segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

BALANCETE

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Quando era pequena, numa casa grande com árvores e muito barulho, me pegava olhando a sombra das folhas das árvores no chão, advindas da luz da lua cheia. Eu gostava da lua cheia, eu gostava mais da luz da lua do que da luz do sol.
Eu não sabia "aparar" meu raciocínio e levá-lo às árias da poesia mas, alguma coisa em mim me levava a observações indevidas e inusitadas.
Eu já tinha angústias, Eu já possuía inquietações, eu já filosofava, eu já questionava coisas profundas, como feitos divinos, manipulações, exercícios de poder arbitrário - não com estes conceitos, mas questionava, do meu jeito. Eu já tinha anseios, eu já não gostava da minha realidade, eu já não gostava de rotina, eu já não gostava de mesmice, eu já não gostava de pasmaceira.
Eu procurava a lua, entre os galhos das árvores, como se ela pudesse ser alcançada. Eu já me perguntava tantas coisas, eu já tinha tantos planos, eu já procurava tantas saídas.
Saber que, quase quatro décadas depois, eu continuo na mesma sintonia, questionadora, igual, imensa. É um orgulho, saber que não me deixei quebrar. Caí, levantei, lutei, venci, perdi, continuei. Saber que fiz os meus caminhos e saí ilesa, saber que aprendo bem a jogar xadrex, saber que sem saber eu já sabia o que era mesquinhez e me abstinha dela, eu já sabia o que era mediocridade e me esquivava dela. Saber que preciso praticar o que já sei e penso que não sei e, enquanto penso que não sei é que sei de fato, porque o dia em que eu achar que sei, será o dia que desaprenderei.
Hoje eu continuo, conotativamente, na janela do quarto dos meus pais, olhando as folhas dos coqueiros fazerem sombra no chão, sob a luz da lua; bolando meus planos, alimentando meus sonhos, ruminando minhas inquietações, fustigando minha agudeza, fomentando meu agir, empurrando o meu criar e estocando força motriz. Porque parar é um estado de coisas que não estão. FELIZ CONTINUIDADE NOVA!

domingo, 18 de dezembro de 2011

PROCURA-SE GODARD

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FILM SOCIALISME Elenco: Catherine Tanvier,Christian Sinniger, Jean-Marc Stehlé,Nadège Beausson-Diagne;Direção: Jean-Luc Godard; Drama, França/suiça; 2010;101'

