades etc.), esconda o quanto você puder, que enxerga o seu entorno. Esconda-se! Esconda-se entre os arbustos das falácias, entre os brilhos dos sorrisos amarelos, entre gentilezas falsas do verniz social. E reze, reze muito para não somatizar no corpo por  passar por cima de quem você é. Reze, reze bastante para não enlouquecer como preço por não ter tido coragem de  saber onde ia dar ser você mesmo. Reze, reze muito para não se arrepender com uma das piores dores que uma alma pode sentir: a da decepção de ter se anulado pelo medo 'do que será o amanhã' e não ter o resultado esperado desse sacrifício imenso quando o amanhã chegar.
Essas reflexões sobre nós e sobre o poder de nossas vidas ser nosso e só nosso, ninguém ensina na escola, na igreja, na família (às vezes) e entre os amigos. Aliás, amigo é o conceito mais volátil da história da humanidade. Já foi de pacto de sangue, já foi de alma, já foi do peito, já foi de palavra...hoje é de ocasião. Quem não presta atenção nisso corre o risco sucumbir no processo de 'seleção natural' dos novos tempos. E todos os que compõem os quadros de nossas vidas servem à ordem vigente. A ordem é a de dominação e de mensuração de forças, mesmo que fantasiadas de proteção. Numa subestimação de inteligência, cerceamento de liberdade e,  às vezes, até chantagens emocionais  insuportáveis. Nós (seres humanos) somos um espaço de poder disputado entre nós e o resto da humanidade: a mídia, a moda, a ideologia feminista/machista do momento, o namorado(a), o marido/esposa, o (a) amante e até os amigos e conhecidos (que vão nos aceitar ou não se  formos sociáveis, bonzinhos e cordatos, mesmo contra nossa vontade ou princípios)
E nesse ínterim, as reportagens e pesquisas da semana alardeiam sobre os altos índices de suicídio, de 'abandono da vida'. A questão é mais simples do que imaginamos. Isso não é vida, é guerra. Uma guerra de inimigos que se sorriem, que se abraçam, que brincam de se subjugar uns aos outros (quem é melhor que quem) apertando as mãos e se encontrando para jantar. São verdadeiros titãs de papel se digladiando num jogo X-box real sobre quem é mais esperto que quem. Quem se esconde melhor em suas táticas de falseamento em nome de um ditado popular... "ninguém vive sozinho". (vive e vive bem). Essa frase é quase uma ameaça dita carinhosamente e fomentadora de medo que nos joga nos braços do outro como marionete. (nunca esqueça o outro é sempre melhor que nós, mais inteligente e tem toda a condição de dizer o que é melhor para ele e para nós, quase um deus. Ou esquizofrênico...Vai saber)
As atuais gerações ocidentais montam um painel dantesco de expiação cujo o índice de fracasso encarnatório é alto e é comemorado com fogos de artifício. A saber, se integrar a uma sociedade doente, fazer parte dela de corpo, alma e ideologia e não mudar nada. Não fazer a diferença nem para si mesmo, não ter coragem de tentar e não ter  peito para resistir. Até  a natureza parece jogar contra. Envelhecemos, ficamos mais lentos, menos aguerridos. Porém, tem seus benefícios. Esse olhar de raio-x  com propriedade sobre as relações nenhum jovem tem. Essa capacidade de conexão de aspectos só vem com o tempo e o talento para profecias,  também. 
Precisei escrever. Precisei registrar o quanto estou sentida com a forma com a qual as pessoas determinam quem devo ser e a maneira com a qual reagem quando não sou, e posso não ser. Primeiro porque percebo que de fato todos nós estamos sós acompanhados; segundo, por me dar conta de quanto tempo gastamos acreditando de outra maneira. E o quanto isso atrasa a vida, o progresso material e espiritual, enfim o nosso crescimento como pessoas; terceiro por constatar o quanto a vida é mais cruel em profundidade do que a gente consegue enxergar em abrangência. 
Quando alguém nasce no nosso mundo o Presidente Snow* deve vaticinar: "Que comecem os jogos!!!... E eu digo: além de todas as táticas possíveis ao uso da inteligência, que "a sorte esteja conosco!"... vamos precisar sempre. Porque esse joguinho de esconde-esconde empoderando quem não tem poder ninguém merece.



