sábado, 28 de dezembro de 2013

RITUAL DOS VOTOS

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Somos afeitos a rituais. Os inventamos e depois acreditamos neles como se sempre houvessem existido, ou fossem criados por algum deus, que num momento de plenitude, nos houvera entregue como mandamento.
A vida é um conjunto de macro e micro ciclos que se contém uns aos outros e estão contidos uns nos outros, como jogos espelhados. Quando termina um ciclo temos o ritual dos votos, dos desejos que emanamos como bênçãos que têm o poder de se realizar para quem os recebe. Então, cumprindo o ritual....
Que no novo ciclo que se inicia, sejamos tomados pelos desejos mais nobres e puros.
Que aprendamos com/no dia-a-dia.
Que tenhamos presença de espírito, inteligência, capacidade de perscrutação.
Que prezemos a paz e a construamos em nossas vidas.
Que desenvolvamos a capacidade do discernimento para não sermos injustos.
Que nunca tenhamos certeza de nada.
Que saibamos prestar atenção.
Que saibamos ouvir o vento.
Que lembremos que cada um de nós faz seu caminho. E que construamos um caminho de vida, de brilho, de felicidade e.... amemos.
Amemos de verdade, a nós, ao próximo, a natureza e a existência de/do agora e...vivamos.
Que não prendamos ninguém a nós, e que não nos prendamos a nada. Somos espíritos livres, sem amarras. Nossas amarras, quando existem, são construções nossas. Não nos deixemos escravizar por nada. Apenas sejamos felizes.
Não nos tabelemos, não nos ponhamos preço, não nos limitemos. E lembremos que, provavelmente, o que temos na vida, o que vivemos, o que passamos ou aprendemos é sob a égide do nosso consentimento, dos nossos "SIMs" . Prestemos atenção nas nossas atitudes de consentimentos.
Aliemo-nos ao bem. Abramos a porta para a alegria, para o sucesso, para o progresso e adquiramos sabedoria. 
Aprendamos a escutar nossa intuição, pois ela, talvez, seja nosso guia espiritual.
Limpemo-nos de energias incômodas e procuremos ser leves.
Permitamo-nos, sempre, sermos importantes para alguém. Importância construída com veracidade, lealdade e companheirismo, porque isso ainda existe (quero crer).
....e se não der, sejamos sempre, acima de tudo, importantes para nós mesmos, sem egoísmos, sem ranços de ódio ou desforra.
Que nunca deixemos de nos respeitar a nós mesmos e de nos amarmos.
Que nunca nos imponhamos, apenas sejamos.
Que nunca permitamos que alguém nos diga quem somos. Descubramos nós mesmos, temos uma vida inteirinha para isso.
Que tenhamos um coração puro, também isso é possível (ainda creio).
Que desejemos a nós mesmos e aos demais tudo de bom e que tenhamos a capacidade de desenvolver todas as potencialidades que nosso espirito puder abarcar. Porque cada nascer do sol é uma nova chance, uma possibilidade nova de mudança, de construção e de progresso.
Que neste ciclo que se inicia ....AMEMOS! VIVAMOS! E SEJAMOS FELIZES!
 
Um bom 2014 para todos nós!
 
 
 

domingo, 22 de dezembro de 2013

RASTRO DE LUZ

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Desde de antes de nascermos nos movimentamos e sempre que o fazemos mudamos alguma coisa, deslocamos o ar, mudamos objetos de lugar, mudamos a forma com a qual as pessoas nos vêem  e mudamos a forma de ver as pessoas, o mundo. E à medida que vamos alçando outros degraus ao longo da vida, assumindo responsabilidades e adquirindo poderes, as mudanças que promovemos ganham intensidade e abrangência.
É que a gente não se dá conta, qualquer coisa que façamos fomenta mudança. Tudo o que tocamos transformamos. Então, de posse desse saber, seria bom que o fizéssemos para melhor. Exemplos não nos faltam, à nossa volta temos vários conhecidos apenas de nós, outros de mais pessoas no nosso entorno e outros, ainda ,conhecidos, notoriamente, no mundo todo. 
Deixando de lado as classificações do discurso, temos um exemplo de uso de condições e possibilidade de alcance de massa, que a setenta e três anos atrás, enchia o cinema de uma mensagem portentosa de benfazejo. Proferida por Charles Chaplin em "O Grande Ditador"  em plena segunda guerra mundial e considerado um dos mais belos discursos da história, resume as intenções e ações de um homem brilhante e que, ainda hoje, é tão atual. Segue abaixo:
 
