domingo, 30 de março de 2014

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR....

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Essa semana foi publicada uma nota na Revista Contra-Relógio, uma revista desportista, sobre a morte de dois  meio-maratonistas amadores  (Aqui!). Notícias como essa são cada vez mais frequentes em corridas de média/longa distância, eram "comuns" em corridas de longa/longuíssima distâncias como de  42Km pra cima. Fatalidades acontecem, quando chega a hora, não adianta, pode estar em casa, na padaria, no shopping, onde for, o que tem que ser é  e pronto. Mas essa  incidência  frequente de mortes e atendimentos médicos sérios a partir das corridas de 10Km nos leva a uma reflexão pertinente.
Sempre houve quem fizesse seu "cooper" pela manhã ou à noite e ficasse feliz com isso, mesmo sendo um em um milhão. De repente temos a notícia de que atividade física faz bem à saúde e as marcas desportistas resolveram investir pesado nisso. Surge, então, o "boom" de corridas. Há dez anos atrás, caminhadas e corridas de 5Km foram o chavão para uma nova era na chamada "geração saúde", ate aí, tudo bem!
A questão é que coisa foi tomando uma proporção sem controle, e hoje, um indivíduo sem a menor noção do que seja correr calça um tênis e faz  uma inscrição para 21Km. Estar em atividade intensa por mais de duas horas (é esse o pace  de um amador para uma meia maratona) com o dobro do próprio peso sobre as articulações e a coluna vertebral ( é essa a lei da física) sobrecarregando o músculo cardíaco sem preparo específico e nenhuma seleção mais rigorosa, como é feito nas maratonas (42Km),  não é para qualquer um. Exige preparo adequado, planilha de treino, disciplina, cardiologista, nutricionista, fisiologista e tempo para administrar tudo isso. Não é uma atividade que se faça quando puder, se puder ou se der. Isso exige trabalho, dedicação e consciência.
Ambulâncias são necessárias, proporcional ao contingente da corrida, de acordo com a legislação vigente, e as corridas de boa estrutura - e só essas são recomendáveis - sempre mantiveram-se  além do que é exigido. Há cinco anos atrás as corridas de 10Km tinham atendimentos bobos, tombos, torções e afins, o  contingente era bem menor. Hoje, depois dos cinquenta minutos de corrida é um vai-e-vem de ambulâncias e sirenes, para atendimentos sérios, que o corredor preparado, que está curtindo sua corridinha, ouvindo sua playlist e nos braços de Apollo, tem que prestar atenção para não ser atropelado. Já testemunhei (conversei/acompanhei) um corredor que estava participando de uma corrida de 10Milhas (16.090 Km) pensando que eram 10Km e terminou a corrida vomitando. Quem não sabe discernir essas distâncias, obviamente, não treinou nem para uma nem para outra.
Mas, Correr hoje é fashion. Ser atleta, e corredor frequente de média e longa distância, não é um modismo, um título, é um estilo de vida. Atinge tudo. Correr não é para quem quer é para quem pode (certifique-se) . A diferença é fisiológica. Esse "boom" irresponsável de corridas sob a alegação da saúde, com objetivos claros de lucro(nenhuma corrida sai a menos de cem reais) deveria ser no mínimo ético e dizer que corrida envelhece (Confira!) e, por conseguinte, diminui sensivelmente o tempo de vida do indivíduo, que vai morrer com saúde  e saudavelmente, é claro. Tudo tem sua contrapartida, a corrida é uma atividade maravilhosa para a saúde mas, é esse o seu lado negativo. Essa coisas ninguém diz.
Corrida de longa distância,  é pra louco que tem tesão por cada etapa, do preparo físico, do condicionamento, da disciplina e do sofrimento (porque a partir de 21Km é sofrimento) e se avalia, se analisa, se desafia e presta atenção no que o corpo dá como resposta a tudo isso. Correr longa distância é uma odisseia interna, pessoal, intransferível e inalienável. Só serve para quem tira prazer disso e sabe o que está fazendo. Imaginemos uma chamada ética para corridas, assim:

Venha correr conosco!
Fazer uma atividade física, fabricar radicais livres!
Ficar em forma e mais velho.
Você vai ter um fôlego de criança por muito menos tempo do que você imagina.
Gaste-se conosco!
Participe!