O Último filme de Jean-Luc Godar é um festival de signos à deriva num mar de possibilidades amarrados a um tema. O cotidiano, a história, os conceitos cortados ao meio pelo capital, o ouro, o dinheiro. Godard brinca com signos imagéticos, sonoros, discursos históricos/filosóficos e ideológicos num balé de ritmos descompassados e dissonâncias. A obra tem três blocos que se interseccionam nos diálogos e se associam.
O primeiro bloco é o do cruzeiro pelos países do Mediterrâneo, que tem como passageiros o filósofo francês Alain Badiou, a cantora norte-americana Patti Smith, arábes, judeus, africanos, americanos e russos. Todos em diálogos remetentes ao capital. A significação das águas do mar é dinheiro público, dito pelo próprio Godard, que deveria ser usufruido por todos, mas somente alguns desfrutam, e neste mar, tubarões atacam cardumes imensos de peixes pequenos. Nos distribuidores de moedas dos caça-níqueis no cassino do transatlântico, as pás se movem sem nada distribuir. O signo moeda aparece em muitos enquadramentos, numa alusão à corrupção e à ostentação.
No segundo bloco, o clã dos Martin, uma família socialista, a simbologia da cor vermelha permeia o cotidiano. A ideologia é representada pelo estilo de vida, pelos livros que são expostos, pelos discursos, pelo patrimônio da família e pela postura diante do capital.
O terceiro bloco consiste na narrativa histórica dos acontecimentos que se passaram nos lugares por onde o transatlântico aporta, com elucidações dos signos expostos nos dois blocos anteriores.
O filme é repleto de sonoridades, músicas, burburinhos, sons de vento, ruídos, cadenciamentos alterados que sugerem resignificações das imagens às quais se referem, e faz uma bordagem filosófica e prática do uso do registro quando diz que, contar nunca é suficiente e, apresenta a camêra fotográfica e a câmera de filmagem como coadjuvantes.
São seis os idiomas usados, francês, inglês, alemão, russo, árabe e o grego. Numa saga linguística que traça uma linha do tempo desde o princípio da civilização à era da lingua universal. Todos perpassados pelo capital, numa babel proposital.
As imagens históricas são retiradas de grandes clássicos do cinema mundial, como: Encouraçado Potenkim; Alexandre, o grande; Viaggio in Italia; Adieu Bonaparte; Bataille de Marathon; Les millet et une nuits, dentre outros.
Os discursos foram, da mesma forma, de grande monta: Walter Benjamim; Jean-Paul Sartre, Ferdinand Braudell; André Malraux; Claude Lévi-strauss; Martin Heidegger; Johann Wolfgang von Goethe; William Shakespeare, dentre outros.
Nas músicas, tem-se nomes como: Betty Olivero (Jazz); Arvo Parts (clássica); Ludwig von Beethoven (clássica); Geoge C. Baker (organista); Chet Baker (Jazz); Bernard Alois Zimmermann (dissonâncias) e outros. Tudo fazendo bom uso do capital em favor da divulgação do discurso de liberdade. Pois o filme não tem patrocinadores e numa de suas falas ácidas, diz: " a liberdade custa caro..."
Os livros exibidos são: Ilusões perdidas de Balzac; Markus - o espião alemão de Roger Foligot; A porta estreita de André Gide e Princípios da tragédia de Racine.
Todo esse acervo signico à disposição do espectador para fazer as conexões pertinentes. Sim, porque nenhum deles está ali por acaso. Na montagem de Godard o espectador mergulha num mundo de resignificações que medirá seu poder de conexão, de entendimento, seu repertório de conhecimentos gerais e a sua capacidade de poetizar.
No primeiro bloco, o inusitado é dado logo no início, com duas araras vermelhas e o sinal de censura, o famoso Piiii, muito usado quando da fala obscena, que surge também nos créditos, que são expostos no início da película. A comunicação no cruzeiro é entrecortada, fragmentada entre os viajantes, e causa no espectador uma desconfortável necessidade de agudeza na atenção. O som do vento, o disco arranhado da discoteca, os diálogos do segundo bloco que se iniciam no primeiro bloco causam um incômodo auditivo. O desconforto e o incômodo no bloco do capitalismo não é acidental.
No bloco da família Martin, que possui uma pequena propriedade - empresa familiar - um posto de combustível e uma oficina para carros, a filha mais velha, Florine fica na bomba de combustível lendo Balzac - As ilusões perdidas e, seus veículos são uma lhama e uma mula com rédeas vermelhas, que ficam "estacionadas" na frente da casa ao lado do BMW e porshe dos clientes. A ideologia da família Martin e a situação contextual num modo de produção capitalista, se manifesta nos pequenos detalhes; a oficina para  carros está desmoronando, o pai, Jean-jacques, faz contas o tempo todo, dorme no sofá com a calculadora, conversa com os filhos fazendo cálculos, a discussão familiar sobre os conceitos de igualdade, liberdade e fraternidade, lemas da revolução francesa, que também faz parte da pauta de conversações.
Os repórteres da rede de imprensa televisiva regional são enviados à casa dos Martin para registrar o dia-a-dia da família e entrevistar os possíveis candidatos à presidência a serem escolhidos pela convenção do partido socialista, possivelmente Jean-jacques ou Catherine, sua esposa, que se dará na comemoração do aniversário da revolução francesa.A repórter faz suas anotações sob a sombra de um moinho de vento numa alusão à obra de Cervantes, em que a imprensa como moinho de vento dissemina a informação, nem sempre real, e o clã dos Martin os D. quixotes numa luta contra o imaginário. A ideologia que salva e a imprensa que fomenta a batalha insana.
Os Martin eram o último bastião da resistência. Não usavam o verbo ser e evitavam falar com quem os usasse, numa alusão ao exagero que traduz a firmeza com a qual estavam dispostos a resistir ao sistema capitalista. O contraste do grande telefone preto frente aos dispositivos móveis, usados pelos clientes e pela imprensa, é enfatizada na fala de Lucien - filho mais novo, aproximadamente 10 anos de idade- que diz: " os capitalistas tem celulares para dizer que não estão".
A cor vermelha como símbolo ideológico é descaracterizada, quando o porshe e o carro da imprensa são vermelhos e até a natureza os usa - vide as araras vermelhas do início- numa referência a expropriação simbólica do vermelho como representativo de uma ideologia. A cena que representa a imagem do socialismo na sociedade contemporânea é a de Lucien vestindo uma camisa imensa vermelha com letras garrafais amarelas CCPP - Sigla para Rússia no alfabeto cirílico- regendo uma melodia descompassada, curta e intensa, depois cai no sono e tem pesadelos, sem ter tempo para crescer e preencher a blusa que veste.
O último filme de Godard é um desafio a atenção e, é apaixonante brincar de achar Godard em seu templo. O mestre do cinema de busca, acrescenta a todo o festival de informações um elemento ativo, que está presente no primeiro e no terceiro blocos, mas não se encontra no bloco dos Martin - a fotografia.
Há mais de 12 takes com fotógrafos em ação silenciosamente e sem explicação, fotografando no escuro, fotografando um fotógrafo tirando fotos, fotografando a leitura de jornal de um pasageiro, até o espectador é, alusivamente, fotografado. E, num take muito sugestivo, do fotógrafo do cruzeiro conversando no convés com um menino, diz com o close na câmera: " eu sei tudo" , e este e um dos pouquísimos closes realizados no bloco do cruzeiro, as tomadas neste bloco são sempre gerais. Os diálogos que remetem á fotografia versam sobre a faceta do registro fotográfico ser tido como real, como prova, como parte de um todo, que pode ser negado porque é parte, mas também é o todo daquela parte. E somando-se todas as partes dá um outro todo que não àquele do qual partiu e ainda faz citação à Louis Daguerre.
Evoca a fragmentação da informação imagética,a tendência á fabulação. No clã dos Martin o registro é feito através de filmagens, a imagem em movimento, também passível de manipulação ou fabulação, mas viva e em close, é o único bloco em que o close é regra, traduzindo intimidade, proximidade e descontextualização. A imagem viva não é o instante morto da foto, além de viva é o todo em si e não apenas uma parte. A imagem é citada no clã dos Martin como criação particular, mnemônica, em devir e quando Florine faz um discurso, cria uma imagem oralizada é diz; " pronto! criei a imagem".
E Godard brinca com as linguagens, a imagética, a musical, a fonética, preservando-as e se servindo delas. Através do uso de filmes antigos, músicas conhecidas ou não, idiomas falados e escritos e cita Gershom Shalem " Chegará o dia em que a língua se voltará contra aqueles que a falam" e aposta nos burburinhos e nas dissonâncias e explica citando Roman Jakobson " É impossível dissociar o som do sentido e que só a noção de fonema permite resolver este mistério, escrever para duas vozes só tem sucesso quando as dissonâncias são anunciadas por uma nota em comum".
O jogo com a linguagem dá um nó na cabeça do espectador fazendo-o revisar os títulos apresentados, as fotos, as imagens fílmicas de outras obras inseridas na película e tentar juntá-las numa lineridade impossível. A brincadeira com a linguagem, em Godard, é o labirinto do Minotauro fazendo-nos implorar pelo fio de Ariadne. E, esse fio é a própria capacidade de conexão de signos no tecer dessa rede.
A guerra, o tempo, a lei e a justiça são todos temas abordados em Film Socialisme, num raciocínio multifacetado e proposital, numa exibição fora de sequência convidando o espectador a montar o quebra-cabeças e beber da fonte segundo a capacidade do seu estômago.
Godard não grita " entenda-me" ele sussura no ouvido do espectador DESCUBRA-SE . Veja quantas conexões signicas você consegue fazer, analise seu repertório e visão de mundo, observe o tamanho da rede que você consegue tecer com o banquete que lhe é oferecido. Godard seleciona o espectador, os divide em nipes e nada declara. Não fica para observar o resultado. O filho está parido, é do mundo.
Mas numa ousadia delirante, na caça da agulha Godard no palheiro de seus emblemas simbólicos, indicias e icônicos atrevo-me a ressaltar duas cenas marcantes que julgo ter as digitais de Godard. A cena de Florine conversando com mãe no banheiro e a cena de Lucien retocando um quadro na escadaria externa da casa.
Na cena de Florine no banheiro, ela conversa com mãe Catherine antes de dormir. A mãe de roupão vermelho sentada na beirada da banheira, de frente para Florine e para o espectador. Florine em pé diante da pia e do espelho do armário, virada de lado para a mãe e para o espectador, sob um fundo musical suave de piano. Florine diz; "Não existem eleições simples" . A mãe retruca: "É preciso um programa". Florine responde: " sim, um programa" . A mãe continua: "e você tem um?" Forine lava as mãos, silenciosamente, escova os dentes devagar, lava a boca - enquanto isso a mãe e os espectadores aguardam- ergue a cabeça para o espelho mirando a si mesma e diz: " Ter vinte anos, ter razão, manter a esperança. Ter razão enquanto o governo está errado. Aprender a ver antes de aprender a ler".
Na cena de Lucien, o menino sentado na escadaria externa da casa com uma tela sobre as pernas, retocando-a. A câmera/woman da T.V regional chega perto e pergunta; " o que está fazendo?" Lucien responde: " acolhendo uma pintura de outrora". A câmera/woman vai verificar, se espanta, tira os óculos e grita: " Merda! isso é um Renoir! " Lucien responde: " O imbecil não viu muitas coisas bonitas". 
A simbologia do lavar as mãos das impurezas do cotidiano, lavar a boca dos resquícios das refeições do dia, limpando-se de todos os despojos e dizendo de alma limpa os desejos de um programa de governo que na verdade é um plano de vida, o sonho de juventude, o objetivo de lutar pelos ideais, sempre acreditar e perceber o mundo com a liberdade do discernimento antes de ater-se à codificação blindada, por convenção, da leitura. A trangressão de não mensurar uma criação artística, não respeitar os milhões de dólares que representam uma pintura de Renoir e a ousadia de desfossilizar o belo colocando-o em devir.
Godard finaliza a película com a seguinte sequência:
COISAS: Alguém colocando moedas nas mãos de  alguém; outro alguém fotografando...
COMO ESTAS: Alguém colocando um colar de dinares sobre uma mesa de madeira e um aviso do FBI sobre a exibição, cópia e distribuição da obra serem crimes puníveis na forma da lei, e letras garrafais surgindo em cima do aviso dizendo: " quando a lei é injusta a justiça sobrepoem-se à lei" e a  última frase: " Sem comentários".
É com essa frase que o espectador fica só, pensando e de cabeça pra baixo, porque não há créditos finais para dispersar a atenção, eles vieram no início, lembra?....até porque, o filme é pra ser visto de trás pra frente.....simplesmente Godard.

































































































