"Sinto muito mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar nem conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar - se possível - Judeus, o gentio, negros, brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio. Por que havemos de desprezar e odiar uns aos outros? A terra que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e o da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e nos tem nos feito marchar a passos de gansos para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina,  que produz abundância, tem nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem, um apelo à fraternidade universal, à união de todos nós. Nesse mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora, milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas, vítima de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir, eu digo: 'Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós, não é mais do que produto da cobiça em agonia, da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem, e o poder que do povo arrebataram há de tornar ao povo. E assim enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais, que vos desprezam, que vos escravizam, que arregimentam as vossas vidas, que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas. Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar...os que não se fazem amar e os inumanos.
Soldados! Não batalheis pela escravidão. Lutai pela liberdade! (...) Vós, o povo tendes o poder - o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade. Vós o povo tendes o poder de tornar esta vida livre e bela, de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto, em nome da democracia, usemos esse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo, um mundo bom que a todos assegure o ensejo do trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam. Não cumprem o que prometem, jamais o cumprirão. Os ditadores liberam-se, porém, escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e á prepotência. Lutemos por um  mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
                                                                                                                   (Charles Chaplin)
 
Que com a energia de congraçamento dessa época natalina, possamos nos dar conta de que cada um de nós pode fazer pelo mundo o que estiver ao seu alcance, dentro de sua capacidade e potencialidade. Façamos a diferença! .... FELIZ NATAL!
 

domingo, 15 de dezembro de 2013

NASCIDOS PARA A SUBVERSÃO

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Se tem uma coisa que inquieta o ser humano são grilhões, sejam eles leves, amorosos, vis ou vilipendiosos. Qualquer estrutura, arcabouço ou circunstância que paralise, aprisione ou subjugue é incômoda e estimula a infração, ao levante, ao motim. A incitação ao movimento e a ojeriza à prisão é da natureza, aquela selvagem, instintiva.
Somos nascidos para a desobediência. É o mecanismos que nos faz crescer e que nos diferencia dos demais na experiência, que impulsiona a evolução e nos tira do lugar comum. O NÃO, apesar de ser necessário em alguns momentos no nosso polimento educacional, cumpre função oposta em circunstâncias mais específicas. Quando já somos maduros, responsáveis por nós mesmos e com capacidade de gerir consequências, o NÃO é um desafio.
Temos uma rede de sensores de indução altamente subversiva, todo "não sem explicação", espúrio, ditatorial, subtende superioridade de quem diz e subserviência de quem escuta, sem questionamentos e sem porquês, isso aciona nossos sensores da subversividade. Isso vem de criança, daquela fase ma-ra-vi-lho-sa dos porquês. Faça isso!...Por que? / Venha cá!...Por que? / Fique aqui!... Por que?/ Não pode isso!...Por que?/ Não coloque o dedo na tomada!.....Por que?.... E haja porquês. Se não os respondemos já era, às vezes até respondendo...já era, lá se vai a criança descobrir pessoalmente as razões de tudo.
Essa sede de porquês e essa aversão aos "nãos sem explicação"  faz parte de nós, esse gene da desobediência, esse brilhozinho de canto do olho que acomete aos que têm por função descobrir o mundo, recriá-lo, reinventá-lo. Enquanto mantivermos esse gene ativo seremos sempre bandeirantes, desbravadores, criadores, estaremos vivos..... Não pense num elefante cor-de-rosa!  :)