*Personagem da saga cinematográfica jogos vorazes.

domingo, 4 de setembro de 2016

A FICHA QUE AINDA NÃO CAIU

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Humberto Maturana em sua obra " Emoçoes e Linguagem na Educação e na Política" nos fala, entre tantas coisas, que não percebemos a realidade como um todo quando ainda estamos na ação e atuação dela/nela. Que temos nossa aparelhagem de percepção fisiológica ( seja visual ou cognitiva) comprometida enquanto estamos dentro de um episódio que ainda não terminou. Cujo tempo não nos proporcionou um distanciamento e ainda não nos municiou com outras variantes que possam ser conectadas para um melhor entendimento. Nossa percepção pode ser equivocada e falseada pela falta de condições de ver, perceber o todo. Possivelmente, é isso que nos acontece hoje em relação aos caminhos políticos tomados pelo nosso país.
Na última quarta-feira (31/08) tivemos mais um impeachment na História do Brasil. Um processo de retirada de uma presidenta da república feito de forma tendenciosa e arbitrária por pessoas que deveriam representar a vontade do povo e que, sabidamente, sofrem processos jurídicos sérios por corrupção, evasão de divisas, improbidade administrativa, etc. Alguns condenados judicialmente, inelegíveis com direitos políticos cassados, como é o caso do presidente que assume o lugar da desposta. E ficamos estupefatos diante de um espetáculo de encenação para o mundo, de insatisfações sociais insuflados desde 2013 por uma mídia que tem sua concessão pública concedida pela presidência da república e que usa seu poder de massa para manipular uma classe média pouco politizada numa cultura capitalista em que inserção social (leia-se tráfico de influência) , aceitação (o toma-lá-dá-cá) e consumo são diretrizes de vida e sinais de sucesso. 
Temos um povo que ainda enxerga política como se fossem as relações de amizade de bairro ou da profissão. Temos um povo que entende orçamento público como se fosse a planilha orçamentária de casa. E ética  como se fosse as orientações educacionais que os pais os deram, ou seja, personalizada. Temos um contingente populacional imenso incapaz de perceber o que está por trás das jogadas e conexões que se criam a partir de interesses que estão além daqueles pertencentes ao nosso cotidiano parco. Interesses que envolvem grandes empresas multinacionais, interesses de países imperialistas que têm seus recurso fósseis em fim de estoque e precisam do quintal do vizinho para explorar e manter seu poder imperialista. E que não medirá esforços para fazê-lo, se não for por bem o será por mal. Como foi no Iraque na década de 90. 
Nossa visão cotidiana, limitadas por nossas pequenas necessidades e um nível de conhecimento de causa manipulado por uma mídia, ou seja, usando antolhos, não nos permite entender a grandiosidade dos interesses e a periculosidade da situação. Tudo isso aliado a interesses espúrios e gananciosos de homens ( e aqui vai, sim, questão de gênero) megalômanos, fazem com que tenhamos ingredientes suficientes orquestrados inteligentemente desde antes das últimas eleições presidenciais. Como a manobra não funcionou, entrou em vigor a segunda etapa: travou-se todas as possibilidades de trâmites administrativos.  A terceira, seria arrumar uma ação usada por qualquer governo para administrar as despesas, uma espécie de remanejamento orçamentário (as ditas pedaladas) e criminaliza-las. A partir daí fazer o teatrão que assistimos aparvalhados. Juntaram-se todos os opositores e fizeram um clube apartidário de indivíduos com as mãos molhadas pelas propinas para retirar do poder alguém eleito democraticamente. O raciocínio simplista nos diz que é puro egoismo, interesse eleitoreiro e ganancia de quem não vence eleições a quase duas décadas. É mais do que isso.
O Brasil tem riquezas minerais que fariam esses desvios vultosos de dinheiro público parecerem cafezinhos: Nióbio e Pre-sal. Interesses internacionais abutres e ganancias pessoais sem medida são o tempero desse prato indigesto que toda uma população vai ter que amargar daqui por diante, principalmente a menos favorecida. Mas vai sobrar também para os bastiões da justiça, a classe  do limbo, a média.