domingo, 11 de dezembro de 2011

POSOLOGIA DO CAFÉ COM LEITE

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Passamos a vida inteira inventando receitas, dando dicas, pesquisando modos de nos relacionarmos com o outro. O grande chavão da juventude/vida adulta é " encontrar a pessoa certa", como se mais nada houvéssemos que fazer.
Gastamos energias mil plasmando e desejando o "final feliz". Ah! como os contos de fadas influenciam a nossa vida inteira, são fomentados pelas novelas e movem o imaginário de uma massa imensurável. Bem, já que está todo mundo fazendo, vamos fazê-lo também. Porém, tracemos paralelos, façamos analogias.
Dizem os nutricionistas que a combinação café com leite não é ideal, mas é boa, igual ao casamento; que uma substância, a cafeína, anula parcialmente a outra, o cálcio do leite; continua igual. Então aproveitemos esta "coincidente" semelhança para falarmos sobre os diversos tipos de cafés e leites que combinam ou não. Até aqui, tudo bem!
Existem vários tipos de cafés, os principais ou mais conhecidos são: o café comum, aquele feito em casa, seja na cafeteira ou no coador - isso ainda se usa; o café solúvel, mais prático; o expresso, mais forte, precisa-se de uma máquina adequada para fazê-lo; o capuccino, no qual se mistura alguns cremes, chocolates e até porcentuais de leite; o frappé, frio batido com cubos de gelo.
Quantos aos leites, os principais são: de origem bovina, os tipos integral, semi-desnatado, desnatado, o em pó, o condensado. De origem vegetal o de soja e o de côco. Se formos fazer cálculos de probabilidade, teríamos para esses casos 35 tipos de combinações. Mas, nem todas seriam viáveis. Imaginemos café solúvel com leite condensado, café expresso com leite de côco ou ainda capuccino com leite de soja. São combinações que não são viáveis tanto em relação ao paladar quanto em relação às reações químicas. Os demais são compatíveis e são maioria.
Quando nos deparamos com uma combinação que não combina continuamos procurando combinações e muitas vezes esquecemos que aquelas substâncias são boas palatar, visual e quimicamente sozinhas ou em outas receitas, que não exatamente o que pretendemos. E isso deveria nos fazer refletir sobre as associações que por vezes queremos fazer em nossas vidas mas, que não se dão.
O que nos falta é olhar em volta e descobrir que um café da manhã pode ter café puro ou, simplesmente, não tê-lo; pode ter leite puro ou, simplesmente, não tê-lo. Já inventaram o chá, o suco, a vitamina. Podemos fazer combinações nutritivas e continuarmos vivendo com qualidade, independente do café com leite.
Não estamos presos a um cardápio, podemos fazer o nosso próprio. Mas, para sabermos que não gostamos de café, havemos de experimentá-lo; para sabermos que não gostamos de leite havemos de experimentá-lo; para sabermos que não gostamos dos dois, da mesma forma.
Temos por obrigação com a felicidade, passar um tempo da nossa vida na modalidade café com leite. Dormir com alguém, aprender a dividir a cama, conviver em espaços comuns para nos polirmos, aprendermos a discernir o outro; ver a quem amamos em momentos de tristeza, suas reações, acompanhar como alguém constrói sua vida, para admirarmos ou não. Nos deixarmos ver da mesma forma, sem capas, sem dissimulações, nós crus. Para sabermos se essa é a nossa vocação, nosso destino, nossa escolha acertada.
Esta experiência é muito importante. Quem nunca viveu isso, tem um hiato na vida e um motivo a mais para ser indeciso em relação à sua construção, pois sempre  imaginará que a felicidade estaria naquilo não vivido.
Agora, depois de passarmos pelo café com leite e descobrirmos que não é a nossa praia, escolhamos ser o café ou o leite e façamos o que quisermos, sem frustrações, sem rancores, sem fantasmas - isso é o ideal.
Desfrutar a vida da maneira que quisermos, com overdose de felicidade nas veias. Seja curtir todos os shows de rock, as baladas da cidade, as exposições de arte ou ler aquele livro que está guardado e nos prometemos lê-lo na semana seguinte e, na outra, e outra e a bendita semana nunca chega...
Assenhorear-mo-nos de nossas agendas e cumprirmos compromisso por compromisso sem chorarmos a falta de ninguém, mas é claro, cultivando alguém para um cafuné que ninguém é de ferro.
Feitas todas as construções, caminhemos para o outono de nossas vidas. Nesta fase conheceremos a nós mesmos muito melhor, o que não significa que gostaremos do que venhamos a conhecer, mas conheceremos.
É a fase reflexão. A fase em que faremos um "apanhado" de nossa trilha e procuraremos melhorar a nós mesmos, num processo iniciado lá atrás, porque passado não se muda.
Só saberemos o que somos no universo do café com leite quando chegarmos ao final. Aí, sim descobriremos que tipo de café somos, se somos leite e se a nossa fórmula combinava ou não com a de alguém. Porque café é feliz sozinho e leite também. Mas, se combinarem, o sabor ficar agradável e as propriedades se mantiverem, juntos é muito melhor.
Mas, é bom sabermos que não precisamos mais sermos o que os contos de fadas e as novelas dizem ou diziam que deveríamos ser. A isto chamamos originalidade e coragem. A felicidade não tem receita.











domingo, 4 de dezembro de 2011

CASA DA MÃE JOANA

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Casa da mãe Joana é uma expressão popular que significa que o lugar, espaço ou crircunstância a que nos referimos não tem ordem ou organização. Em suma, é uma bagunça. O que seria  correto, ali não o é, o que seria políticamente incorreto é aceito. Não há noção de causa e consequência.
Hoje vivemos dias nos quais poderíamos considerar como a "era da casa da mãe Joana". A noção de civilidade, bom trato, boa educação, aquela cotidiana, de pequenas atitudes e gentilezas. O exercício da cidadania, o respeito ao meio ambiente, a noção do outro como um igual, quase que desapareceu.
Quando encontramos alguém que cede lugar a um idoso ou a uma grávida num transporte público a sensação de ter sido premiado, somente por contemplar esta cena, é automática, só falta ouvirmos um sonoro Oooooh! dos demais. Por que ? Porque é raro. Quando entramos em um recinto e alguém nos abre a porta e permite que passemos, além do muito obrigada, pensamos - quando não falamos - que gentileza!
Nas praias o que vemos é lixo sobre lixo, poucos se dignam a recolher o próprio lixo, muito menos recolher um que não é seu. Pedir licença, dizer muito obrigada! Comprimentar com  bom dia! Boa tarde! Boa noite!...bons tempos.
Bons tempos aqueles em que cedia-se a passagem a uma dama, afastáva-se a cadeira de um restaurante para uma senhora sentar, acendia-se o cigarro de uma mulher, emprestáva-se o paletó a uma senhorita, numa noite fria; abria-se a porta do carro para a companheira, pedia-se desculpas.
Há sete meses  tivemos notícia na imprensa sobre uma taxista, em São Paulo, que achou uma quantia em dinheiro dentro do seu táxi e devolveu ao dono. Sim, notícia de jornal , sabem por que? porque não é comum, logo quando acontece vira notícia.
O cumprimento do dever, hoje, é motivo de ovações, como se o indivíduo tivesse realizado um feito notável, um esforço hercúleo, como se fosse um ato extraordinário, e não é. É ordinário de estar dentro da ordem, da normalidade e do comum, deve acontecer sempre.
Imaginemos as estratégias que teríamos que utilizar para iniciarmos um movimento de conscientização do cumprimento do dever, do exercício de boas maneiras, de civilidade, de conscientização ecológica, de preservação da vida saudável e da fomentação do prazer desse exercício, neste contexto.
Deliremos:    

CAMPANHA POR BOAS MANEIRAS

Que tal ter seu dia de fama? Aparecer em jornais? Ser conhecido? Ser ovacionado?

FAÇA UMA GENTILEZA!

Dê lugar aos idosos ! Peça desculpas! Use o fone de ouvido quando ouvir suas músicas em público!
Jogue lixo na lixeira!

E você terá grandes chances de se  tornar uma celebridade.

Que tal? Quem sabe com este pequeno "suborno ao ego" o indivíduo, de tanto exercitar essas atitudes gentis não descubra o prazer de realizá-las sem recompensa.
Parece absurdo?! Mas é para isso que estamos rumando, e esta, é só uma estratégia criativa para mantermos a esperança, até porque, esperança é a última que morre, e esperamos um dia fazermos da casa da mãe Joana, a casa da mãe Francisca, da mãe Maria, da mãe Rita, da mãe Suzana, da mãe Carla....da nossa mãe.