domingo, 8 de dezembro de 2013

REFÉNS DA FELICIDADE

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Imaginemos um mundo perfeito, em que tudo dá certo. Somos todos felizes e a dor, a decepção e o sofrimento não existam. Que maravilha!....para  os serafins, querubins, avatares e afins, sim. Para pobres mortais, afeitos à cobiça, inveja, tendenciosidades, espertezas, exercícios vazios de superioridade, disputas torpes e comezinhas, a coisa fica feia.
No nível de evolução (espiritualidade, compreensão da existência) que  possuímos, enxergando um pouco mais de um palmo à frente de nossos narizes e com o mundo girando em torno do nosso umbigo seríamos eternos deficiente d'alma. Preservaríamos, fossilizadas, nossas imperfeições, faríamos monumentos públicos dos nossos defeitos e cristalizaríamos um estágio pobre de compreensão de mundo e de coletividade. Seríamos um estacionamento perpétuo.
Quando enxergamos dessa forma damos outro significado ao sofrimento, chegamos até a ser gratos depois que percebemos o quanto caminhamos e avançamos no nosso crescimento e discernimento em relação à vida.
Sofrimento, talvez, não seja aquela dor para ser curtida até se tornar crônica. Possivelmente, é o instrumento que nossa condição humana precisa para avançar. Piegas, não?!...mas se quisermos deixar de precisar dele e ir para o próximo nível no jogo da vida, não tem jeito, temos que passar pelo que nos levará até lá.
Provavelmente, estamos num momento existencial em que a felicidade é para de vez em quando, em gotas homeopáticas. Então joguemos com o sofrimento e curtamos com intensidade os pequenos momentos de felicidade. Até porque, Quem conseguiria viver num carnaval de ano inteiro? Quem aguentaria férias eternas? Quem suportaria um milhão de amigos, tendo sempre festa todo dia e amados pela humanidade? Seria tão chato que a gente chamaria o sofrimento de felicidade.
É isso aí, somos paradoxais. Felicidade demais aleija, entorta, enjoa, enche o saco e não nos leva a lugar nenhum.

sábado, 23 de novembro de 2013

MANZOÁ

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Manzoá é uma gaiola usada para pescar lagostas. A partir dessa prática e mudando a perspectiva para a da lagosta, reflitamos: A pescaria da lagosta pode ser uma lição de vida e por analogia, nos fazer chegar a considerações importantes sobre nossas ações cotidianas, muito principalmente, as que regem nossa jornada. 
Às vezes atraídos por uma bela isca entramos em manzoás; seja isca/amizade, que não é amizade; isca/amor, que não é amor; isca/sucesso, que não é sucesso...iscas mil. E assim como ocorre conosco, acontece a outras tantas pessoas,  ficamos presos no mesmo manzoá.
Quando percebemos que a isca acabou, que o que tinha de atrativo ali não existe mais ou não nos interessa mais, seja porque crescemos, mudamos ou porque já deu o que tinha que dar, os não acomodados ( às vezes acho que isso é uma questão de personalidade) tentam sair...Ah! dizem que é impossível sair de manzoá. rsrsrsrsr..... Nada é impossível!
Tentar sair de manzoá é um grande momento....o povo do manzoá não deixa, um puxa daqui, outro puxa dali, um outro puxa para baixo, outro segura uma perninha, a correnteza não ajuda, e se bobearmos, saimos sem um pedaço, mutilados ...é isso ou ir para a panela.
O que percebemos no nosso entorno é só para nós, é o que nós, individualmente, precisamos para nossa jornada, a do outro é a dele, é outra. Quando percebemos que não tem mais isca, às vezes, só nós percebemos o outro não; quando percebemos que a gaiola ficou pequena, pode ser que ela só esteja pequena para nós, para o outro está ótima.
Todo ciclo se fecha e o lugar fica pequeno, nossas potencialidades foram desenvolvidas, não cabemos mais onde estamos, a chamada do crescimento nos impele a movimentar-mo-nos. Mas, os amigos, o contexto, o ambiente daquele momento, que não mais existe como antes, insiste em que fiquemos, tenta nos convencer de que não há nada lá fora. Às vezes não é por mal, às vezes...é.
Mas nosso crescimento, nosso conhecimento do mundo é muito mais importante. O ciclo se fechou, havemos de insistir em sair, sabendo que ficará um pedaço para trás, crescer é aprender a viver mutilado, mas antes mutilado do que prato chic.
A jornada é nossa, a nossa percepção só serve para nós. É o que nós vamos precisar para o que vem pela frente e que é nosso, só para nós. Os "insights", as intuições, são personalizadas, são do nosso número. Comprometer uma jornada para agradar outrem, por mais que amemos não vale a pena. A missão, seja ela qual for, é muito maior que isso, e perder a oportunidade de saber o que vem na página seguinte do livro de nossa vida, não dá!
O lugar ficou pequeno? O ciclo se fechou? Não tem mais o que fazer ali?....saia do manzoá e ganhe esse marzão de extensão planetária e profundidade abissal....Saia!.....e fique à vontade!