Porque é por aí. E se assim fosse, não iria ninguém, só a galera de sempre, os loucos de plantão que fazem isso a tempos e com o aparato e responsabilidades devidas.
Posturas de alerta, como esse texto não são bem-vindos, mas são necessárias. Esse tipo de conscientização deveria contribuir para que as pessoas medissem suas ações e consequências. Correr sem preparo, além de atrapalhar quem se preparou, MATA ou deixa sequelas.
Quer correr? Corra 5Km dá pra fazer andando, conversando com os amigos e depois exibir aquela camisa bacana no churrasco  regado a cervejinha e uma medalha para tirar onda com os familiares e postar nas redes sociais. Lembre-se, mais vale um corredor de academia (5K)vivo do que um meio maratonista morto.
E reitero que as mortes ocorridas, tanto na semana passada, e em outras tantas, noticiadas ou não, são apenas catalisadores para nos fazer refletir sobre a questão desse massa enorme de atletas que surgem da noite para o dia.
Em tempo: Meus sentimentos para com as famílias do atletas.

domingo, 23 de março de 2014

PENSAMENTO LIVRE E OPINIÃO

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Uma das premissas de maior importância na vida de um ser pensante é a liberdade de pensamento, isso mesmo, esse lugar tão recôndito parece estar ameaçado. Da Grécia antiga, passando pela idade média, pelo Renascimento, o Iluminismo e a revolução francesa, o "livre pensamento" foi um movimento que se recusou a verdades reveladas, linhas de raciocínio impostas, vertentes de manipulação de uma minoria empoderada em cima de uma maioria desvalida, seja nos aspectos religiosos, políticos, filosóficos ou idealistas.
Hoje, nos aventamos de democráticos, libertários, praticantes da liberdade de expressão e nos revestimos da pecha de 'livres'. Será? Falar sobre opinião, pensamento livre e seus exercícios é muito difícil, pois as multifacetagens desses conceitos são imensuráveis. Mas essa semana a celeuma em torno do tema acendeu os ânimos dos pensadores de plantão, dos nobres aos tupiniquins.
A edição de Jan/Fev (2014) da revista Revestrés,  - Não eletrônica - de Teresina, Piauí, da Quimera produções, traz uma entrevista com Ferreira Gullar falando sobre opinião e hipocrisia. Para variar, com muita propriedade, Gullar disserta sobre a opinião que não se tem, mas que se emite, porque todo mundo quer ouvir, ou se quer usar a tal como instrumento de manipulação de opinião pública. Gullar fala sobre a hipocrisia nossa de cada dia envernizada e lustrada com poliflor.
O que de fato está em pauta é o quanto nos pusemos no meio de uma guerra de retóricas, cujos projéteis são imaginários, mas altamente ferinos e, concomitantemente, avassaladores para quem diz qualquer coisa sobre qualquer assunto, dependendo do que diz e se é o que a audiência quer ouvir ou não. A ditadura da palavra está oficialmente empossada e podemos ter a opinião que quisermos contanto que seja a de todo mundo. Atrevamo-nos a expressar, de fato, as considerações que fazemos sobre os assuntos mais em voga e polêmicos, com o nosso repertório de significações, aprendizados pessoais e experiência de qualquer esfera, mesmo que não sejam ofensivos, se emitirem originalidade e coragem, voltamos o mundo contra nós e, quiçá, começamos uma guerra.
Desde os idos de nossos avós sabemos, que é princípio de sabedoria não dizer tudo o que se pensa. De fato, nem tudo pode ser dito. Mas como classificar o polimento do pensamento? "isso aqui é assim, isso aqui não é" baseado num movimento político, ou de classe, ou social ao qual se pertence? ou ao um nicho ideológico que nos diz como pensar? Onde foi parar a liberdade de pensamento? Onde perdemos a capacidade de chegar a considerações sobre fatos, contextos, situações, questões e circunstâncias, usando nossas próprias experiências, leituras e conexões?
Não se trata de movimento político, se trata de exercício de existência. Admiramos os pequenos (crianças) por criarem suas próprias conexões e empregnarem nelas as suas digitais de alma e personalidade e negamos, pisoteamos e vilipendiamos as nossas. Não se trata de sair mundo afora sem limites, atuando de acordo com o que se pensa desarvoradamente, sem contextualização; se trata de se proporcionar a liberdade e o direito de pensar, de apreciar seu próprio pensamento, atestar-lhe sua existência, sem precisar dar satisfações ou participar de filões ideológicos ou de iguais e ser respeitado por isso. Se conhecer através do que se pensa, admitir o que se pensa sem hipocrisia, sem encaixes sociais/ideológicos desnecessários. Sim, porque se esses vêm com essa intenção de cerceamento, são desnecessários.
Se no livre  pensamento - o movimento -  a definição é de que seja o ponto de vista, filosófico ou não, baseado na ciência, na lógica e na razão, sem influências de dogmas, tradições ou autoritarismos aleatórios e espúrios. No Pensamento livre - o exercício da existência -  a definição, talvez possa ser, a expressão intrínseca mais pura de um indivíduo, a partir de suas percepções, sensações e aprendizagens de todos os lugares pelos quais tenha passado, desde os geográficos até os estados d'alma. E que todos os nichos, espaços ideológicos e de saber, respeitem esse ente e o insira em seus quadros, enriquecendo-se. Desde as escolas, passando por igrejas, clubes, partidos políticos, agremiações, vizinhança etc...
Talvez, a partir daí, tenhamos o início de um caminho que respeite o direito de cada um pensar diferente, por si mesmo e ter direito a opinião. Porque temos. E opinião vem de pensar com a própria cabeça, sem a menor intenção de agradar nem a gregos nem a troianos, mas de exercer o direito democrático de se expressar e ser respeitado. Não sendo assim, estamos fabricando novos grilhões de atrelamento uns aos outros, que servem de critério de aceitação e, por conseguinte, de rechaçamento. E também, inaugurando um veio novo para institucionalizar o preconceito, só que agora, é o ideológico, o de qualidade de pensamento, o dos caminhos pelos quais passam as nossas significações, a discriminação por opinião, o silenciamento e a fábrica oficial de rebanhos.
Ferreira Gullar só vem atestar, com seu desmascaramento da hipocrisia, o que Martin Luther King já sabia a meio século atrás.

