domingo, 12 de novembro de 2017

CASULO

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Todos sabemos, ou deveríamos saber, o que é um casulo. Aquele lugar escuro, apertado, de isolamento, de hibernação e de transformação. Quantas ilações podem ser feitas através da metáfora da transformação da lagarta em borboleta. Das filosóficas às espirituais. Porém, quase todos nós, senão todos, só nos detemos nos resultados. Todos, basicamente,  observam somente o final, o que é bonito, o que já está pronto. E, assim, não comparamos a beleza e a majestosidades da borboleta ao seu primeiro estado, o malemolente, asqueroso estágio de lagarta. Mas, quase nunca, ou nunca mesmo, pensamos no processo. Na dor, no escuro, no medo, na necessidade de solidão, na proibição de ajuda, isso quando não se fala na real impossibilidade de ajuda, em um processo que é individual e intransferível pelo qual passa o ser disforme e asqueroso, que nem sabe o que vai se tornar. Não sabe se conseguirá chegar ao final do processo, se o entorno e as intempéries vão deixar essa jornada terminar. Sim porque neste caso a casulo está entregue ao ambiente e a seus imprevistos, e está completamente indefeso.  A empreitada  é solidão pura, o espaço é apertado só dá para arfar e 'desarfar', porque respirar é preciso. O medo é imensurável (que é isso? o que está acontecendo? O que que faço? Para quê isso? No que vai dar?) a transformação é um vale o qual se atravessa sozinho, torcendo para alguém não nos esmagar, não vir uma vassoura e nos retirar do lugar, não sermos pisado ou, pior, na melhor das boas intenções, não vir alguém nos ajudar, por solidariedade ou por pena  e abrir o casulo antes da hora e nos tornar aleijados... uma borboleta fosca e que não voa. A força empreendida para abrir o casulo é necessária para o fortalecimento dos músculos das asas. Ou seja lá como são chamados.  Logo, tudo tem sua hora certa.


Cada dor é necessária, cada pressão tem sua função, cada medo constrói um aprendizado, cada minuto nos aproxima mais de nós mesmos. Nos faz prestar atenção nos resultados do processo, as asas que surgem, sem nem sabermos que são asas. Cada coceira insuportável é um cor fulgurante que se imprime no novo corpo. Mas que não sabemos o que será, e sequer sabemos o que é cor.
O processo de mudança em nossas vidas, que nos oprime, que nos machuca, nos acua, nos transforma temporariamente em impotentes e à mercê do desconhecido é um turbilhão assustador mais do que necessário para nos tornarmos quem devemos ser, quem vamos ser. um 'nós' melhorado. Todo processo de mudança é um tsunami, um terremoto avassalador em toda a nossa estrutura. Mas como somos cognitivos, seres superiores, designados em alguns escritos ditos sagrados como 'coroa da criação' (no que tenho lá as minhas dúvidas) não nos comparamos à lagarta. Mas esquecemos que não temos como nos compararmos à borboleta se não estivermos nos remetendo à sua 'lagartice'. Quando falamos do processo de mudança em nossas existências chamamos elegantemente de hiato. Porque preferimos esconder ou esquecer a dor do processo e dar uma ideia de suspensão dos contatos e do social. Isso sim é uma lagartice só. Só percebemos o quanto alguma coisa foi útil para nós quando prestamos atenção no que passamos, na dor que suportamos e assim percebemos o quanto crescemos, temos a, possível, real dimensão de quem éramos e de quem nos tornamos. Quem suprime isso, não aprendeu nada. E aprender é, provavelmente, o principal objetivo de nossa existência. Só curte o estado de borboleta quem se lembra do de lagarta e prestou atenção ao processo.
Tudo isso é só licença poética para o ditado popular que diz que devemos fazer dos limões uma limonada. Eu, particularmente, prefiro uma caipirinha. Os mais eruditos chamam tudo isso de  resiliência. Mas depois de tanta caipirinha só que sei fazer é olhar para mim mesma e dizer....muito prazer em conhecê-la!