domingo, 23 de março de 2014

PENSAMENTO LIVRE E OPINIÃO

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Uma das premissas de maior importância na vida de um ser pensante é a liberdade de pensamento, isso mesmo, esse lugar tão recôndito parece estar ameaçado. Da Grécia antiga, passando pela idade média, pelo Renascimento, o Iluminismo e a revolução francesa, o "livre pensamento" foi um movimento que se recusou a verdades reveladas, linhas de raciocínio impostas, vertentes de manipulação de uma minoria empoderada em cima de uma maioria desvalida, seja nos aspectos religiosos, políticos, filosóficos ou idealistas.
Hoje, nos aventamos de democráticos, libertários, praticantes da liberdade de expressão e nos revestimos da pecha de 'livres'. Será? Falar sobre opinião, pensamento livre e seus exercícios é muito difícil, pois as multifacetagens desses conceitos são imensuráveis. Mas essa semana a celeuma em torno do tema acendeu os ânimos dos pensadores de plantão, dos nobres aos tupiniquins.
A edição de Jan/Fev (2014) da revista Revestrés,  - Não eletrônica - de Teresina, Piauí, da Quimera produções, traz uma entrevista com Ferreira Gullar falando sobre opinião e hipocrisia. Para variar, com muita propriedade, Gullar disserta sobre a opinião que não se tem, mas que se emite, porque todo mundo quer ouvir, ou se quer usar a tal como instrumento de manipulação de opinião pública. Gullar fala sobre a hipocrisia nossa de cada dia envernizada e lustrada com poliflor.
O que de fato está em pauta é o quanto nos pusemos no meio de uma guerra de retóricas, cujos projéteis são imaginários, mas altamente ferinos e, concomitantemente, avassaladores para quem diz qualquer coisa sobre qualquer assunto, dependendo do que diz e se é o que a audiência quer ouvir ou não. A ditadura da palavra está oficialmente empossada e podemos ter a opinião que quisermos contanto que seja a de todo mundo. Atrevamo-nos a expressar, de fato, as considerações que fazemos sobre os assuntos mais em voga e polêmicos, com o nosso repertório de significações, aprendizados pessoais e experiência de qualquer esfera, mesmo que não sejam ofensivos, se emitirem originalidade e coragem, voltamos o mundo contra nós e, quiçá, começamos uma guerra.
Desde os idos de nossos avós sabemos, que é princípio de sabedoria não dizer tudo o que se pensa. De fato, nem tudo pode ser dito. Mas como classificar o polimento do pensamento? "isso aqui é assim, isso aqui não é" baseado num movimento político, ou de classe, ou social ao qual se pertence? ou ao um nicho ideológico que nos diz como pensar? Onde foi parar a liberdade de pensamento? Onde perdemos a capacidade de chegar a considerações sobre fatos, contextos, situações, questões e circunstâncias, usando nossas próprias experiências, leituras e conexões?
Não se trata de movimento político, se trata de exercício de existência. Admiramos os pequenos (crianças) por criarem suas próprias conexões e empregnarem nelas as suas digitais de alma e personalidade e negamos, pisoteamos e vilipendiamos as nossas. Não se trata de sair mundo afora sem limites, atuando de acordo com o que se pensa desarvoradamente, sem contextualização; se trata de se proporcionar a liberdade e o direito de pensar, de apreciar seu próprio pensamento, atestar-lhe sua existência, sem precisar dar satisfações ou participar de filões ideológicos ou de iguais e ser respeitado por isso. Se conhecer através do que se pensa, admitir o que se pensa sem hipocrisia, sem encaixes sociais/ideológicos desnecessários. Sim, porque se esses vêm com essa intenção de cerceamento, são desnecessários.
Se no livre  pensamento - o movimento -  a definição é de que seja o ponto de vista, filosófico ou não, baseado na ciência, na lógica e na razão, sem influências de dogmas, tradições ou autoritarismos aleatórios e espúrios. No Pensamento livre - o exercício da existência -  a definição, talvez possa ser, a expressão intrínseca mais pura de um indivíduo, a partir de suas percepções, sensações e aprendizagens de todos os lugares pelos quais tenha passado, desde os geográficos até os estados d'alma. E que todos os nichos, espaços ideológicos e de saber, respeitem esse ente e o insira em seus quadros, enriquecendo-se. Desde as escolas, passando por igrejas, clubes, partidos políticos, agremiações, vizinhança etc...
Talvez, a partir daí, tenhamos o início de um caminho que respeite o direito de cada um pensar diferente, por si mesmo e ter direito a opinião. Porque temos. E opinião vem de pensar com a própria cabeça, sem a menor intenção de agradar nem a gregos nem a troianos, mas de exercer o direito democrático de se expressar e ser respeitado. Não sendo assim, estamos fabricando novos grilhões de atrelamento uns aos outros, que servem de critério de aceitação e, por conseguinte, de rechaçamento. E também, inaugurando um veio novo para institucionalizar o preconceito, só que agora, é o ideológico, o de qualidade de pensamento, o dos caminhos pelos quais passam as nossas significações, a discriminação por opinião, o silenciamento e a fábrica oficial de rebanhos.
Ferreira Gullar só vem atestar, com seu desmascaramento da hipocrisia, o que Martin Luther King já sabia a meio século atrás.

 

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