domingo, 4 de setembro de 2016

A FICHA QUE AINDA NÃO CAIU

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Humberto Maturana em sua obra " Emoçoes e Linguagem na Educação e na Política" nos fala, entre tantas coisas, que não percebemos a realidade como um todo quando ainda estamos na ação e atuação dela/nela. Que temos nossa aparelhagem de percepção fisiológica ( seja visual ou cognitiva) comprometida enquanto estamos dentro de um episódio que ainda não terminou. Cujo tempo não nos proporcionou um distanciamento e ainda não nos municiou com outras variantes que possam ser conectadas para um melhor entendimento. Nossa percepção pode ser equivocada e falseada pela falta de condições de ver, perceber o todo. Possivelmente, é isso que nos acontece hoje em relação aos caminhos políticos tomados pelo nosso país.
Na última quarta-feira (31/08) tivemos mais um impeachment na História do Brasil. Um processo de retirada de uma presidenta da república feito de forma tendenciosa e arbitrária por pessoas que deveriam representar a vontade do povo e que, sabidamente, sofrem processos jurídicos sérios por corrupção, evasão de divisas, improbidade administrativa, etc. Alguns condenados judicialmente, inelegíveis com direitos políticos cassados, como é o caso do presidente que assume o lugar da desposta. E ficamos estupefatos diante de um espetáculo de encenação para o mundo, de insatisfações sociais insuflados desde 2013 por uma mídia que tem sua concessão pública concedida pela presidência da república e que usa seu poder de massa para manipular uma classe média pouco politizada numa cultura capitalista em que inserção social (leia-se tráfico de influência) , aceitação (o toma-lá-dá-cá) e consumo são diretrizes de vida e sinais de sucesso. 
Temos um povo que ainda enxerga política como se fossem as relações de amizade de bairro ou da profissão. Temos um povo que entende orçamento público como se fosse a planilha orçamentária de casa. E ética  como se fosse as orientações educacionais que os pais os deram, ou seja, personalizada. Temos um contingente populacional imenso incapaz de perceber o que está por trás das jogadas e conexões que se criam a partir de interesses que estão além daqueles pertencentes ao nosso cotidiano parco. Interesses que envolvem grandes empresas multinacionais, interesses de países imperialistas que têm seus recurso fósseis em fim de estoque e precisam do quintal do vizinho para explorar e manter seu poder imperialista. E que não medirá esforços para fazê-lo, se não for por bem o será por mal. Como foi no Iraque na década de 90. 
Nossa visão cotidiana, limitadas por nossas pequenas necessidades e um nível de conhecimento de causa manipulado por uma mídia, ou seja, usando antolhos, não nos permite entender a grandiosidade dos interesses e a periculosidade da situação. Tudo isso aliado a interesses espúrios e gananciosos de homens ( e aqui vai, sim, questão de gênero) megalômanos, fazem com que tenhamos ingredientes suficientes orquestrados inteligentemente desde antes das últimas eleições presidenciais. Como a manobra não funcionou, entrou em vigor a segunda etapa: travou-se todas as possibilidades de trâmites administrativos.  A terceira, seria arrumar uma ação usada por qualquer governo para administrar as despesas, uma espécie de remanejamento orçamentário (as ditas pedaladas) e criminaliza-las. A partir daí fazer o teatrão que assistimos aparvalhados. Juntaram-se todos os opositores e fizeram um clube apartidário de indivíduos com as mãos molhadas pelas propinas para retirar do poder alguém eleito democraticamente. O raciocínio simplista nos diz que é puro egoismo, interesse eleitoreiro e ganancia de quem não vence eleições a quase duas décadas. É mais do que isso.
O Brasil tem riquezas minerais que fariam esses desvios vultosos de dinheiro público parecerem cafezinhos: Nióbio e Pre-sal. Interesses internacionais abutres e ganancias pessoais sem medida são o tempero desse prato indigesto que toda uma população vai ter que amargar daqui por diante, principalmente a menos favorecida. Mas vai sobrar também para os bastiões da justiça, a classe  do limbo, a média.
