domingo, 9 de agosto de 2020

CABELOS DA TERRA

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Árvore chamada Dragoeira, localizada em Socoba no nordeste da África. Foto: Beth Moon no livro: "Ancient Threes: Portraid of Time /Abbeville Press 
 
Tempos difíceis...  para falar o de menos. Como não pensar nos milhares de mortos da pandemia? Como não pensar nas polaridades políticas e não se indignar com elas, trazendo um ranço de energia ruim para o nosso cotidiano? Como não pensar no Líbano e nas complexidade de forças que ali atuam e com o que aconteceu esta semana? Como não pensar no aproveitamento hediondo de uma pandemia pela política nacional e internacional para se forçar ações nas questões geo-políticas-econômicas do planeta que, jamais seriam cogitadas, se não estivéssemos vivendo o caos ou o princípio do fim?
Evadir-se para uma galáxia muito, muito distante (Star Wars, 1977) é uma excelente maneira de se afastar da ilha para se conseguir ver a ilha (Saramago, 1997). Parar e pensar holísticamente naquilo que nos cerca e no que somos dentro desse contexto, talvez  nos explique, possivelmente até justifique, tudo o que passamos hoje. Entrar em introspecção e procurar nos afastarmos dos maus pensamento e energias malévolas, abundantes neste momento, talvez nos ajude a perceber nosso tamanho, nosso vão desespero ao não conseguirmos controlar forças que estão acima de nós. E que, por não as controlarmos temos que admitir... estão acima de nós (embora não saibamos o que é).
Vivemos num mundo/dimensão o qual pensamos ser donos e agimos como tal. Por termos consciência e autoconsciência (seja lá de que nível for) estamos no topo da cadeia dos seres que compõem esse mundo. Por esse critério acreditamos sermos 'superiores' aos demais seres. Se o critério for integração e harmonia a premissa é inversamente proporcional, somos menores que um protozoário que, sem consciência vive e cumpre sua função em harmonia com o seu entorno, se nada ou ninguém o desequilibrar. Em nossa atuação como "superiores" que criam e resolvem problemas, que inventam artefatos para facilitar a vida e o cotidiano (sempre ao nosso bel prazer, é claro), que explicam fenômenos e que desenvolvem ciências, nos adonamos daquilo ao qual pertencemos, daquilo de que fazemos parte como mais um componente nessa engrenagem natural de seres.
Mudamos tudo: nossa fisiologia (quando a desrespeitamos em função de um modo de produção), mudamos o meio ambiente (quando desviamos percursos de rios, desmatamos para criar gado, envenenamos os rios para extrair minerais). Nos adonamos do corpo de Gaia e a esburacamos sem dó nem piedade, saqueamos seus órgãos minerais, testamos bombas atômicas em seu interior a incríveis profundidades, obstruímos suas veias, passamos máquina zero em seus lindos e verdes cabelos, sem pensarmos para quê estão ali, muito menos para o que servem. Os oceanos transformamos em lixões para plásticos e cemitérios para navios que não queremos mais. Estamos transformando nossa casa num inferno e aceleramos isso brutalmente nos últimos cem anos.
O poder é nosso prato favorito - digo nosso, porque pertencemos à espécie que o faz - usamos o poder espúrio para tudo desde o jardim de infância quando escolhemos quem brinca com nossos brinquedos e como o deve fazer, por que é nosso; para decidir quem vai ser nosso amiguinho segundo nossos critérios e, de quem ele não pode ser amigo, se quiser manter nossa 'preciosa' amizade; o que pode fazer ou não quem namora ou se casa conosco; o que pode ou não pode fazer quem sustentamos; quais oportunidades vão ter quem está subalterno a nós, quem não tem a mesma cor de pele; qual país pode ou não pode ter uma arma nuclear - só por construí-la já estamos a dizer o que somos -; quais sanções terão as comunidades que não concordam conosco e/ou que tenham outro viés ideológico; como deve se comportar um país que esteja assentado sobre combustível fóssil.... E resolvemos tudo à bala.
Pertencentes a Gaia como um de seus seres a usurpamos e nossos investimentos são bélicos com vistas a ameaçar e suplantar o outro, ferindo inclusive o planeta. Não nos sentimos parte integrante dessa criação estupenda para cuidar, zelar, usufruir, viver e agradecer. O equilíbrio desse projeto indescritível não nos interessa. Ao contrário, quanto mais o bagunçarmos deixando nossa marca de território, melhor. Entendemos toda essa grandeza como sendo um objeto a nosso dispor. Que pretensão!!! 