domingo, 27 de novembro de 2011

RÉDEAS

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Aquilo que freia, que prende, que controla. Rédeas são boas ou não, dependendo do que são -valores, princípios, manipulações, chantagens emocionais; como são - curtas ou longas, se nos dão espaço para sermos nós mesmos; e quem as detém - as regras sociais, dogmas religiosos, as leis, a educação que recebemos ou o que os outros pensam de nós.
Rédeas, todos temos. São a personificação de nossos limites. Limites que nos são impostos, construídos. Os que os outros nos convencem que são nossos.
Rédeas podem significar tantas coisas. Freud nos diria umas, Platão outras e nossos avós ainda outras. Mas, uma coisa todos teriam como intersecção, rédeas não são controladas pelo "enredeado", elas empre estarão em outras mãos.
Eis a questão! O subjetivismo do termo rédeas, sendo aplicado à nossa vida cotidiana, significa freio autorizado por nós nas mãos de outro.
Grosseiramente, as rédeas podem ser de três tipos: rédeas do medo, rédeas da covardia e rédeas da sabedoria.
As  rédeas do medo nos impedem de viver, de usufruirmos de nossos sensores, desenvolvermos nosso potencial, são freios que alejam, que vão de encontro à força da vida, atrofiando. Mas só têm poder de atuação em nós mesmos.
As rédeas da covardia se estendem aos outros, àqueles que estão sob a nossa égide. Não vivemos por puro medo e arrebanhamos pessoas para engrossar a fileira dos  medrosos. Transmitidas através da educação que damos aos filhos, do exemplo que damos aos sobrinhos e aos nossos demais. O impedimento do outro pela manipulação. Peca quem manipula , peca quem se acomoda à manipulação. É precedida, normalmente, por antolhos, porque fica mais fácil quando o início é a diminuição da perspectiva, do olhar, do interpretar, do ver.
As rédeas da sabedoria são as rédeas que nos impedem de ultrapassar limites, desfazer famílias, desrespeitar amigos, pisar subalternos, ferir pessoas, matar, adquirir proventos de origem duvidosa, atuar na inveja, na sordidez, viver no ócio, na indolência e toda a sorte de malefícios que, além de castigar o corpo, fere a alma.  Elas nos impedem que nos entreguemos ao prazer sem medida, que não têm fronteiras e prejudiquemos a outros e a nós mesmos.
As nossas rédeas estão nas mãos da nossa formação, da possibilidade de punição cível e/ou criminal; na forma com a qual vemos a vida e do que esperamos dela. As nossas rédeas são o freio do bem. Aquilo que evita que num ato passional percamos o fio da meada do que viemos fazer aqui.
As rédeas são as nossas fronteiras de nós mesmos. A área limítrofe que cerca nossa atuação.
Benditas rédeas!....Malditas rédeas!




domingo, 20 de novembro de 2011

MENDICÂNCIA

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Mendigar é o ato de pedir, pedir seja lá o que for. Normalmente associamos a palavra às esmolas que damos ou vemos serem dadas à quem mendiga, à quem pede.
Mas existem vários tipos de mendicância, de petição. A petição de atenção que começa com a necessidade de atenção do pai, da mãe, da professora e se extende à petição de atenção do namorado(a), do cônjuge, dos filhos. A petição de carinho, que começa com a necessidade de carinho do namorado(a), dos amigos e se estende à petição de atenção desmedida, do conjuge, do(a) amante, do(a) ficante, do(a) colega, do cachorro...
Essas coisas se pedem porque são dispensações alheias, sempre. Aquelas que são de nossa alçada impor para que recebamos, impomos; respeito, bom trato, honradez, admiração e etc..
Mas, essas coisas da alma que são do tamanho do vazio que possuímos, não tem jeito. Então, algumas vezes trocamos, nos deixamos aviltar para receber um pouco de atenção, nos deixamos ser vilipendiados para recebermos um pouco de afago, tanto quanto um cãozinho ao lado de um adolescente com um controle remoto de um jogo eletrônico nas mãos. Quando elas estiverem desocupadas, recebemos as migalhas.
Quantas vezes por não sabermos/querermos enfrentar nossa realidade, carência, carma, cruz, como chamem, vivemos coisas que não queremos, por medo, medo da solidão, medo do futuro, medo da vida, por não termos coragem de enfrentar uma realidade que nós escolhemos.
Nossa alma sabe que o mais precioso não é o que fica, é o que vai conosco. Nós também sabemos, e nem damos nem sabemos receber.
Vivemos a vida num jogo esmolativo, ignorando que se alguém quer a nossa atenção, o nosso carinho é porque somos importante para alguém e vice-versa. E não há nada mais importante do que ser importante para alguém.
E usando de todas as nossas interferências contextuais, jogamos. Triste jogo, pobre jogo. Nunca esqueçamos que o cãozinho que implora o carinho ao lado do adolescente com um controle remoto nas mãos, também vai embora.
Esmolar, mendigar, seja lá o que for, tem limites. Como disse Miguel de Cervantes " Nunca implore por algo que você pode obter".


domingo, 13 de novembro de 2011

A HARPA DE DAVI

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Conta-se na história dos hebreus que havia um rei  guerreiro, autoritário e triste chamado Saul que em seus devaneios de ansiedade precisava da música como bálsamo e refúgio,  e solicitava a um menino que tocava harpa, chamado Davi, que tocasse para ele.
Os acordes da harpa de Davi eram calmante para a alma de Saul. As inquietações, angústias, tristezas, pesares e preocupações que assolavam seu espírito e o deslocavam do eixo eram dissipadas pelo poder da música. O transporte da alma de Saul era uma harpa. O veículo que o lançava às origens, ao berço das almas e lhe dava paz entrava pelos ouvidos, amainava as dores, curava as feridas, cicatrizava os arranhões, dizimava o medo, dava tranquilidade, perpetuava o que ele tinha de puro, dissipava as perturbações e o lançava ao útero do universo lhe dando alento, lhe fornecendo a recarga de baterias que suas responsabilidades exigiam.
Saul era um leão em sua selva, rugia, dominava, tresloucava-se em delírios, pois era um homem de espírito extremamente inquieto e descobriu nos ouvidos o portal de entrada da paz, da serenidade por meio de um instrumento pesado e difícil, mas de som suave e tênue.
A música era o remédio da alma de Saul e tocada pelas mãos pequenas e inocentes de um menino que sequer tinha noção das agruras que podem se aninhar na alma de um homem, do leito de sentimentos que é o espírito cuja existência se estende por toda a eternidade.
Davi era a força motriz que possuia a pureza, a leveza e a não-contaminação. Dos acordes que saiam da harpa de Davi iam com eles também a energia do próprio Davi, um pouco de seu ser se etereizava pela música e esse unguento servia na medida certa a Saul.
A música tem o poder de levar-nos onde quisermos, só o que se tem a fazer é entregar-se. O único momento em que Saul entrava em contato consigo mesmo e sua essência era quando se entregava, se largava, se deixava. Deixemo-nos....permitamo-nos por um momento sermos Sauls. 







domingo, 6 de novembro de 2011

SILENCIAR

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O silêncio é o grito do "entrego os pontos", é o sinal verde do "desisto", é o ponto de exclamação do "era isso!".
Quando nascemos, gritamos, choramos, berramos e se não o fazemos, nos fazem fazê-lo. Um bebê chora pra tudo, grita pra tudo. Uma criança fala o tempo todo, fala muito, fala com todo mundo, até quando não sabe falar.
À medida que crescemos vamos aprendendo a ouvir e para ouvir calamos. O silêncio se instaura nas nossas vidas com o nome de aprendizado e vai se tornando o maior estelionatário etéreo que se pode conhecer. Ganha nomes como: ansiedade, suspense, medo, ultraje, decepção, sabedoria.
Quando buscamos algo, sonhamos e nos movemos para alcançá-lo e não conseguimos, silenciamos.
Quando queremos muito alguma coisa que não depende de nós, enquanto aguardamos, silenciamos. 
Quando esperamos o resultado de uma prova ou de um exame médico, silenciamos.
Quando não sabemos o que tem adiante e nos aflige o que pode vir a ser, silenciamos.
Quando a expectativa emocional não é correspondida, silenciamos.
Quando vemos alguém de uma forma e ela se apresenta de outra, silenciamos.
Quando estamos diante de uma questão para a qual temos a resposta, mas que ela é só nossa e existem outras respostas tão válidas quanto e que cada um tem direito à sua, sabiamente, silenciamos.
O silêncio tem muitas faces mudas. Só quem conhece a cara do silêncio é o seu dono.
E ao longo da vida aquele senhor ausente no início, vai tomando espaço, vai se fazendo presente, vai se tornando uma entidade com vida própria, vai virando amigo de infância, se transformando numa pessoa. A nossa melhor companhia.
O silêncio é alguém que construímos para nos acompanhar, tem nome, endereço, cara e fala sozinho. O silêncio não é ausência de som é presença de espírito. Silenciar é dizer alguma coisa.



