domingo, 11 de setembro de 2016

ESCONDE-ESCONDE

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Escrever é uma forma de expressão. Uma maneira de se dizer coisas que, 'faladas' o vento levaria, teriam outro sentido pelo movimento do que acontece ao redor, pelo olhar do interlocutor e pela impossibilidade de voltar na fala como fazemos com o texto. Gosto de escrever. Aqui falo do que não falo em lugar nenhum. Seja pela falta de tempo das pessoas, seja pelo pouco interesse pelos assuntos. Logo, para mim escrever é uma forma de registro de pensamento, de suscitar assuntos e provocar conversas.
Meu assunto de hoje, aquele que me atravessa é a diferença entre os discursos e as práticas. Isso no âmbito social e até pessoal do nosso cotidiano. Essa semana assisti a um vídeo sobre as mudanças das relações de poder, isso foi no âmbito da política. Mas fiz um pequeno ajuste para o âmbito pessoal para poder pensar sobre a forma com a qual uma sociedade inteira determina quem sejamos, como devemos nos comportar e o quanto os nossos entes mais próximos (família, amigos e afins) usam dessa prerrogativa para manipular nossas vidas ou determinar nossas atitudes e o que vai ser aceito ou não. Sobre a maneira com a qual somos tratados quando nos negamos a ser o que o outro determina e do que são capazes as pessoas quando descobrem que não têm o poder sobre nós. Quando descobrem que conseguimos fugir desses tentáculos imaginários de dominação, que nos fazem estar sempre sob a égide do outro (principalmente as mulheres)  e, ainda, sobre a  dificuldade em ser  livre, mesmo com condições para sê-lo. E o quanto a reversão dessa ordem daninha significa desequilíbrio nessas relações de poder mesquinhas que sempre reinaram sobre nós.
A vida é uma batalha. Sim, e de esconde-esconde. Esconda o quanto você puder sua diferença em relação ao outro (seja de pensamento, de talento, de potencialidades etc.), esconda o quanto você puder, que enxerga o seu entorno. Esconda-se! Esconda-se entre os arbustos das falácias, entre os brilhos dos sorrisos amarelos, entre gentilezas falsas do verniz social. E reze, reze muito para não somatizar no corpo por  passar por cima de quem você é. Reze, reze bastante para não enlouquecer como preço por não ter tido coragem de  saber onde ia dar ser você mesmo. Reze, reze muito para não se arrepender com uma das piores dores que uma alma pode sentir: a da decepção de ter se anulado pelo medo 'do que será o amanhã' e não ter o resultado esperado desse sacrifício imenso quando o amanhã chegar.
Essas reflexões sobre nós e sobre o poder de nossas vidas ser nosso e só nosso, ninguém ensina na escola, na igreja, na família (às vezes) e entre os amigos. Aliás, amigo é o conceito mais volátil da história da humanidade. Já foi de pacto de sangue, já foi de alma, já foi do peito, já foi de palavra...hoje é de ocasião. Quem não presta atenção nisso corre o risco sucumbir no processo de 'seleção natural' dos novos tempos. E todos os que compõem os quadros de nossas vidas servem à ordem vigente. A ordem é a de dominação e de mensuração de forças, mesmo que fantasiadas de proteção. Numa subestimação de inteligência, cerceamento de liberdade e,  às vezes, até chantagens emocionais  insuportáveis. Nós (seres humanos) somos um espaço de poder disputado entre nós e o resto da humanidade: a mídia, a moda, a ideologia feminista/machista do momento, o namorado(a), o marido/esposa, o (a) amante e até os amigos e conhecidos (que vão nos aceitar ou não se  formos sociáveis, bonzinhos e cordatos, mesmo contra nossa vontade ou princípios)
E nesse ínterim, as reportagens e pesquisas da semana alardeiam sobre os altos índices de suicídio, de 'abandono da vida'. A questão é mais simples do que imaginamos. Isso não é vida, é guerra. Uma guerra de inimigos que se sorriem, que se abraçam, que brincam de se subjugar uns aos outros (quem é melhor que quem) apertando as mãos e se encontrando para jantar. São verdadeiros titãs de papel se digladiando num jogo X-box real sobre quem é mais esperto que quem. Quem se esconde melhor em suas táticas de falseamento em nome de um ditado popular... "ninguém vive sozinho". (vive e vive bem). Essa frase é quase uma ameaça dita carinhosamente e fomentadora de medo que nos joga nos braços do outro como marionete. (nunca esqueça o outro é sempre melhor que nós, mais inteligente e tem toda a condição de dizer o que é melhor para ele e para nós, quase um deus. Ou esquizofrênico...Vai saber)
As atuais gerações ocidentais montam um painel dantesco de expiação cujo o índice de fracasso encarnatório é alto e é comemorado com fogos de artifício. A saber, se integrar a uma sociedade doente, fazer parte dela de corpo, alma e ideologia e não mudar nada. Não fazer a diferença nem para si mesmo, não ter coragem de tentar e não ter  peito para resistir. Até  a natureza parece jogar contra. Envelhecemos, ficamos mais lentos, menos aguerridos. Porém, tem seus benefícios. Esse olhar de raio-x  com propriedade sobre as relações nenhum jovem tem. Essa capacidade de conexão de aspectos só vem com o tempo e o talento para profecias,  também. 
Precisei escrever. Precisei registrar o quanto estou sentida com a forma com a qual as pessoas determinam quem devo ser e a maneira com a qual reagem quando não sou, e posso não ser. Primeiro porque percebo que de fato todos nós estamos sós acompanhados; segundo, por me dar conta de quanto tempo gastamos acreditando de outra maneira. E o quanto isso atrasa a vida, o progresso material e espiritual, enfim o nosso crescimento como pessoas; terceiro por constatar o quanto a vida é mais cruel em profundidade do que a gente consegue enxergar em abrangência. 
Quando alguém nasce no nosso mundo o Presidente Snow* deve vaticinar: "Que comecem os jogos!!!... E eu digo: além de todas as táticas possíveis ao uso da inteligência, que "a sorte esteja conosco!"... vamos precisar sempre. Porque esse joguinho de esconde-esconde empoderando quem não tem poder ninguém merece.



*Personagem da saga cinematográfica jogos vorazes.

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