Saiba mais sobre manzoás: (aqui)

sábado, 16 de novembro de 2013

VALE DE PALAVRAS

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Não sei de onde vêm tantas palavras,
Não sei onde elas nascem,
Quem diz a elas o que elas devem dizer,
Que roupa vão vestir para qual ocasião.
Deve existir um vale de palavras, 
Onde elas ficam escondidas se auto-elaborando
E nos invadem junto com o que sentimos.

Dizem que é bom economizar palavras,
Mas esse modo de produção funciona ao contrário,
Quanto mais se economiza menos se tem.
Palavras foram feitas para serem gastas,
Jogadas ao vento, lançadas em cadernos,
Jogadas avanço em guardanapos, ditas aos berros,
Cantadas com gana, com suavidade, num sussurro, num gemido,
Num pensamento longo que foi feito para testar sua elasticidade.

Palavras, não importa o idioma...
Têm mais palavras do que gente no mundo
e sabem que sem elas nem somos.
Palavras...desenhos com sons, costurados uns nos outros....
Poderiam eleger uma rainha, soberana dentre todas,
Que as representasse em essência, no que são e no que nos dão.
Qual seria?!....VIDA.


domingo, 10 de novembro de 2013

O AMOR COMEZINHO E A ROSEIRA

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Era uma vez uma roseira, linda, em floração, em plena primavera. A representação da vida e da beleza, um mundo de encantos que aguçava todos os sentidos. De todas as rosas esplendorosas uma me encantou. Não me detive, cheirei-a, contemplei-a e resolvi fazer o que meus instintos, embevecidos desse amor vultoso me disseram para fazer. Arranquei-a do pé. A partir de agora és minha!
Levei-a para casa, cuidei bem, coloquei-a na água, até o tal melhoral não lhe faltou. Ela durou uns dias do jeito que me encantou....depois foi murchando, ficando fosca, sem cor, escureceu, perdeu a vividez, a impavidez, foi se curvando....atrapalhando o meu tempo com tirar e colocar água, por fim, não exalava mais cheiro nenhum...
O meu amor poderia ter sido nobre me levando todos os dias à roseira e num prazer inefável, permitir que eu lhe sentisse o odor multiplicado pelas outras tantas que ali estavam, que eu percebesse sua maciez e que a admirasse, com tudo o que a fazia significar, o solo, a umidade do orvalho, o calor do sol e o amor que a conectou à mim, até que o outono chegasse......e eu teria feito o  meu amor feliz e teria sido feliz por mais tempo.
Podemos amar quem quisermos, o que quisermos, quando quisermos, por quanto tempo quisermos ....mas jamais do jeito que quisermos


sábado, 2 de novembro de 2013

IRMÃS GÊMEAS: GANÂNCIA E MISÉRIA

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"Se você é pobre é porque não soube explorar o outro. Ninguém é pobre impunemente...Logo não é defeito é uma qualidade" ( Sérgio Ricardo - compositor e cineasta)


