domingo, 15 de maio de 2016

ESTUPEFAÇÃO EM PRIMEIRA PESSOA

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Tenho passado pouco por aqui. Tenho me voltado pouco para dentro. Tenho me reportado a mim mesma com uma certa raridade. Tenho me deixado prender na pressa, nas armadilhas da vida, nos prazos, nos afazeres. Tenho me esquecido um pouco, tenho me vasculhado pouco.
E quando a vida, seja ela pessoal: emocional, afetiva ou familiar; profissional: trabalhos e estudos; ou social: política e amigos dão uma chacoalhada, a falta daquele cantinho de mim mesma fala mais alto. Lá não preciso me  preocupar se o que penso será acreditado ou não, é de mim para mim mesma. Lá, não preciso pensar no que vou dizer/pensar, sou livre de amarras e polimentos desnecessários.
Essa semana, a minha visão de humanidade (a expressão é essa, superpotencializamos nossa casa e estendemos o conceito ao mundo, é um defeito humano) deu um passo atrás no que concerne a valores defensáveis com a vida e com a honra (minha visão outra vez); dez passos atrás no que concerne à lógica de ação para o bem comum. Essa semana, um grupo de crianças que não sabem brincar no play, se não for sempre a sua vez, expulsaram as outras crianças que brincavam com seus brinquedos (já com a área cerceada) e ensinavam os outros a brincar. Essa semana, as outras crianças foram retiradas de foco. A diversidade sumiu. O playground agora tem crianças da mesma cor, com os mesmos brinquedos, com o mesmo gênero e que vão dizer quem brinca e com quais brinquedos.O quadro pintado deixou de ser colorido com crianças de todos os jeitos, cabelos de todos os tipos, meninos e meninas misturados. Virou um painel de fábrica como foto de funcionário padrão. Virou um salão de velório.
Essa semana, pisaram em cima da escolha das outras crianças, quebraram os brinquedos da democracia, o livrinho Carta-Magna,  pintaram de cinza os espaços de cultura, de fomento de pensamento, fecharam a salinha de fiscalização dos chefes da brincadeira. Essa semana o play está em silêncio. Vai todo mundo para  a escola triste... aprender o que? A formar um clube que se conecte por interesses pessoais? Que arbitrariamente escolha quem vai crescer, quem vai melhorar? Essa semana se ensinou lá escolinha do play que se o clube souber usar bem um espirro (todo mundo espirra) e souber fantasia-lo de rosnado para um mais desavisado e tosco ( e existem zilhões) e mantiver essa embalagem para uma maioria (em valores absolutos) como 'VERDADE',  se vence. Essa semana vimos as crianças mimadas do play tomar de assalto uma nação inteira, numa logística de ação esquentada e requentada desde o mensalão.
Essa semana, .... não sei mais o que ensinar, desaprendi a responder com veemência e peremptoriedade às perguntas afoitas de adolescentes sobre política e História. Essa semana ensaio um silêncio que não gosto, um engasgo que repudio. A partir dessa semana não sei se dou aula de História ou de vigilância à sordidez humana ( e nessa matéria sou completamente analfabeta, não gosto dela). 
Nasci na ditadura, três meses depois do AI-5, cresci nela. Não fui  torturada, não deu tempo de ser militante neste período (o fui em outro momento). Mas o que me marcou foi não poder cantar o Hino Nacional como eu queria (sempre gostei de cantar). Então, como criança, o significado da ditadura para mim, era não poder cantar o Hino Nacional. Quando vi Fafá de Belém cantar o Hino no movimento das Diretas Já! fui ao delírio e como boa rebelde larguei a voz. Para cantar, para falar (sou boa nisso) e, posteriormente, para escrever.
Como gosto de ouvir coisas diferentes aos montes, de gente diferente, de jeitos diferentes; como aprendi a prezar a heterogeneidade ( por ela sempre me trazer novidades, me ensinar e me aceitar) e a multiculturalidade existente dentro das universidades pisando no mesmo chão ao mesmo tempo, babei de felicidade e satisfação ao ouvir falas mil durante minha juventude, e até hoje. Seja em Grupos de Pesquisas, em plenárias de assembleias ou de qualquer outros fóruns de discussões legítimos em que o exercício de exposição do pensamento fosse bem-vindo e respeitado. Para mim democracia sempre foi isso: respeitar o outro, suas decisões e seguir os trâmites acordados legalmente; aprender com o outro, nas atuações cotidianas e me deixar também um pouco no outro.
Em aulas de Filosofia e História sempre disse que tudo tem preço. E que o preço de se lutar pelo que se quer, sendo justo e não ferindo o direito do outro sempre vale a pena, e é um exercício acordado em sociedade quando esta se define como democrática. Sou professora de uma disciplina considerada chata, que pelo meu tesão, sempre tive sala cheia ( para surpresa de todos inclusive minha). Hoje vou continuar protestando, mas algo em mim morreu, vendo pessoas inteligentes, que sabem o que estão fazendo, sabem o que isso significa política e economicamente para o país em sua casa e lá fora, se mancomunarem, e sabedores que fazem isso sem respaldo algum, na cara de todo o MUNDO darem um ponta-pé na mais preciosa de nossas virtudes políticas: a democracia.
Só deixo de lutar quando morrer, e olhe lá. Mas, hoje vendo o que vi, quero o direito de desabafar, de ficar triste, de me amuar. Minha dor é mais pessoal do que devia, perdi o prumo, misturei tudo e estou envergonhada de minha peremptoriedade diante de meus alunos esses anos todos. Me sentindo a mais idiota da inteligentes... uma inteligente idiota.
Mas como sou MULHER, BRASILEIRA, PROFESSORA e do signo de peixes (para alguma coisa tem que servir um carma tão grande).... vou sobreviver!!!!