domingo, 23 de outubro de 2011

MÃOS

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Não existe nenhum instrumento em toda a natureza e em todo inventário de fabricos humanos que tenha mobilidade, a malemolência, a graça, as rotações, as potencialidades e as habilidades das mãos humanas.
A robótica tenta, há muito, imitar/simular as rotações e movimentações feitas pelas mãos, a coordenação acurada e fina que possibilita pegar um grão de arroz e a força que suporta o peso do próprio corpo.
As mãos humanas são singulares. A cirurgia plástica conserta tudo, menos as mãos. Retirados algumas sobras de pele comprometemos os movimentos e a sua funcionalidade.
As mãos são servos obedientes para trabalhar, para cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos, fazer a higiene pessoal, praticar o exercício do tato, exibir uma jóia. Mas, são extremamente desobedientes para aviltarem seu próprio dono. Jamais nos estapeamos da mesma forma e com a mesma intensidade que o fazemos a outra pessoa. As mãos freiam no ar e são incapazes de nos agredir.
 São o outdoor do tempo. Quando nascemos são pequenas, lisas, frágeis, incipientes, sensíveis, lindas e vão se tornando exuberantes, exibidas, sensuais, insinuantes, reveladoras, poderosas e, na curva de descendência no gráfico da vida, vão saltando os grumos, perdendo a elasticidade, nos entregando de bandeija aos olhares perscrutadores da idade. Cremes são bem-vindos, mas não resolvem. 
E com a experiência vão aprendendo e nos ensinando, falam por nós. As nossas mãos contam a nossa história, falam da nossa vida. As nossas mãos chegam primeiro que nós em qualquer lugar e fazem parte da nossa expressividade em qualquer circunstância. Mãos, adereço de funcionalidade que a natureza nos deu e nem notamos.
 Mãos são instrumento de carinho. Com elas bendizemos o outro. Com o nosso toque conhecemos o outro e o mundo. É o instrumento do trazer, as mãos trazem pessoas para nós, alimentos à nossa boca, proteção aos nossos olhos, são mágicas. O toque de alguém especial nos transporta, são varinhas de condão.
Mãos são olhos para os cegos, são elevadas a enésima potencia em sua funcionalidade, tateiam, percebem, sentem, enxergam. São língua para os surdos.
As mãos são símbolos, símbolo de liberdade, de alegria - quando das palmas, de respeito - quando do comprimento, de protesto, de saudação, de prece, de juramento, de súplica.
Mas, para mim, as mãos são a porta de entrada das sensações, parabólicas captadoras de energia. As mãos são instrumento de desbravamento da vida, de descoberta do novo, de exercício de existência. As mãos são sensores de vida. É um prazer tê-las e usá-las. Nossos amigos são as nossas mãos.

E....se chegarmos lá, é assim que serão vistas por mim, por você e pelas últimas pessoas que conosco estiverem. As nossas mãos são a nossa verdadeira cara.


domingo, 16 de outubro de 2011

SOLITUDE

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Ser só é uma escolha. Não há que se ter pena do só. O só é alguém que para usar produtivamente o seu tempo, vive procurando o que fazer, cursos, grupos de amigos, programação cultural, gente para conversar, alguma coisa para ler e outras para escrever.
A vida dos sós é tão igual. Organização da coluna vertebral dos afazeres cotidianos, que é só uma maneira rebuscada para denominar rotina. Sem ela o só é poeira, o nada do nada.
O só é aquele que impôs tanto o seu jeito de ser que ficou só. Mas gosta do seu dia-a-dia, de ficar só. O só é feliz só.
Agenda organizada, agora é hora de curtí-la. Aquela xícara para aquele chá, a outra para o café. Aquele horário da leitura dos jornais, aquele outro da leitura do livro. O sagrado momento das refeições. Sim, porque o só também se alimenta e, é aquele que se libertou da mania de não almoçar sozinho, de não jantar sozinho e curte isso. Como um pobre mortal resignado à sua realidade e tirando dela o melhor proveito. O que não tem jeito agente  acostuma.
Escolher as músicas que gosta sem se preocupar com o gosto alheio. É o cultivo nobre do egoísmo. Nobre porque o oposto disso significaria a depressão e a dependência emocional patológica. Nada indicado.
A solidão é o espaço/tempo em que o egoísmo é uma conquista a ser celebrada e recebe apelidos como: auto-estima, superação, coragem, apreciar a sua própria companhia e etc... Na verdade uma afronta aos moldes que nos foram ditados desde outrora, mas uma necessidade de vida ou morte para quem fez a escolha do só. O só é feliz só e só.



domingo, 9 de outubro de 2011

PALCO DE EMOÇÕES

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O que é a vida? um caminho, uma estrada, encontros, resgates, uma linha, uma representação, um palco.
O que é um palco? um tablado onde se apresentam estórias, onde se vive, por alguns instantes, uma vida que não é a nossa.
O objetivo de um espetáculo é distrair, desincafifar da própria vida, das agruras existenciais e, por alguns instantes, viver por tabela a vida que o ator finge viver. Refletir, sentir emoções que não são comuns no nosso dia-a-dia, pois se está esquizofrenicamente em outra vida.
Paremos para pensar: viemos não sabemos de onde, para fazermos não sabemos o quê, nos distraimos com a vida do outro, buscamos coisas que não levaremos quando retornarmos para  onde viemos, que é o lugar do qual não lembramos. Alguém marcou um período para este pique-esconde. E tudo o que acontece nesse ínterim é: chorar, sorrir, sofrer, se alegrar, se decepcionar, encontrar, desencontrar, esperar, sonhar, sentir, ressentir, compreender, entender, se desentender, se interessar, se desinteressar, se entusiasmar, desistir, começar de novo.
A alegria de estar com os coleguinhas da/na escola; o sonho de ser médico ou astronauta; a tristeza da primeira perda de alguém que se vai do nosso palco; o entusiasmo do primeiro amor; a hecatombe fisiológica da paixão; a dor do ir-se dessa paixão; o empreendedorismo do casamento, a felicidade e a sensação de vitória, de ser normal, de fazer o que todo mundo faz; a descoberta do prazer da originalidade, de fazer o que só você faz, o que só você é; o deslumbramento ao cubo de se ver perpetuado em outrem, a prole, os filhos; a compreensão da vida como repetição eterna de um ciclo que só se renova porque os atores se acabam, se vão.
O choro, da alegria, o choro da dor, o choro do arrependimento, o choro do fracasso, o choro do nunca mais choro, o choro da saudade, o choro da vontade.
O sorriso da felicidade, o sorriso da saudação, o sorriso da pose, o sorriso da recepção, o sorriso de eu te compreendo, o sorriso do que bom te ver, o sorriso da satisfação, o sorriso da surpresa, o sorriso da paz, o sorriso do exorcismo, o sorriso da ansiedade, o sorriso do descontrole.
O abraço...Ah! o abraço. Abraço é sempre de quanto tempo tem. Quanto tempo tem que não te vejo, quanto tempo tem que não te toco, quanto tempo tem que não troco calor com você. O abraço é uma confissão curta de saudades polidas.
E tem as outras emoções.... as ruins, as danosas, aquelas que evitamos, não falamos, não queremos, não atraímos, mas elas existem, estão lá e as sentimos. A raiva, a ojeriza, o desprezo, o incômodo, o suportar, o tolerar, o ódio, a substimação, a inveja.
Somos esponjas. Absorvemos absolutamente tudo ao nosso redor. As absorções são sempre subjetivas. Sentimentos, sensações, energias. Nosso mundo é material até a página dois, primeira linha do primeiro parágrafo. 
O nosso palco, onde vivemos essa vida, é um palco construído para testar os fusíveis das emoções. Viemos representar a nós mesmos num mar de sentimentos e morremos afogados nas distrações. Já que a peça de teatro é essa, representemos/vivamos para ganhar o Tony.