Tem um vírus por aí que mata. Tem um vírus por aí que contamina qualquer um, que faz com que queiramos lucrar acima de tudo, que façamos tudo para sermos os melhores, mas um melhor piorado, mesquinho, mais vil, mais sem se importar.
Tem um vírus por aí, que corrói o caráter das pessoas, que deleta a alteridade, que exclui a empatia, que mata a alma, se hospeda e torna seu hospedeiro um zumbi.
Tem um vírus por aí, que impede que o indivíduo enxergue um palmo á frente do nariz e volta a visão periférica para o umbigo.
Mas não é só isso, essa é só a ponta do iceberg na trajetória desse vírus horrendo. Desde que inventamos a moeda, o livre mercado e o nosso glorioso modo de produção, criamos também a incubadora do vírus...um exército de pessoas que só tenha como patrimônio sua força de trabalho e que a venda bem baratinha para que possamos ter lucro. Mas é claro que isso não é suficiente, queremos sempre mais.
O vírus é contagioso e o nome da doença é ganância. A dita cuja deixou de ser uma epidemia restrita às multinacionais empoderadas como instrumento de hegemonia de superpotências, para se tornar uma pandemia que contagia desde as grandes corporações até o padeiro da esquina, que coloca bromato na massa do pão para usar menos farinha e assim lucrar mais.
Os gananciosos são os nossos ícones, exemplos de sucesso. Instituiu-se, entre nós, que dignos de nossa admiração e respeito são os de ascendência social, com patrimônio invejável e com acessos às rodas de poder do mundo. Uma das revistas mais respeitadas do planeta é a Forbes, que faz ranking dos mais bem sucedidos capitalistas. Assim, a vida, o existir, a chance de se conviver com iguais, como humanos, a aquisição de valores intrínsecos, não conta para ranking de nada. Virou chavão de fracassados.
A desigualdade social  não é a que nos separa do consumo de bens duráveis, é a que define e institucionaliza a miséria como alicerce para esse modo de produção. Há a necessidade de um exército de miseráveis que consuma o que sobra, que carreguem papelões para reciclagem, que limpem o lixo que deixamos e que venda a força de seus braços a troco de nada. Mas alguém pode alegar que aquele indivíduo tem as mesmas chances que todos, que tudo depende dele, da sua força,...não é bem assim (vide links no final do texto). Quanto mais consumimos, de mais quantidade deles precisamos para que a produção acompanhe a demanda e os preços não se alterem, já que sua mão-de-obra vale nada, dando lucro a quem produz e a quem vende.
A indústria que mais cresce hoje não é automobilística, nem a de fabrico de linha branca, nem a da construção civil, nem a de aeronaves e embarcações fluviais, é a da miséria, a da produção de mão-de-obra barata, sem capacidade de consumo.
O verdadeiro alicerce do modo de produção capitalista é a miséria, e isso é tão corriqueiro, tão banal, estamos tão anestesiados que não nos damos conta. A miséria é algo tão invisível, olhamos se quisermos, se não, passamos ao largo e continuamos vivendo. Com fome vendemos a alma, com fome prostituí-mo-nos, com fome não pensamos, com fome não temos dignidade, com fome não se cresce em aspecto algum. Reinventamos a escravidão com selo de qualidade ISO 9001.
Não se trata de ser totalmente contra o capitalismo, tudo tem dois lados, no mínimo. Ser contra sem apresentar uma alternativa não é inteligente. Talvez o problema do capitalismo sejamos nós, que não conseguimos inventar algo mais justo e que ainda temos como exemplo de sucesso a ostentação e o consumo desenfreado. A produção do sistema capitalista é a de consumidores, cada vez mais ávidos, mais insatisfeitos, formando um ciclo vicioso que não acaba. Na verdade, se trata de mudança de atitude em relação à responsabilidade social e a de limitação de consumo.
Pequenas mudanças de atitude no nosso cotidiano podem fazer diferença a longo prazo: Percebemos que o produto que usamos está nos usurpando? Não compremos mais! Descobrimos que aquele serviço que contratamos mudou suas regras?! Cancelemos! Troquemos por outro! ou aprendamos a viver sem ele, se assim for possível. Notamos que um certo lugar que frequentamos nos trata como gado, só porque é VIP e porque é fashion dizer que lá estivemos?! Saiamos!...mas normalmente o que pensamos é "...Se eu não consumir outro vem e consome, não adianta, e eu fico sem o meu prazer". É! Mudemos nosso prazer, nada é estático. Não deixemos que outros digam do que precisamos ou como devemos agir....Façamos! Veremos que alguém nos seguirá (porque o incômodo é de todos) e outros seguirão os que nos seguem (porque o que falta é coragem) e a longo prazo alguma coisa muda.
O objetivo não é desistirmos de consumir o que precisamos, é consumir, somente e apenas, o que realmente precisamos, com consciência. Somos felizes com muito pouco, não precisamos de todas as quinquilharias que possuímos para sermos felizes. Essa necessidade é criada, inventada e engendrada em nós como um programa, para que sejamos engrenagens de um sistema injusto, mesquinho e cruel.
Sejamos felizes exercendo o poder de escolher o que , de fato, precisamos, tendo o prazer de "desobedecer" aos apelos da propaganda, que cria em nós uma necessidade que não temos. Exerçamos o poder de escolha consciente de consumo e assistamos o mundo mudar.
Tá na hora de dar um basta nesse vírus e tomar um antídoto - a conscientização - e uma vacina eficaz - o amor - e fazer a manutenção anual, examinar a realidade ao nosso redor e rever as nossas pequenas atitudes de consumo e ganância no nosso cotidiano, porque é de pouco em pouco que tudo se transforma em muito.
A doença tem cura, se usarmos a compaixão, a empatia, o altruísmo, a temperança regados com amor. Utopia?!!!! É! Mas para que serve a utopia, senão para sairmos do lugar de onde estamos e evoluirmos, melhorarmos? Se não fosse a utopia ainda estaríamos na idade da pedra. Sonhar, não custa nada....ainda. E utopia serve para caminhar.