Vejamos quem é a classe média, os paneleiros de plantão. Uma classe de profissionais liberais (médicos, advogados, professores, intelectuais, funcionários públicos, pequenos empresários, etc.) que possuem bens de consumo duráveis móveis e imóveis e culturais. Que não se identifica com a classe trabalhadora, embora o seja. A classe média é assim chamada por estar no meio do caminho entre os trabalhadores e a burguesia, que  é a detentora de meios de produção, os donos do capital. Aquele para quem se trabalha, aquele a quem se enriquece, no modo de produção capitalista. A definição de uma classe não é dada a partir do consumo ou da renda, mas do poder da detenção dos meios de produção. Quem não detém os meios de produção é classe trabalhadora, mesmo que tenha boa formação, patrimônio, negócio próprio, produção intelectual e não precise vender sua força de trabalho para sobreviver. O profissional liberal , seja ele médico, advogado, professor e que trabalhe para uma empresa pertence à classe trabalhadora, mesmo que isso cause espécie e alguma ojeriza. A classe média não é burguesia, embora seja seu sonho de consumo. Essa mesma, com toda a pompa e circunstância, incapaz de se propor um distanciamento da questão política do país para analisa-la, apesar de sua boa formação, de seu acesso a jornais e noticiários internacionais, que por não se beneficiarem do que estaria por vir, mais isentos, menos tendenciosos, dentro do possível, também amargará as dores do golpe. Na mesa que se sentam os políticos poderosos e burgueses não tem cadeira nem prato para classe média. São apenas ótimos serviçais de confiança, bons de irem para a rua de verde e amarelo, baterem panelas em suas varandas Gourmet. Já fizeram seu serviço, o poder vigente agradece. E só.
Os interesses dos homens que detém os meios de produção e se locupletam no poder político do país são os de lotear nosso espaço geográfico rico em combustíveis fósseis e minerais para as grandes empresas multinacionais ou transnacionais. Estamos voltando no tempo da dependência econômica e de entreguismo, caminhando para estarmos, novamente, nas mãos do tio Sam e seus comparsas (que tiveram muito mais a ver com este golpe do que conseguimos enxergar hoje). O que está em jogo não uma rinhazinha de poder partidário. Aqui não tem criança pirracenta brincando no playground do prédio só para atrapalhar a brincadeira do outro. O que está em jogo é muito mais que isso. É a liberdade política e econômica de um país. É o uso da autonomia, tanto a nacional quanto a individual. O buraco é maior do que podemos imaginar.
Na linha de chavões da nova direita líquida os lemas são: Primeiro a gente tira a Dilma.... Depois a gente tira os direitos trabalhistas.... depois a gente tira a soberania nacional....Depois a gente tira os minérios e a  ÁGUA...pode me chamar de louca. A commodities de maior aposta, hoje, no mundo é a água. e somos uma riqueza planetária nesse quesito. O sobrenome do golpe político brasileiro chama  "recursos minerais". A princípio Nióbio e Pre-sal e ainda se chamará água.... a ficha ainda não caiu que junto com nossos direitos trabalhistas, junto com nossa liberdade de expressão (outro risco) estamos vendendo nossa possibilidade de sermos uma potência mundial por pura incompetência. A ficha ainda não caiu que estamos entrando com os dois pés na era das trevas por pura burrice. Estamos nos vendendo por falta de capacidade de enxergarmos um palmo à frente do nariz. Estamos nos vendendo por pura falta de politização.  Estamos nos vendendo por covardia e preguiça de gerir recursos naturais e peitar o mundo com uma nova mercadoria de poder. Estamos nos vendendo por que é mais fácil, os resultados são mais rápidos, os outros países já têm a tecnologia necessária para tais explorações (será?!). Estamos nos vendendo por ganância, para se dividir os lucros com meia dúzia, ao invés de uma nação inteira. Às vezes, acho que, pela ignorância de nosso políticos, mesmo os golpistas, nem eles sabem o que fazem, por cegueira pelo vil metal e pelas relações econômicas e de poder com outras potências. O chato é que quando a ficha cair pode ser tarde demais. VENDIDO!