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ALPHAVILLE - A CIDADE SEM LENÇOS

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Alphaville - Une étrange aventure de Lemmy Caution . Elenco: Eddie Constantine, Anna Karina, Akin Tamoff, Lazli Szabo, Howard Vernon. Direção:Jean-Luc Godard. Produção: França/Itália. P&B.1965, 99'

O filme em questão é uma ficção científica produzida em preto e branco numa década sem adventos tecnológicos como conhecemos hoje. Os contextos relativos ao  enredo - sociedade tecnicalista, os aspectos técnicos da produção, a transversalidade de linguagens e as imbricações pessoais do cineasta,  pontuam todo o  conjunto da obra.
A aventura se dá numa cidade que abole palavras do dicionário, dentre elas: amor, medo, consciência, liberdade e ternura, tudo o que remete a humanização. Tem como premissa maior a lógica, a eliminação do imponderável da experiência humana. Tem como lema: Silêncio, Lógica, Segurança e Prudência. Seu mentor, um computador chamado Alpha 60, instalado no Intituto de Semântica Geral da cidade. A bíblia, o orientador de condutas, era o dicionário, o tal mexível ao bel-prazer das manipulações necessárias.
O controle era dado pela  significação da linguagem. A vigilância era perene e não havia registros dos feitos ou acontecimentos. A oralidade tinha que dar conta do recado, mas não era possível.
A cidade não tinha passado nem futuro. Os que não se adequavam, se suicidavam ou eram executados em massa, eletrocutados nas salas de cinema em suas poltronas elétricas confortáveis e, em seguida eram jogados diretamente no lixo, não serviam. Os que casualmente não morressem eram levados para os hospitais de enfermidades longas para serem tratados  até serem considerados adaptados a realidade.
 Haviam também os criminosos condenados, que eram executados individualmente por um pelotão de fuzilamento, num espetáculo à parte. Consistia numa apresentação de nado sincronizado, onde os condenados eram encaminhados à prancha de saltos, faziam seus discursos, numa espécie de último desejo concedido e, em seguida eram metralhados, caindo na piscina. As meninas do nado com facas em punho, mergulhavam em ordem cronometrada e terminavam de matar o meliante a estocadas e iniciavam sua graciosa apresentação. Os crimes desses indivíduos? chorar. Um deles foi pêgo chorando no sepultamento da esposa. Chorar era crime punível com morte.
Neste contexto sombrio e hermético surge Lemmy Caution, um agente secreto disfarçado de jornalista de um jornal chamado Le figaro-pravda. Alphaville é capital de uma Estado totalitário e a missão do herói é destruir o computador central da cidade,o Alpha 60. Inicialmente procura os agentes secretos enviados anteriormente e cuja missão não havia sido concluída, dentre eles Dick Tracy e Henry Dickinson ( identidade de Flash Gordon) e o fio da meada da imiscuidade de linguagens impingida por Godard inicia-se aqui.
Uma cidade de regime totalitário, cuja negação são as emoções, cuja lógica consiste em eliminar a liberdade da experiência humana. Não se pode chorar, por ser considerada uma atitude ilógica, manifestação de "humanitude", em relação aos questionamentos - o porque interrogativo havia sido banido somente era permitido o porque elucidativo. (Why/no - Because/Yes).
 Ninguém sabia o significado da palavra amor e, não por acaso, o ditador se instala no instituto de semântica geral; não por acaso, o dicionário é o orientador de conduta ao mesmo tempo que é o instrumento de manipulação. A heroína, Natacha - personagem de Anna Karina- diz num trecho do filme que por vezes vê palavras de que gostava serem retiradas do dicionário. A liberdade é tolida pela planificação da ação, pela previsibilidade e estudos matemáticos de causa e consequência do que tem que estar sob controle. Consciência em sua plenitude não  tem-se noção do significado. A consciência vivida é a tecnicalista, engessada em detrimento da consciência libertadora. O homem da técnica é um homem sem emoções.
Não havia registros na cidade, a narrativa da história era dada pela versão do alpha 60, o ditador. Lemmy, o herói da estória, chega com uma máquina fotográfica registrando tudo o que pode e o que não pode, os fuzilamentos, por exemplo.
As execuções em massa, não por acaso, eram realizadas em salas de cinema. Um lugar onde a manipulação das emoções se dá pela significação das palavras, imagens e ideologia. Tal  serve, também, como instrumento de morte, e ali se morre de fato  mesmo estando vivo. Caso o cidadão resista, ainda têm-se os órgãos de propaganda que se incumbem de fazer uma lavagem cerebral mais eficaz nos tais hospitais de enfermidades longas. As únicas mortes dignas eram as dos condenados que morriam esbravejando seus discursos. Em um deles:" Ouçam-me, normais, nós vemos a verdade e vocês não vêem. A verdade é que a essência do homem é amor, fé, coragem, ternura, generosidade e sacrifício, o resto é obstáculo criado pelo progresso e pela cegueira da ignorância" Não por acaso, é a cara de Jean-Luc Godard, poder-se-ia dizer até que era o próprio Godard gritando.
O surgimento do herói tem sua linearidade de ação bem contextualizada, a começar pelo nome: Lemmy Caution, que remete a expressão inglesa Let me caution about it, que significa em tradução livre deixe-me precavê-lo acerca de, numa alusão mais que óbvia ao objetivo da missão do herói, alertar, despertar. Não por acaso, numa das primeiras cenas o livro lido por Lemmy na cama do hotel é Le grand Sommeil - O grande sono, deixando uma mensagem subliminar do estado político/existencial da cidade. Lemmy estava disfarçado de repórter de um jornal chamado, não por acaso, Le figaro-pravda, a junção do nome de um jornal de direita francês e um jornal de esquerda da ex-união soviética, Estado também totalitário e  que na época da filmagem ainda existia. Inserção que remete-nos a uma evocação à neutralidade só suscitada numa sociedade tecnicalista onde os extremos isolados não são bem vindos.
Quando Godard insere nomes de heróis de histórias em quadrinhos como Dick Tracy e Henry Dickinson  (Flash Gordon) logo no início da trama, há um prenuncio de mistura de linguagens. Já havia sido apresentada a arte pictórica num mural gigantesco logo nas primeiras cenas, a música da máquina do quarto de hotel, o livro " O grande Sono", as citações dos heróis  em relação a arte e a conversa com próprio Henry Dickinson, que evoca a época em que a cidade tinha, poetas, pintores e músicos. O fio condutor e que remeta a salvação é a poesia através do livro de Paul Eluard -  La Capitale de la Douleur - A capital da Dor - que é entregue à Natacha para que leia as partes sublinhadas. Os takes, as tomadas, as expressões, os cortes abruptos remetem-nos às lacunas das estórias em quadrinhos e há ainda a fotografia, que aparece como uma das formas de registro e de contação de uma história, para além da oralidade de Alpha 60.
A missão de Lemmy Caution, além de destruir Alpha 60, é trazer luz à cidade de Alphaville. Filmado com iluminação natural e elétrica comum, ou seja extremamente escura para os moldes de uma filmagem e muito principalmente em preto e branco. Conta-se que Godard perdeu kilômetros de fita de filmagem nesse trabalho por conta dessa opção. E, não por acaso, filmado em Paris- Cidade Luz, deixando claro o objetivo de evidenciar o sombrio e a treva do não-conhecimento e da não-liberdade.
Godard usa a poesia como elemento da literatura que traz luz, consciência, repõe as palavras tiradas do dicionário, pois mesmo sem traduzí-las, a poesia as marca, embute, fixa e as instala na alma, insere-as no repertório pessoal e incita as emoções. A mensagem de que a verdade está na arte, de que o homem habita a terra poéticamente, de que a poesia é o brotar da realidade, o acontecer da vida, o florescimento, o lugar privilegiado, de que a relação pela poesia não é clientelista é existencial e que a palavra poética não é palavra dicionarizada.
E neste contexto, não por acaso, Godard cria a cena de amor mais sutil do cinema, é na minha opinião a mais bela. Lemmy entrega o Livro de poesias "A capital do dor" à Natacha e pede que ela leia somente as partes sublinhadas e em seguida tentam encontrar o significado da palavra amor em contraposição à volúpia.
Alphaville se tranforma no certificado de "humanitude" de Godard quando metalinguageia emoção através do cinema, da poesia e da movimentação da câmera, contrapondo a cena inicial do farol, olho de Alpha 60, com a cena final de Natacha, em close, com os olhos piscando na mesma sintonia do farol de Alpha 60 dizendo "Je t'aime" numa alusão  clara de que a tecnicalidade foi vencida pela "humanitude" e de que o amor foi re-inserido no dicionário.
E Godard, no seu jeito Godartiano de ser, não por acaso, coloca a sua musa, Ana Karina - personagem Natacha, após terem sido casados por seis anos e de uma separação pedida por ela no ano anterior, em uma cena de amor recitando um poema e numa cena em close para a câmera/godard dizendo eu te amo,  num registro ad eternun para ser revisitado em secreto. isso é o humano Godard, simplesmente, sublimemente Godard. Com Jean-Luc Godard, nada é por acaso.