 

Conheça a revista Revestrés (Aqui!)

domingo, 16 de março de 2014

PONTO CEGO

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No contexto em que vivemos, com um bombardeio ininterrupto de informações que não damos conta, num amontoado de "realidades" nas quais uma se sobrepõe a outra, parecemos barata tonta sem saber que bonde pegar, ou mesmo, a qual nicho pertencemos ou qual das "realidades" nos identificamos mais, numa matrix sem precedentes.
A pergunta que, possivelmente, deveríamos nos fazer, é: " o que será que não estamos vendo?" A vida sempre foi engano e ilusão, andamos um tanto para descobrir que estávamos enganados, mundos dentro do mundo maior. A diferença entre as ilusões, talvez seja, o quanto de pessoas optaram pela mesma ilusão, acreditando nela, atuando nela, o tempo de duração que ela terá e a força que a escolhida ilusão terá/tem sobre seus adeptos. Sair da ilusão é difícil, talvez procurar a coxia, os bastidores, a parafernália que a faz funcionar, seja um caminho. Talvez prestar atenção na equipe que a propagandeia, que diz que o caminho é aquele, que é o melhor, às vezes até, que é o único; seja outra boa opção. 
Provavelmente, toda ilusão tenha um mentor, um objetivo, uma trilha, e nós os seguimos sem enxergar, sem questionar, sem se perguntar o que será que não estamos vendo. Que muitas vezes, para quem está fora dessa trilha é tão óbvio, mas que nós também não temos capacidade ou condição de escutar. Onde estamos sendo ludibriados sem percebermos? Até onde nos enganamos porque não sabemos do que deveríamos saber? Até onde não enxergamos ou não queremos enxergar? Até que ponto esse jogo conosco mesmo, também não é um engano? Até  quanto temos o retorno dos preços que pagamos pelo que escolhemos? Qual é a parte do outro? Cadê a balança?
A vida é prisma de mil lados. Mas dos que damos conta, o que não vemos? O que não compreendemos? Como processamos tudo isso?
Não sabemos. Mas ter consciência de que este ponto cego existe em tudo o que fazemos, em tudo que escolhemos e em todos os caminhos que resolvemos trilhar e estar atento a ele,  já é um bom começo.