"A idade da pedra não acabou por causa da pedra, mas porque ela foi substituída por outra coisa"
(Elmer Salomão - Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas Minerais - ASPM)

Eadi Abou Hassan
Saiba Mais:

domingo, 28 de agosto de 2016

A HORA E A VEZ DOS "CASCUDOS"

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Wang Deshun - Modelo de passarela aos 80 anos

No ocidente temos uma visão muito apequenada da velhice, principalmente no esporte, em que o vigor, a velocidade, a agilidade e a competitividade são as variantes mais importantes, e a definição do conceito de velhice é trazido para cena mais cedo do que na vida social. Pois bem, nessa última olimpíada, finda a uma semana, tivemos lições importantíssimas em relação a esse aspecto e a outros. Aliás, essa olimpíada foi  a olimpíada da quebra da normatividade em muitos aspectos da vida em sociedade, mas hoje escolho o da velhice. Palavra feia que a gente substitui por 'maduro', 'cascudo', 'melhor idade' só para disfarçar. Mas é isso mesmo, o processo de envelhecimento se chama velhice. Mantidos o nome e o conceito, pensemos....
No último natal o mote das campanhas publicitárias foi a misericórdia com a velhice. Em uma das campanhas um 'velhinho' fingia que morria para reunir a família (Aqui!). Em outra, um 'velhinho' no ostracismo, esquecido, necessitado de compadecimento, morando na lua (metáfora excelente para solidão e abandono) é descoberto por uma criança com uma luneta. E que acaba lhe enviando um presente e o pobre 'velhinho' se debulha em lágrimas, agradecido. (Confira!)*
Na contrapartida, nas últimas olimpíadas tivemos um festival de 'velhinhos' dando um show, para o mundo inteiro, de saúde, vitalidade e muita autonomia. (Veja!).  O que nos faz repensar essa ideia fossilizada de velhice, vinda do tempo do ronca, que para alguns, é claro, ainda  é uma realidade por uma série de variantes. Mas que, hoje,  tem se apresentado como um imaginário forçado que diminui e alija os veteranos da vida de viverem.
Em algumas tribos indígenas e africanas, também em culturas orientais e organizações sociais com cultura diversa o 'velho' é um sábio, um indivíduo respeitado por sua experiência de vida, um radar de bastidores, quase um guru. Alguém a ser consultado e levado em consideração e jamais um indivíduo do qual alguém se compadeça. Nessas culturas é uma espécie de ideal de vida, envelhecer, ser querido, considerado e respeitado. Logo, percebemos que somos as ideias que cultivamos, que a força do coletivo que embala a ideia que acalantamos é muito poderosa. Então por que não muda-la, melhora-la de alguma forma?
Hoje, um 'cinquentão' é atleta amador de ponta. Um septuagenário tem autonomia. Temos casos de senhorinhas de noventa anos disputando maratonas (Dê uma olhadinha!). Pessoas de sessenta anos se divertindo mundo afora como mochileiros, e aprendendo muitas coisas novas. Uma galera feliz que se cuidou, que conhece seus limites e os respeita. Mas que, acima de tudo,  se ama e não permite que uma ideologia coitadista lhes digam quem são, ou que o poderiam ser. Os 'velhos' de hoje têm vida social, sexual, são ativos economicamente, estão atualizando seus conhecimentos cognitivos e de mundo. Os 'velhos' de hoje se contextualizam, e o melhor de tudo, não têm vergonha de seus cabelos brancos e de suas rugas, nem daquela barriguinha que teima em chegar primeiro, ou da flacidez que cisma de marcar presença. Por que? Porque ali tem muito mais do que isso, tem uma pessoa com uma história.
Os cinquenta de hoje são os novos vinte e cinco e devemos tudo isso à revolução tecnológica na medicina e ao acesso à informação por uma grande parte das populações do mundo. Se cuidar é bom e faz parte desse cuidado uma série de recomendações que já conhecemos bem, e que a longo prazo faz diferença na vida do indivíduo. E isso também inclui filtrar certos ideais vitimistas e que só servem para separar as pessoas umas das outras. Fazer ouvidos moucos a certos compadecimentos desnecessários, se distanciar de quem faz diferenças tolas e preconceituosas e ousar sempre, ouvindo apenas o nosso corpo e o que ele tem a nos dizer. Isso é fundamental. Mas existe uma outra variante importantíssima, que é sonhar, sonhar sempre. Possivelmente, esse seja o caminho para uma velhice saudável e feliz. Conheça essa outra história maravilhosa e tire suas próprias considerações. (modelo masculino aos 80 anos).
No mais, o sol brilha todos os dias, e os dias são para serem vividos em toda a sua plenitude e  com intensidade. VIVA OS COROAS!  VIVA OS CASCUDOS!  VIVA NÓS!

* Em relação às propagandas publicitárias, não vai aqui nenhuma condenação ao viés de abordagem, tendo em vista sabermos que algumas são direcionadas a familiares de idosos abandonados (isso existe). E essas serviriam de instrumento de conscientização. O uso no texto foi só o catalisador para iniciar uma conversa.

domingo, 14 de agosto de 2016

A SORDIDEZ QUE NOS UNE

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"Perdoamos tudo, menos o sucesso alheio, este continua sendo uma ofensa pessoal" 
(Nelson Rodrigues)