domingo, 25 de setembro de 2011

O FOCO AMBULANTE DO PRAZER

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Quando nascemos o nosso radar de prazer é a boca. Com a boca amamentamo-nos. É a nossa fonte de vida. Sentido do paladar. Porta de entrada do gosto e da saciedade da fome. Tudo o que é encontrado pela casa leva-se à boca. É o lugar de observação da vida.
Mais adiante, as mãos. Quem já não ouviu estas frases?
- Menino! se vê com os olhos e  não com as mãos.
- Óóóó! Não ponha as mãos, é só pra ver.
Pois é, o tato, o registro das espessuras, das texturas, da temperatura, é a forma de captação de mundo. E o cérebro registra isso como prazer. Já temos mais aspectos acumulados de sensação, que só o sabor.
Em seguida desenvolvemos o ouvir, aprendemos a ouvir. É a fase do aprendizado da escrita, da descoberta de novos mundos. A fase das músicas altas, nasce a vontade de ser baterista de uma banda. As meninas acuram este radar, os meninos apenas o usam.
O tempo passa e chega-se à puberdade e os olhos são os novos radares. Buraco de fechadura são os óculos preferidos. Ver com os olhos passa a ser muito importante. A sensação que acomete o indivíduo é a de embabacamento. Os meninos acuram este radar. As meninas fecham os olhos, sentir é mais importante.
Estamos a um passo de usarmos todos esses radares ao mesmo tempo, em função do prazer, quando o radar-mor criar vida doada pelos hormônios. O sexo.
E a partir daí, no ápice da maturidade sensorial, desenvolvidas suas potencialidades, nos achamos prontos e somos imortais. Como é bom ser humano, ter corpo, vida e saber o que é amar. Achamos que eternamente será essa a forma de obtenção prazer. Ledo engano.
À medida que o tempo passa, descobrimos o prazer associado à gentileza, ao bom trato, ao olhar apaixonado, à vontade de ficar junto, ao sentir o calor do outro, a saber que um outro corpo é também quase seu e amadurecemos os radares do prazer.
Descobrimos o prazer na boa palavra, no toque, no ficar quietinho em concha e na paz acompanhada. E o próprio corpo vai apagando a intempestuosidade da paixão e dos radares corpóreos e expandindo o SIVAM da alma.
O prazer passa a ser também etéreo, o que se sente, o que não se vê, a energia, o silêncio, a presença, o saber-se estar dentro da alma de alguém, o saber-se ter alguém consigo o tempo todo. A isso chamamos fases da vida. A ambulação do prazer, a sua ascenção aos céus, ao sublime, ao divino, ao eterno. A junção de tudo isso chama-se desprendimento, evolução. E não adianta pirracear. A vida é como é.
A resignação é a grande lição a ser aprendida. Não se luta contra a natureza e a natureza não é injusta, ela é sábia. Acumulamos pontos no cartão fidelidade e vamos adquirindo vantagens, milhas e mais milhas de experiência que nos levam a aproveitar muito melhor todos os radares e seus potenciais. Alguns dirão: " Mas a memória é uma pedra no sapato". A memória é para nos lembrar que nós vivemos e que no vídeo-game que nós jogamos, estamos no nível avançado.
Logo, não nos lamentemos e usemos o radar que temos, porque no momento, essa é a parte que nos cabe neste latifúndio. Sejamos Felizes!






domingo, 18 de setembro de 2011

ALMINHA BOA

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Nasci no Pará, sou paraense inconsciente. Sou amigo, meio tinhoso, mas confiável e confidente.Tenho cachinhos na testa, ouço que é uma maravilha.Tenho expressões pra tudo, meus olhos são acurados, vejo tudo, percebo tudo, sei quando estão tristes, alegres, pesarosos, estressados; vejo até coisas do outro mundo. Dizem que sou especial, nunca entendi isso, mas deixa pra lá. 
O que na verdade me interessa é falar de mim. Sou alegre e uso um filtro de seleção espetacular para escolher meus amigos: a energia, a aura, a sinceridade, tenho radares bons pra isso. Sou inteligente do meu jeito, tenho rotina e sigo-a melhor que muita gente.
Sou viajado, já cruzei o país inteiro, conheço do Oiapoque ao Chuí, saí do Mercado Modelo para os Pampas
Já posso escrever minhas memórias, a minha saga pela vida afora. Não contem a ninguém, mas sei falar, ler e escrever. Só não confesso isso pra não perder o posto de queridinho da família e passar de xodó a arrimo, seria triste. A indolência é meu defeito.
Ando, corro, como e durmo o dia inteiro. Guardo a casa. Hã..hã...pelo menos faço barulho, os outros acordam, tomam as providências e fica tudo bem, salvei todo mundo. Defendo as damas na pracinha, pra nenhum indivíduo de energia mais ou menos se aproximar. Me imponho mesmo.
Mas o principal, nesta minha jornada aventureira é que sou cuidado e me amam, zelam por mim e eu retribuo da melhor maneira possível.
Sou uma alminha em evolução, que sente, que sofre, que se alegra, que se comunica, que entende as coisas de um jeito muito próprio.
Sou um instrumento de carne e osso que serve pra ensinar as pessoas a amar  e desenvolver lealdade e confiança. Não estou aqui à tôa. Ninguém está.
Sou amigo, sou fiel, sou leal, sou Spike, o cocker da família Sanhudo Rocha. Vivo Feliz e dôo felicidade. Estou no lugar certo.





Esta é uma homenagem a Spike, um Cocker Spaniel de 8 anos, a alminha boa, com a qual a  família tem o prazer de conviver e que, a cada dia aprende coisas novas e ensina outras tantas.

domingo, 11 de setembro de 2011

A ÁGUA DA NOSSA ALMA

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O que nos move a praticar um gesto? uma atitude? do que é capaz uma ação?...não qualquer ação, refiro-me a uma ação leve, lenta, acompanhada do olhar, com todos os radares voltados para ela - o corpo, os olhos, o cérebro, a alma. A-ten-ção. Tempo dedicado a alguma coisa ou a alguém. Tempo parado.
Que diz este devotamento circunstancial e de curta duração? sei que você existe, gosto disso e prezo estar aqui. Sua presença me alegra, me traz boas sensações e quero isso. Que poder tem essa declaração dita com o olhar, com o toque, com o silêncio. Deram o nome desta "coisa" de carinho, é volátil, etéreo, preenche qualquer espaço, é incolor, inodoro e insípido. É a água da nossa alma.
Substimamos o valor do carinho. Tentamos conceituá-lo, defini-lo e classificá-lo. Como somos inteligentes, racionais e dispomos de uma gama de ciências que nós inventamos e metodologizamos para embasar nossos argumentos, conseguimos.
O carinho é universal atinge  todos os mundos em seus efeitos e em ser sentido na sua falta. No mundo dos animais irracionais é percebido, recebido e correspondido, só não é conscientizado. Animais sabem o que é carinho, gostam de carinho e sentem falta dele. No mundo vegetal, quanto mais carinho, mais viçosos ficam.
Mas carinho tem caras diferentes. Para as plantas, o conversar, o aguar, o adubar e estar presente. Para os animais, e aí nos incluímos, pode apresentar-se como um olhar, uma palavra, um toque, um aperto de mão, um afago, um voltar-se para conversar, o servir um café, um cozinhar com amor, um tempo do dia dedicado àquele.
Carinho tem esse nome porque, talvez chamar de raio de luz que invade a alma e quebranta ficasse muito extenso e alguém decidiu simplificar e chamar de CARINHO. O carinho é domador, conquistador, é manipulador, é subversor de naturezas e instintos. Confira!