Saiba mais:

Tudo o que você gostaria de saber sobre o capitalismo mas tinha vergonha de perguntar.(Confira!)

Por que o capitalismo precisa da pobreza? (Veja!)

A questão social como força motriz (aqui!)

sábado, 26 de outubro de 2013

INIMIGOS

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Inimigos, ninguém se gaba de tê-los, ao contrário, nas entrelinhas do trato social dá-se a entender que boa pessoa não os tem. Hipocrisia!
Longe dos idos Shakespearianos em que se empunhavam espadas, ou dos westerns em que contava-se dez passos, um de costas para o outro, para depois atirar ou mesmo da frase: "escolham suas armas", inimigo hoje é algo muito mais ameno, mas não entrou em extinção.
Assim como mudou o conceito de amigo, o de inimigo também. Sabe aquele indivíduo que quer puxar o nosso tapete? Aquele cujo nosso santo não cruza? E que se  dermos mole perdemos a oportunidade de nossas vidas? Pois é, esse cara é nosso inimigo. Devidamente apresentados vamos à pendenga.
Os tais são raros, é... Nós não temos dez inimigos no mesmo lugar ao mesmo tempo, se observarmos direitinho ao longo da vida, talvez, não cheguem a dez.
Mas é Graças a esse cara que nós aprendemos a trabalhar em silêncio, foi por causa dele que nós aprendemos a nos defender, a prestarmos atenção ao nosso entorno, a apurarmos o olhar, o ouvir e a calarmos a boca. Foi graças a esse tal que nós aprendemos a  dar ouvidos à intuição, aquela ciganinha que fala no íntimo de todos nós.
Imagine nossa vida sem um inimigo?! Seríamos celerados, tontos, nos batendo uns nos outros sem objetivos, sem metodologia, sem precisão, sem foco....aleijados da felicidade. Mandemos flores para os nossos inimigos com um muito obrigado em letras garrafais :)