Em plenas olimpíadas tropicais, com o mundo inteiro por aqui (os que não estão in persona estão virtualmente ou acompanhando os noticiários) estamos assistindo a um show de bola das mulheres, literalmente. E é nessa vibe que vou aproveitar para me apropriar de um acontecimento, inusitado para o evento, e que tomou proporções inacreditáveis para versar sobre a nossa sordidez e hipocrisia. Não sem propósito, ainda vou misturar a uma leitura de cabeceira recente: "A detração: breve ensaio sobre o maldizer" de Lendro Karnal, para fazer algumas pontuações que julguei pertinentes para o argumento que quero desenvolver e expurgar esse incômodo que se instaurou em minha alma e entalou em minha garganta após as 'notícias' sobre a vida privada da atleta brasileira de saltos ornamentais Ingrid Oliveira (Aqui!) . Tomando como start esse assunto inócuo e desnecessário que virou manchete, e misturando aos ingredientes o machismo (doses módicas), a repressão sexual feminina (à gosto) e o hábito ancestral da maledicência com upgrade - a velocidade e alcance da Internet -  e sem a menor intenção de ser breve, vou tentar traçar um painel superficial da liberdade sexual feminina para tentarmos entender o que acontece.
Nessa semana foi noticia nos jornais  a 'escapulida' de uma atleta brasileira dedurada por sua colega de quarto. Entende-se a colega de quarto comunicar o fato aos responsáveis já que foi convidada a dormir em outro lugar, e por conseguinte, o faria desconfortavelmente na noite anterior a uma competição importante.  O que não dá para entender é a proporção que a notícia tomou e a associação da colocação da atleta nos resultados das competições com o fato. Sabemos que se fosse um homem, o colega de quarto não só seria compreensivo como, também, não haveria celeuma alguma.
O exercício de liberdade feminina sempre pareceu incomodar sociedades inteiras. O prazer feminino, então... demonizado desde as eras da medievalidade, nem se fala. Ninguém nunca soube o que fazer com ele - nem as próprias mulheres. Logo, ele era/é contido. Seja pela religião, seja pelas normas sociais (todos nós já ouvimos as histórias de nossas avós que retratam bem esse aspecto). Até bem pouco tempo sexo (para as mulheres direitas) era 'permitido' somente depois do casamento. Fora dele tinha nome e era pejorativo (isso só para as mulheres). Veio a tal 'liberação feminina'. Não podia, mas passou a poder na marra. Hoje temos algumas liberdades. Sim, algumas, e nos regozijamos tanto disso que nos comportamos como gratas. Como se nos fosse concedida, quando na verdade conquistamos isso com sangue, suor e lágrimas. Muito principalmente no campo da maledicência. O arcabouço familinha tradicional continua sendo o filão principal (embora já tenhamos avanços nesse aspecto) que garantem a continuidade da espécie (e que espécie!!!!!), a segurança social e a proteção. Mas, e o prazer? Quem fala nele?