O Instinto animal sempre estará lá...sempre, e grita, ruge para se manifestar. Mas o que se recebe é tão bom, tão reconfortante, tão evolutivo, tão prazeiroso, tão nirvana, tão desvirtuador, que a luta diária para suplantar os instintos vale a pena.
Carinho é moeda, carinho é território de influências, carinho é uma arma, carinho tem poder e  custa nada. Usemo-lo. Demos  de beber a nossa alma e a dos outros. Socializemos a água.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

NADA DEMAIS

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Sem pretensões propedêuticas mas, relembrando as aulinhas da tia Tetéia....o capitalismo surgiu com o desgaste do feudalismo e com o comércio nos burgos, que a princípio era escambo, e o surgimento de um índice mensurador do valor das mercadorias. A arte do bom sucedimento neste novo modo de produção era o acúmulo desse índice. Produção em massa, empregados remunerados - o que significava mercado consumidor, troca de mercadorias por dinheiro, criação de corporações para um determinado fabrico - as fábricas, as empresas, os bancos. O mundo se arrumou muito bem.
Surgiram os estigmas " bem sucedido" e "mal sucedido". Estas pechas são rótulos atribuídos à vida pessoal, referenciadas ao modo de produção.
Alianças com interesses políticos e econômicos sempre houveram, junções de empresas, de reinos, de famílias. Mas eram alianças, não vendas espúrias e baratas de pessoas, eram acordos de clãs, de grupos que se protegiam e até na mesquinhez eram corporativistas.
Vejamos onde o mesmo modo de produção econômica tem adentrado nossas casas, nossas vidas, nossas famílias e a construção humana hoje. Assista!


Hoje o capitalismo é comprar. Se o indivíduo não consumir ou consumir a partir de uma necessidade e em silêncio, ele não é um indivíduo. A educação dos pequenos, hoje, é baseada no consumo. Não se sabe mais o que é estar com o coleguinha somente por estar, visitá-lo para brincar apenas. O objetivo é saber que brinquedo ele tem, qual a marca do celular, se a mochila é da marca X, se os cadernos são do desenho W e se os tênis são do super herói Z. Confira!


Mas isso é nada demais! Sim. Se esse indivíduo não se tornasse um adulto. Um adulto que escolherá  o namorado/namorada pela roupa que usa, que medirá sua auto-confiança e seu poder de relacionar-se pelo que pode proporcionar a alguém em valores monetários, que selecionará o outro pelo marca do carro, pela marca do relógio ou pelo presente que ganhar. Conheça o sonho de vida dos nossos jovens e adolescentes e que belíssimo exemplo!
Mas isso é nada demais! O mundo está todo assim! Vou criar meu filho para ser um extra-terrestre? Não. Vai criá-lo para ser o que a natureza determinou que fosse, um ser humano, dotado de alma e espírito, em suma, sentimentos e cuja missão é evolução e que dispõe de instrumentos chamados valores para o exercício dessa evolução e cujo palco de atuação é a vida.
Ensinamos aos filhos a verem o pai como Banco Central. Ensinamos aos filhos que basta querer, pois a culpa dos pais por não estarem juntos tanto quanto deviam/queriam, paga a conta. Ensinamos aos filhos a verem as outras pessoas como cifrões. E os tentáculos do capitalismo adentram a nossa vida emocional, vira referencial de escolha de amigos, de seleção de namorado, de aceitação de vizinhos, de afeto.
Deixar uma criança se transformar em alguém assim é construir um adulto infeliz, mesmo que acompanhado. Se for um cidadão com poder aquisitivo, será alguém que se acha no direito de comprar os outros ou que se protege em demasia por não acreditar em ninguém, e com razão. Se for um cidadão sem poder aquisitivo, será, quase sempre, alguém que se prestará a qualquer papel para obter o que quer, se vilipendiará por míseros bens materiais duráveis ou não.
E quando vemos pessoas procurando felicidade nas drogas, na contravenção, em exercícios de atividades ilegais e  afins, não sabemos porque. Nós fabricamos isso.
 As drogas hoje tem sido o anestésico para muitas pessoas que, quando estão sozinhas consigo mesmas, não aguentam saber que aqueles que os cercam não estão ali por eles, mas pelos que eles podem proporcionar. Temos exemplos de artistas famosos mortos por overdose, recentemente, Amy winehouse. Esse vazio que mora dentro de nós é o grito da alma dizendo existir e precisar de alimento. Quanto custa em dinheiro resolver isso? Nada e ao mesmo tempo não tem preço.
Tá na hora de colocar um limite a esses tentáculos na nossa vida pessoal, tá na hora dos valores emergirem como referenciais silenciosos e tomarem o seu lugar e isso se dá através da educação familiar. Comprar, verbo maldito!
Felicidade não se compra, lealdade não se compra, paz não se compra, aconchego não se compra, química com alguém não se compra, amigos não se compram, saúde não se compra, respeito não se compra, auto-estima não se compra.
Mas, felicidade, lealdade, paz, amor, aconchego, carinho, companheirismo, parceria, cumplicidade, amizade, fraternidade, saúde, originalidade, autenticidade, bom senso, bom caráter, isenção, imparcialidade, auto-estima e assertividade é NADA DEMAIS. Não é?!









domingo, 28 de agosto de 2011

LEALDADE

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Lealdade é uma palavra. Lealdade é uma linha reta eterna e paralela a tudo, não cruza nunca com nada nem com ninguém. Lealdade deve ter sido inventada para servir a seu próprio criador. Lealdade é uma dama rija, imponente, segura e elevada espiritualmente. Não se curva, não se presta à indignidade. Lealdade é um estilo. Lealdade é uma qualidade. Lealdade é um substantivo..... e vamos subjetivando a Srª Lealdade para vermos até onde esta dama honrada nos levará.
Lealdade é respeito, é reverência, é um "modus vivendis".  Lealdade é um vírus do bem que é enxertado nas veias de espíritos nobres. Lealdade é uma espécie de carimbo invisível que marca as pessoas especiais. A Lealdade é linda! tem frescor, é impávida. A Lealdade dá prazer de contemplar....sim a Lealdade é contemplável nos espíritos que foram agraciados com ela, porque Lealdade dá vigor ao semblante, uma natural segurança no viver, no agir, no falar.
A Lealdade traz consigo senso de justiça e temperança. A Lealdade é o berço das qualidades inventadas para serem distribuídas às almas; dela vêm a honestidade, o escrúpulo, a honratez, a sabedoria. Lealdade era a primeira das virtudes, que na modalidade metafísica, estava misturada ao caldo de aminoácidos que deu origem à vida como conhecemos no "Big Bang".
Lealdade é o princípio, o alfa, o começo de tudo no mundo dos valores. É uma das poucas qualidades que podem ser vistas com olhos de ver e sentida pelos sensores de nossa alma, quando estamos diante dela. Lealdade é a pureza que ainda resta neste mundo de interferências, ruídos e mal entendidos. Lealdade começa dentro da gente. Ser Leal é ver e ver. Não se enganar, não inventar, não confundir, é admitir, é ser fiel a sí. 
Usar Lealdade é ter coragem. É ser herói num mundo de valores tortos e torpes. Lealdade dá firmeza e cobra verdade. Possuir Lealdade é não tapar o sol com a peneira. A lealdade não precisa de platéia, de aplausos, de certificados, de diplomação. Lealdade é exercício de isenção. Não se pode ser Leal aqui e não sê-lo ali. Lealdade não é um estado, Lealdade é ser.
A Lealdade configura-se como uma forma de viver de maneira ereta, enxergando coisas e pessoas como de fato se apresentam, mesmo que doa. É ter coragem de se expor à decepção e reerguer-se. É ser verdadeiro com o outro sem precisar ser cruel. Lealdade é uma jóia preciosa que não pode ser roubada.
 Muitas vezes o Leal pode ser confundido com o bobo, o otário. É o que não aproveita oportunidades excusas, o que não entrega amigos, o que não trai seus princípios. Na verdade o Leal é aquele que conserva a limpidez do olhar e a alma imaculada. Passa pela vida em silêncio, aproveitando dela tudo o que ela tem a ofereçer: lições.
O Leal é o aprendiz lapidado, terra boa, terreno fértil, possuir Lealdade é estar a meio caminho dos avatares. Possuir Lealdade é possuir o arcabouço, a partir do qual tudo pode ser construído.