Vejamos quem é a classe média, os paneleiros de plantão. Uma classe de profissionais liberais (médicos, advogados, professores, intelectuais, funcionários públicos, pequenos empresários, etc.) que possuem bens de consumo duráveis móveis e imóveis e culturais. Que não se identifica com a classe trabalhadora, embora o seja. A classe média é assim chamada por estar no meio do caminho entre os trabalhadores e a burguesia, que  é a detentora de meios de produção, os donos do capital. Aquele para quem se trabalha, aquele a quem se enriquece, no modo de produção capitalista. A definição de uma classe não é dada a partir do consumo ou da renda, mas do poder da detenção dos meios de produção. Quem não detém os meios de produção é classe trabalhadora, mesmo que tenha boa formação, patrimônio, negócio próprio, produção intelectual e não precise vender sua força de trabalho para sobreviver. O profissional liberal , seja ele médico, advogado, professor e que trabalhe para uma empresa pertence à classe trabalhadora, mesmo que isso cause espécie e alguma ojeriza. A classe média não é burguesia, embora seja seu sonho de consumo. Essa mesma, com toda a pompa e circunstância, incapaz de se propor um distanciamento da questão política do país para analisa-la, apesar de sua boa formação, de seu acesso a jornais e noticiários internacionais, que por não se beneficiarem do que estaria por vir, mais isentos, menos tendenciosos, dentro do possível, também amargará as dores do golpe. Na mesa que se sentam os políticos poderosos e burgueses não tem cadeira nem prato para classe média. São apenas ótimos serviçais de confiança, bons de irem para a rua de verde e amarelo, baterem panelas em suas varandas Gourmet. Já fizeram seu serviço, o poder vigente agradece. E só.
Os interesses dos homens que detém os meios de produção e se locupletam no poder político do país são os de lotear nosso espaço geográfico rico em combustíveis fósseis e minerais para as grandes empresas multinacionais ou transnacionais. Estamos voltando no tempo da dependência econômica e de entreguismo, caminhando para estarmos, novamente, nas mãos do tio Sam e seus comparsas (que tiveram muito mais a ver com este golpe do que conseguimos enxergar hoje). O que está em jogo não uma rinhazinha de poder partidário. Aqui não tem criança pirracenta brincando no playground do prédio só para atrapalhar a brincadeira do outro. O que está em jogo é muito mais que isso. É a liberdade política e econômica de um país. É o uso da autonomia, tanto a nacional quanto a individual. O buraco é maior do que podemos imaginar.
Na linha de chavões da nova direita líquida os lemas são: Primeiro a gente tira a Dilma.... Depois a gente tira os direitos trabalhistas.... depois a gente tira a soberania nacional....Depois a gente tira os minérios e a  ÁGUA...pode me chamar de louca. A commodities de maior aposta, hoje, no mundo é a água. e somos uma riqueza planetária nesse quesito. O sobrenome do golpe político brasileiro chama  "recursos minerais". A princípio Nióbio e Pre-sal e ainda se chamará água.... a ficha ainda não caiu que junto com nossos direitos trabalhistas, junto com nossa liberdade de expressão (outro risco) estamos vendendo nossa possibilidade de sermos uma potência mundial por pura incompetência. A ficha ainda não caiu que estamos entrando com os dois pés na era das trevas por pura burrice. Estamos nos vendendo por falta de capacidade de enxergarmos um palmo à frente do nariz. Estamos nos vendendo por pura falta de politização.  Estamos nos vendendo por covardia e preguiça de gerir recursos naturais e peitar o mundo com uma nova mercadoria de poder. Estamos nos vendendo por que é mais fácil, os resultados são mais rápidos, os outros países já têm a tecnologia necessária para tais explorações (será?!). Estamos nos vendendo por ganância, para se dividir os lucros com meia dúzia, ao invés de uma nação inteira. Às vezes, acho que, pela ignorância de nosso políticos, mesmo os golpistas, nem eles sabem o que fazem, por cegueira pelo vil metal e pelas relações econômicas e de poder com outras potências. O chato é que quando a ficha cair pode ser tarde demais. VENDIDO!

"A idade da pedra não acabou por causa da pedra, mas porque ela foi substituída por outra coisa"
(Elmer Salomão - Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas Minerais - ASPM)

Eadi Abou Hassan
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