sábado, 19 de outubro de 2013

INTERSTÍCIOS

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As lacunas do não-dito, os espaços de suspenção, os hiatos de silêncios. Escutá-los, perscrutá-los é um exercício de atenção e de busca de entendimento do entorno e de interpretação de mundo.
Talvez não haja significação possível sem o silêncio, o silêncio que existe nas palavras não se traduz em palavras, o silêncio não fala, simplesmente, significa. 
Costumamos submeter o indizível, o não dizível, o inconfessável, aquilo que na tentativa de dizer é reduzido quase ao pó e que perde seu sentido, significado e magnitude ao verbal, ao escrito e apagamos a diferença entre eles;  designamos o silêncio como proibição do dizer e esquecemos que para dizer é preciso não dizer, que há significado no não-dito.
O silêncio, possivelmente, produz condições para as coisas significarem o que significam,  para terem a volatilidade de significados  que têm e para serem a possibilidade do dizer vir a ser outro. Esquecemos que antes de ser palavra, todo sentido já foi silêncio. O silêncio, provavelmente, constitui as ilusões e fabulações da linguagem e essa nos caracteriza incompletos, múltiplos, falhos e plurais.
Talvez exista  um ritmo no significar, como um balé de movimentos entre silêncios e palavras, silêncios e linguagens, como a música, a pintura e etc... quem sabe haja uma necessidade de silêncio na palavra que é diferente da necessidade de silêncio da música, que é diferente da necessidade de silêncio da pintura, e isso só afirmaria o caráter de incompletude das linguagens e de quem as inventa. É nesse conjunto de várias linguagens que nós significamos.
O silêncio tem um lugar particular, o entendimento do silêncio pode ser que seja aprofundar na fala, na escrita, no discurso, no pensamento um tempo de suspensão, de contemplação, de mudança, de vôo. Devido aos nossos barulhos internos e externos ficamos cegos e surdos  à necessidade e a importância do silêncio, de produzi-lo, de lê-lo e interpreta-lo e fazer dele um vale de possibilidades e brincar com elas. A significação, possivelmente, é um movimento de errância do sujeito, dos sentidos e exercício de uma liberdade de compreensão indescritível.
O que verdadeiramente importa está nos interstícios, nos intervalos, nos silêncios, nas ações que são sentidas, subjetivadas e pensadas com a alma; naquelas que fingimos serem secundárias, não importantes, mas que, por analogia, são tudo o que somos, tudo para o qual vivemos, tudo o que esperamos e tudo pelo qual vale a pena. O que tem verdadeira e cabal importância é o que não ouvimos, aquilo que passa despercebido.
Interstícios da significação de mundo, são esses espaços vazios que estão entre o que consideramos ser o principal, são essas lacunas com argamassa onírica que só se vê prestando muita atenção e tendo muita vontade de descobrir, apurando muito os sensores do sentir e limpando a percepção. Estar no sentido com palavras ou sem elas são modos diferentes se significar e de nos relacionarmos com o mundo, com as pessoas, com as coisas e conosco mesmo.
 
 

domingo, 13 de outubro de 2013

CLAREZA

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Não é de dentes que falo, posso lhes garantir
É da mente, da visão, da queda dos sete véus
Do brilho do mundo quando as nuvens dispersam
Da paisagem colorida quando a névoa vai embora
Da forma com a qual se enxerga a vida depois que a mágoa passa
Da perspectiva ampliada depois que se perdoa
Dos detalhes que se consegue ver quando se olha devagar
Da isenção que conseguimos ter quando estamos leves e não impomos nada
Da câmera lenta que nos invade quando sabemos que nada nos pertence
Da aceitação das coisas como são quando conhecemos nosso tamanho
Da resignação que nos invade quando medimos nosso poder parco diante  do mundo
....clareamento, clareza, aclaração, claridade... que seja!
É um estado único de presença de espírito no sentir o mundo
É o processo silencioso do despertar das nossas verdades pessoais que acomete os mortais uma vez ou outra na vida. Manter viva a lembrança desse estado é de suma importância para medir o nível de contaminação em outros.

Nota: Quero agradecer aos leitores do conversa afinada pela compreensão durante o período do festival de filmes do Rio, em que precisei do blog como vitrine de escrita. Aos que quiserem continuar lendo sobre cinema, o novo sítio é: http://cinemaemovimentoblog.wordpress.com/ . Voltamos às nossas reflexões cotidianas de sempre. Mil desculpas e muito obrigada!

 

domingo, 29 de setembro de 2013

A PÁGINA DOIS DO ATIVISMO POLÍTICO SEGUNDO KELLY REICHARDT

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Night Moves (Night Moves).  Drama. Elenco: Dakota Fanning, Jesse Eisenberg, Peter Sarsgaard, Alia Shawkat. Diretora: Kelly Reichardt. EUA,2013.