sábado, 8 de março de 2014

MIDAS DE SAIA

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Uma maneira positiva de celebrar o dia internacional da mulher, seria exaltando mulheres extraordinárias. Que pensaram para além do seu tempo, que tinham consigo a semente da 'modernidade', no sentido de se ajustarem mais aos dias de hoje, do que,  propriamente, às suas épocas. Mulheres que não respeitaram os padrões designados para elas, que não se encaixaram na fôrma para qual foram destinadas, só por terem nascido mulher, e venceram, ou ao menos, deixaram a porta aberta para que as gerações seguintes fizessem a diferença.
A nossa musa de hoje é uma dessas. Uma mulher extraordinária, poderosa, inteligente, perspicaz e que não se curvou a um destino comum. Trata-se de Dona Eufrásia Teixeira Leite (1850-1930), uma filha de fazendeiros abastados da região do vale do paraíba, no estado do Rio de Janeiro. Que teve um educação diferente da maioria das donzelas da época. Regada a livros importados da França e orientações para os negócios. O mais espantoso é que tudo isso se desse em pleno século XIX.
Uma mulher ousada, para os padrões da época, sem ser vulgar. Tinha um visionarismo para os negócios,  que  era de espantar na época mas, mais ainda, por ser respeitada num nicho majoritariamente masculino. Gerenciava tudo de Paris, cidade na qual foi morar aos vinte e três anos, teve um caso longo com Joaquim Nabuco durante mais de uma década, em moldes bem modernos. E se recusou a casar-se,  que era um escândalo para a época.
Admitamos que o diferencial de D. Eufrásia era o seu assento financeiro e sua educação atípica. Mas muitas mulheres, herdeiras de grandes fortunas, não tinham seu poder de decisão, originalidade e coragem. O 'xis' da questão de D. Eufrásia era a sua personalidade, o quanto acreditava em si, sua ousadia bem calculada e meticulosa num território que não era tido como apropriado para mulheres. Isso tudo, sem afrontar, sendo necessária sem estardalhaços.
D. Eufrásia era uma mulher decidida, visionária, poderosa, sem fazer uso disso de forma espúria. Viveu oitenta anos com uma lucidez invejável e fechou muito bem o ciclo de sua existência. Destinou a maior parte de sua fortuna, sem herdeiros diretos, às instituições de caridade de Vassouras e para os pobres de Paris (cidade que viveu durante cinquenta anos).
D. Eufrásia nos dá um exemplo sobre a possibilidade do inusitado a partir do uso da estrutura que se tem, da não conformação com os modelos vigentes e do acreditar em si mesmo. D. Eufrásia, no século XIX, desmistificou o imaginário de que mulher não pensa, de que existe mundo de homem e mundo de mulher, de que padrões e convencionalismos são para serem seguidos.
Imaginemos, tendo como base os exemplos de descriminação de gênero de hoje, o que D. Eufrásia não deve ter ouvido de alguns, mesmo com sua fortuna; como não deve ter sido tratada por outros, e por outras, nós mulheres não somos corporativistas. Isso tudo numa época em mulher era propriedade dos maridos.
De vez em quando fazer esses voos rasantes pela nossa história, é bom para a gente perceber que sempre existiram mulheres que não se submeteram, que lutaram, cada uma de acordo com seu contexto, suas possibilidades e potencialidades. Que não somos as únicas e que não seremos as últimas.
Viva D. Eufrásia Teixeira Leite! Um espírito  nobre que vestiu um corpo de mulher por oitenta anos e que nos deu um exemplo magnânimo de possibilidades.
VIVA NÓS!

Saiba mais sobre D. Eufrásia (Aqui!)