Nossa pequenez de entendimento e consciência é vergonhosa. Uma árvore evolui mais que nós. Sim. Elas já chegaram ao ápice de sua evolução. Àquilo para o qual elas foram desenhadas já alcançou seu nível pleno. Árvores são projetos prontos, perfeitos, cujo estágio atual é servir, doar-se, transmutar energias e substâncias. Nos dão sombra, frutos, paz, alguns outros alimentos e, em pequena escala, oxigênio - as algas, também vegetais, o produzem em maior escala. Absorvem nossas energias densas, pesadas e ligam a terra aos céus (entender essa expressão como poesia é uma opção mais digestiva)
A partir de uma pequena semente que já tem em si todo a consciência da árvore que se tornará - se não interrompermos o processo - ela sai do nível mais tenro da terra, aprofunda suas raízes, cresce, amadurece, se alimenta do sol e entrega toda essa energia vital para nós. Doando-se e ligando-se ao etéreo em alturas que não conseguiríamos chegar em nossos parcos tamanhos. Os vegetais protegem ao solo e a nós. São testemunhas vivas e mudas, por séculos, de tudo o que acontece em seu entorno e, quiçá, no planeta. Já imaginaram o que uma árvore teria a dizer se falasse? Esses seres em sua missão já são maiores que nós que, ainda estamos nos estágios iniciais de nossa evolução e rumando a largos passos para a própria extinção. Cada espécie tem sua especificidade. Pensar e raciocinar não é especificidade de um vegetal. Para o que ele foi desenhado ele já chegou onde tinha que chegar com sucesso. Já nós....Estamos deixando Gaia careca. Não sabemos receber o que essa mãe, que nem a enxergamos assim, tem a nos oferecer. Por conseguinte, não somos merecedores. 
Perguntem a um índio o que é uma  árvore. Ah!!! eu esqueci! A gente também acha índio inferior.... Se paramos para pensar que a prepotência é um indício de inferioridade, de não saber lidar com suas limitações, de não aceitar que não sabe, que não conhece, que tem que aprender isso ou aquilo que não entende, nós - seres humanos e sociedade ocidental judaico cristã, capitalista - é que somos inferiores dentre todos os seres que vivem em Gaia. Somos a parte da experiência que não está dando certo.
A força-motriz que está contida na semente de uma árvore é a mesma contida em um óvulo e em um espermatozóide o que muda é o projeto de criatura. É ai que que está a fonte de onde viemos...ou seja de um mesmo lugar. É aí que está inscrito que somos todos UM. E isso inclui os animais, os insetos, os microorganismos e ....Gaia.
O que fazemos recebemos de volta. Não somente em nossas ações pessoais como também em nossas ações coletivas. O que plantamos colhemos e não é no nosso tempo de entendimento. Mas, colhemos no tempo que tem que ser. Se isso for mesmo assim, acreditar ou não, não vai fazer a menor diferença. O que fará diferença é semear o bem, o melhor, o bom, a harmonia, o respeito, a vida, o amor a tudo e a todos. Quando semeamos belicismo,colhemos belicismo. Quando semeamos destruição, colhemos destruição. Quando semeamos o ódio, colhemos ódio. Estamos semeando a destruição da nosso única casa, logo, natural se faz que colhamos nossa própria destruição.Estamos matando as florestas, os animais, os oceanos, os rios, os negros, os índios, os pobres do mundo. Nosso modo de produção escraviza 90% da população mundial para enriquecer a 5% de privilegiados. Usurpamos a tudo e a todos e queremos ser felizes.....Manga não dá em pé de goiaba.
Ao invés de me entristecer, me irar, me revoltar contra tudo o que percebo e vejo - por mais que evite, vejo - procuro pensar neste corpo majestoso que é Gaia, sendo torturada e ainda  assim, nos dando água, sombra e frutos. Procuro pensar na grandiosidade de uma árvore que transmuta nossas energias ruins ligando a terra aos  céus. Fazendo o que ela pode com amor para ajudar-nos a elevar-nos a uma outra dimensão: a da harmonia, da gratidão, do entendimento de nós mesmos, de nossa realidade e do amor fraternal. O amor fraternal dessa força-motriz que anima a todos nós, nos perdoa, quem nos pune somos nós mesmos com nossas atitudes gerando as consequências que recebemos. 
Colhemos o que plantamos!.... Plantar é uma metáfora profunda, poderosa e visceral que faz justiça ao lugar que devem estar como referências - pelo menos em nossos discursos - àqueles seres que, de acordo com seu design, são os únicos evoluídos entre nós. 
Que aprendamos que pé de manga dá manga e pé de goiaba dá goiaba.