O prazer feminino assusta. (Confira!) Quem burla as regras que esbarrem na questão do prazer é alvo de consequências: alijamento social,  pechas, etc. Estamos evoluindo aos poucos, mas na linha ode ao prazer ainda temos muito o que conquistar, principalmente no que diz respeito às mulheres, e o pior, entre nós mesmas. Hoje por mais que a literatura médica ainda devote mais páginas de seus compêndios à glande do que ao clitóris (já foi pior) conquistamos o direito de gozar. Vejam bem, algo que faz parte da natureza, da nossa fisiologia, e que para nós é conquista de DIREITO. A questão é que nem todo mundo goza, ou pelo menos, não faz do jeito que fantasia ou  com quem gostaria. E assim temos a horda de infelizes. Aqueles cuja felicidade do outro é uma afronta. (exercício da sexualidade por prazer é exercício de felicidade). Acrescentando aos ingredientes o fato de termos a detração/maledicência na medula misturada às nossas células-tronco, a massa está pronta para ser levada ao forno e ser transformada num bolo-bomba.
 Karnal em seu ensaio versa sobre a nossa curiosidade ancestral sobre a vida pessoal alheia. Sobre o nosso radar que se atrai pelo medíocre e o comezinho. E, é claro, a expurgação de toda a nossa infelicidade pela simples falta de coragem de sermos nós mesmos, e quiçá, fazermos a mesma coisa que condenamos veementemente. Podemos ser inimigos uns dos outros, mas se encontrarmos alguém para odiarmos juntos e um judas  para malharmos estaremos unidos enquanto durar a fome. O autor versa ainda sobre a historicidade da maledicência e vai de Jezebel a Maria Antonieta com muita propriedade e com um sarcasmo gostoso de acompanhar. Traça para nós a fisiologia da maledicência. De todos os relatos narrados - e são muitos e competentemente abordados -  se encontra um lugar de intercessão, o de diminuir alguém: "O que marca a detração é a intenção de atacar, de diminuir, de jogar lama no alvo do meu veneno. Depreciar, como já insinuamos, significa elevar minha posição" (p.15). O exercício de poder, de causar dor e prejudicar. Mas, muito principalmente, o de confissão de uma infelicidade cavalar.
Quem é feliz, é feliz e pronto. Não tem tempo para lembrar do outro, do que faz, com quem anda. Quem goza gostoso está pouco se importando sobre quem dorme com quem. Aliás, se você se preocupa com quem seu vizinho dorme, você está com sérios problemas. Nesse ínterim, nossa atleta, cujo caso fomentou a escrita deste texto, além de ter a derrota atribuída ao fato ainda ficou com a pecha de devassa. O parceiro de estrepolias de alcova, não. Além de se classificar ainda está com a boa fama de ter 'comido' a 'devassa'. Isso derruba qualquer exercício de prazer na sexualidade, qualquer projeto de felicidade nessa área. Nos faz pensar na teoria da conspiração contra o exercício da sexualidade feminina, como se fosse uma maldição que paira sobre as pobres almas dos homens. Parece um projeto de fomento a infelicidade e ao terror.
Voltamos a era da inquisição. Em pleno século XXI, em que mulheres pagam suas contas, moram sozinhas, constroem seus patrimônios em seu próprio nome, ainda alimentamos um movimento de fogueiras para queimar as bruxas que gozam. E que ousam fazê-lo fora da instituição casamento - até porque por lá se goza muito pouco ou nada - longe das rédeas de poder que prometem proteção, longe do esterótipo de acompanhadas. Até porque, somos nossa melhor companhia.
Hoje queimamos as bruxas livres, queimamos as bruxas felizes, que podem mandar o mundo e seu viés de hipocrisia à merda, porque construímos isso. O usufruto do próprio corpo não é direito é dever. Ele acaba, esta aí para ser usado, usufruído em todas as suas potencialidades. Não temos que pedir licença, não temos que nos deixar abater.  GOZEMOS TODOS!  e o resto que se f...! (o que não deixa de ser voto de felicidade. rsrs)

"(...) Se fôssemos sábios, não atacaríamos a ninguém, nem faríamos piadas de ninguém, nem teríamos preconceitos com ninguém. Se fôssemos sábios, não haveria detração nem problemas no mundo causados pelo preconceito. Em vez de risos nervosos por piadas preconceituosas, riríamos com as crianças, com o sol e com o mar. Se fôssemos sábios....." (Karnal, 2016; p.100)



domingo, 15 de maio de 2016

ESTUPEFAÇÃO EM PRIMEIRA PESSOA

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Tenho passado pouco por aqui. Tenho me voltado pouco para dentro. Tenho me reportado a mim mesma com uma certa raridade. Tenho me deixado prender na pressa, nas armadilhas da vida, nos prazos, nos afazeres. Tenho me esquecido um pouco, tenho me vasculhado pouco.
E quando a vida, seja ela pessoal: emocional, afetiva ou familiar; profissional: trabalhos e estudos; ou social: política e amigos dão uma chacoalhada, a falta daquele cantinho de mim mesma fala mais alto. Lá não preciso me  preocupar se o que penso será acreditado ou não, é de mim para mim mesma. Lá, não preciso pensar no que vou dizer/pensar, sou livre de amarras e polimentos desnecessários.
Essa semana, a minha visão de humanidade (a expressão é essa, superpotencializamos nossa casa e estendemos o conceito ao mundo, é um defeito humano) deu um passo atrás no que concerne a valores defensáveis com a vida e com a honra (minha visão outra vez); dez passos atrás no que concerne à lógica de ação para o bem comum. Essa semana, um grupo de crianças que não sabem brincar no play, se não for sempre a sua vez, expulsaram as outras crianças que brincavam com seus brinquedos (já com a área cerceada) e ensinavam os outros a brincar. Essa semana, as outras crianças foram retiradas de foco. A diversidade sumiu. O playground agora tem crianças da mesma cor, com os mesmos brinquedos, com o mesmo gênero e que vão dizer quem brinca e com quais brinquedos.O quadro pintado deixou de ser colorido com crianças de todos os jeitos, cabelos de todos os tipos, meninos e meninas misturados. Virou um painel de fábrica como foto de funcionário padrão. Virou um salão de velório.
Essa semana, pisaram em cima da escolha das outras crianças, quebraram os brinquedos da democracia, o livrinho Carta-Magna,  pintaram de cinza os espaços de cultura, de fomento de pensamento, fecharam a salinha de fiscalização dos chefes da brincadeira. Essa semana o play está em silêncio. Vai todo mundo para  a escola triste... aprender o que? A formar um clube que se conecte por interesses pessoais? Que arbitrariamente escolha quem vai crescer, quem vai melhorar? Essa semana se ensinou lá escolinha do play que se o clube souber usar bem um espirro (todo mundo espirra) e souber fantasia-lo de rosnado para um mais desavisado e tosco ( e existem zilhões) e mantiver essa embalagem para uma maioria (em valores absolutos) como 'VERDADE',  se vence. Essa semana vimos as crianças mimadas do play tomar de assalto uma nação inteira, numa logística de ação esquentada e requentada desde o mensalão.
Essa semana, .... não sei mais o que ensinar, desaprendi a responder com veemência e peremptoriedade às perguntas afoitas de adolescentes sobre política e História. Essa semana ensaio um silêncio que não gosto, um engasgo que repudio. A partir dessa semana não sei se dou aula de História ou de vigilância à sordidez humana ( e nessa matéria sou completamente analfabeta, não gosto dela). 
Nasci na ditadura, três meses depois do AI-5, cresci nela. Não fui  torturada, não deu tempo de ser militante neste período (o fui em outro momento). Mas o que me marcou foi não poder cantar o Hino Nacional como eu queria (sempre gostei de cantar). Então, como criança, o significado da ditadura para mim, era não poder cantar o Hino Nacional. Quando vi Fafá de Belém cantar o Hino no movimento das Diretas Já! fui ao delírio e como boa rebelde larguei a voz. Para cantar, para falar (sou boa nisso) e, posteriormente, para escrever.
Como gosto de ouvir coisas diferentes aos montes, de gente diferente, de jeitos diferentes; como aprendi a prezar a heterogeneidade ( por ela sempre me trazer novidades, me ensinar e me aceitar) e a multiculturalidade existente dentro das universidades pisando no mesmo chão ao mesmo tempo, babei de felicidade e satisfação ao ouvir falas mil durante minha juventude, e até hoje. Seja em Grupos de Pesquisas, em plenárias de assembleias ou de qualquer outros fóruns de discussões legítimos em que o exercício de exposição do pensamento fosse bem-vindo e respeitado. Para mim democracia sempre foi isso: respeitar o outro, suas decisões e seguir os trâmites acordados legalmente; aprender com o outro, nas atuações cotidianas e me deixar também um pouco no outro.
Em aulas de Filosofia e História sempre disse que tudo tem preço. E que o preço de se lutar pelo que se quer, sendo justo e não ferindo o direito do outro sempre vale a pena, e é um exercício acordado em sociedade quando esta se define como democrática. Sou professora de uma disciplina considerada chata, que pelo meu tesão, sempre tive sala cheia ( para surpresa de todos inclusive minha). Hoje vou continuar protestando, mas algo em mim morreu, vendo pessoas inteligentes, que sabem o que estão fazendo, sabem o que isso significa política e economicamente para o país em sua casa e lá fora, se mancomunarem, e sabedores que fazem isso sem respaldo algum, na cara de todo o MUNDO darem um ponta-pé na mais preciosa de nossas virtudes políticas: a democracia.
Só deixo de lutar quando morrer, e olhe lá. Mas, hoje vendo o que vi, quero o direito de desabafar, de ficar triste, de me amuar. Minha dor é mais pessoal do que devia, perdi o prumo, misturei tudo e estou envergonhada de minha peremptoriedade diante de meus alunos esses anos todos. Me sentindo a mais idiota da inteligentes... uma inteligente idiota.
Mas como sou MULHER, BRASILEIRA, PROFESSORA e do signo de peixes (para alguma coisa tem que servir um carma tão grande).... vou sobreviver!!!!


domingo, 21 de fevereiro de 2016

O FOMENTO, O CULTIVO E OS USOS DO MEDO

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O arcabouço existencial que nós criamos inclui em cem porcento dos casos o exercício de poder. E na maioria das vezes sobre o outro. Quando esse exercício é espúrio, e mesmo, quando não o é, mas se pretende eficaz, um dos seus instrumentos é o medo. Fomentar medo é fazer teste de sondagem, quem cair é propenso ao jogo. A partir daí, é ir para a estante dos medos e buscar em suas prateleiras qual dos que combinam com a clientela. E isso vai variar de acordo com os costumes, formação, fragilidades sociais, psicológicas, crenças etc... Enfim, de acordo com toda uma rede de conhecimentos e conexões que estes indivíduos - os propensos à manipulação - tenham com o mundo.
Mexer os pauzinhos da manipulação é usar bem as fraquezas de um determinado grupo ou contingente de pessoas, inflar isso de pavor e jogar avanço. M. Night Shyamalam foi ótimo em mostrar como isso funciona no filme "A Vila". Dar de comer e de beber ao medo alheio é tarefa de manipuladores profissionais. E normalmente o fazem em cima de pessoas com uma inteligência e percepção medianas. Ser manipulado é não perceber que um manipulador diz com todas as letras, "sou mais inteligente que você", e ter prazer de ouvir como reposta um sonoro 'amém'. Ser manipulado, também é ser medroso conscientemente, pois em algum momento percebe-se  um lampejo de 'verdade' mas é mais conveniente acreditar no que se escuta do que questionar e pagar o preço por isso. Ser manipulado é ser covarde com a própria essência da existência, que é a de descortinar o mundo. E um grande traidor daquela criança que um dia fomos que não tinha rabo preso com nada, que não estava preso a engrenagens sociais e que podia dizer e ser o que e quem quisesse. Ser manipulado é aceitar uma série de somatizações no corpo ao longo da vida. Pois fomos feitos para sermos autônomos e senhores de nossos atos, criadores de nossas ações. A autonomia dos dá vida, nos dá força, entusiamo, disposição e nos faz sentir especiais (mesmo que não sejamos). A negação dela nos mata lentamente, nos apaga, nos faz agir como desistentes de nós mesmos e todo poder é entregue ao manipulador.
Quanto a este, rei em terra de cretinos, é o mais superior dos homens numa arena de desistentes da vida e de si mesmos. Alguém que está enterrado dentro de si em uma sepultura de chumbo, onde todo o lampejo de vida visto de longe lhe causa espécie e suscita em si o que há de pior. Felicidade não existe no dicionário de um manipulador, se o fosse estaria ocupado com ela. O que existe é incompetência para ver, para criar e para sentir. Incompetência para viver, para gostar de si, para se expor sem máscaras de proteção e capacidade de administrar o resultado: a aceitação ou a não aceitação.
A partir desse vácuo existencial, o infeliz ser vegetante busca uma trupe de seguidores, um rebanho de acéfalos que são jogados como a ondas do mar para aqui, para lá e para acolá. É o único prazer para quem é zumbi de si mesmo.
E os títeres desse jogo macabro são movidos pelo medo e a falsa sensação de proteção que um manipulador oferece. O manipulado, seja em relação à sua vida, seja em relação à vida do outro não consegue perceber que a arma que ele é, e que é usada contra outro, um dia um outro também o será em relação a ele. E nesse jogo de burrices cavalares fico sem entender qual é gozo final. Que transa unilateral é essa que não é masturbação e não tem orgasmo. 
Mas essa divagação, quase um desabafo, contra os podres poderes da relações instituídas, não pode terminar assim, desclassificando um trabalho tão meticuloso, de tanta gente esforçada em atualizar a sua própria incompetência. Então vamos glamourizar o que hoje está tão em moda, e vamos chamar de 'jogo de xadrez macabro dos medíocres'.


domingo, 3 de janeiro de 2016

SABEDORIA

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Diz-se da sabedoria que é uma junção de conhecimentos, experiências, astúcias, inteligências, percepções, autocontrole, presença de espírito, intuição e tantos outros aspectos que conduzem o comportamento humano. Podando nossos vícios, exaltando nossas virtudes e influenciando nossa atuação na vida.
A palavra, o conceito sabedoria, possivelmente, não tenha uma definição única. E, provavelmente varie de cultura para cultura. Pois cada uma tem seu cheiro, sua cor, suas nuances  e aspectos que considerem mais importantes que outros. Mas, talvez, a atuação lúcida e atenta no cotidiano  e na administração da vida seja uma das premissas em comum. E, sem dúvida difíceis de praticar. Pois, conseguir frear emoções eventuais e imprevistas, aquelas que nos assaltam de surpresa,  que nos contaminem o juízo de valor necessários a uma ação justa ou que cause menos danos, não é tão comum. Manter o olhar e a mente limpa não é para qualquer um.
Saber ouvir, saber ver, saber sentir, saber falar, saber.... Ser um filtro pronto para aprender, absorver o que nos serve em todos as experiências que vivemos, conectar os nós que, de fato, sejam importantes para a tessitura da rede que vai nos compor, e que seja coerente com o lugar que estamos, com as relações que temos, os objetivos e sonhos que nos povoam é uma seleção difícil, que requer clareza, silêncio e feeling.
Sabedoria é uma palavra imbuída de aura, de mistério. E essa distância faz pensarmos ser inalcançável. Só o será à medida em que acreditarmos nisso,  e deixarmos de prestar atenção e dar utilidade a tudo o que nos acontece, que nos forjará esta vestimenta a partir de uma certa medida de experiência e responsabilidades no exercício de nossas vidas.
Que nessa mais nova empreitada desse caminho que já empreendemos, adquirir sabedoria seja a coluna de fogo que nos guie à noite e a de nuvens boas que nos oriente de dia.

Feliz 2016