Qual o limite entre militância e terrorismo? Sabemos conviver com as consequências do que fazemos? Até que ponto a causa é mais importante que o indivíduo? A película de Kelly Reichardt é uma análise com o pé no chão sobre o extremismo do ativismo ambiental e se aplica a qualquer ativismo político. A questão de Reichardt é o fundamentalismo, a consciência pesada, o reconhecimento de que não controlamos todas as variantes de uma ação, a contextualização de um feito que no mundo real tem outra conotação, outras consequências.
A história é um recorte na vida de três jovens ambientalistas, Dena (Dakota Fanning), Josh (Jesse Eisenberg) e Harmon (Peter Sarsgaard) que resolvem chamar atenção para o desmatamento florestal, tentam fazer alguma coisa para deter a catástrofe ambiental e resolvem explodir uma represa, porém as consequências são mais sérias do que poderiam imaginar e Dena não consegue conviver com o que fez gerando problemas para os amigos. A película é realista, sem floreamentos e versa sobre a força do sistema, e seus interstícios . Quem é mais forte? você ou o sistema? onde o sistema te ganha, te vence e te cala? Longe de se pensar que é uma mensagem de direita, mas um alerta para a falta de maturidade na mensuração de consequências, que sem avaliação transforma o oprimido em opressor, fazendo-o usar as mesmas armas ou até piores, por não dispor das mesmas oportunidades dos detentores do poder.
Apesar do tema pesado, é um filme lento e reflexívo, fala de causa e consequência, da estrutura emocional para conviver consigo mesmo e dos limites em relação ao controle das variantes de um evento, fala do imprevisto e isto tudo é representado no abalo das relações, no olhar - o filme é um balé de olhos - e  na segurança interna de cada um . O caminhar de Reichardt é para o interior, é subjetivo, é silencioso, presente na película nas expressões faciais, na postura corporal, na trilha sonora arrastada, nas tomadas paradas, em closes, congeladas, como se brincassem de estátua, o deslizar lento da câmera pela floresta desmatada  e sem vida nos faz lembrar as profecias apocaliptícas de Al gore em (An inconvenient Truth, 2006) e até tenta-se compreender a ação dos jovens como pessoas que pegam para si a responsabilidade de fazer algo, embora o objetivo não seja o de convencimento mas de contextualização.
Dakota Fanning, a menininha de (taken, 2002) , como sempre, faz muito bem o papel silencioso de uma militante que não consegue conviver com o que fez em nome da causa e está no Brasil para promover o filme, que está longe de ser um produto de consumo de fazer fila, mas que é inteligente e faz pensar
A questão de um bom filme não é se eu/você (nós) gostamos ou não. Todos somos diferentes e jamais gostaremos das mesmas coisas sempre, mas a análise da maestria ou não com a qual o diretor dispôs para dizer o que supostamente entendemos que ele/ela quis dizer. E se Reichardt quis registrar, imageticamente, o conflito interno de alguém  que não consegue conviver com seus próprios atos, conseguiu.
Um filme para quem milita por alguma coisa e gosta de pensar fora da caixinha, para quem, além de questionar o sistema, questiona a si mesmo. (panorama do cinema mundial) #festivaldorio2013.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A AMAZÔNIA NOSSA DE CADA DIA - POR THIERRY RAGOBERT

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Amazonia. Documentário, drama. Diretor: Thierry Ragobert. Brasil/França. 2013.

O filme de abertura do Festival Internacional de filmes do Rio de Janeiro, que abre a noite de gala de daqui a pouquinho no Odeon  é Amazonia, uma co-produção com a França, dirigido por Thierry Ragobert, o Jacques Costeau do cinema, também dirigiu O planeta Branco (2006) um documentário sobre o Ártico, que tinha como personagens ursos polares dentre outros.


Quem está pensando que vai ter aula de geografia e biologia pode esquecer, Documentário?! Tá mais para ficção. Isso mesmo, uma ficção que tem como personagem principal um macaco-prego e a película é o ponto de vista do macaquinho sobre a Amazonia. Criado em cativeiro sem nunca ter pisado numa selva remete-nos ao leão Alex da animação Madagascar (Eric Darnele, Tom Mcgrath, 2005) que se atrapalha todo para se adaptar, ao que deveria ser o seu habitat natural. A película fomenta a reflexão sobre a crueldade do cativeiro de animais silvestres, mesmo que sejam bem tratados, e esse é o cerne da questão, a humanização. O macaquinho tem atitudes humanas, não sabe se proteger da chuva procura uma construção, neste caso o avião que o transportava, abraça um leãozinho para dormir, dentre outras passagens e sofre horrores nas mãos da natureza, sem precisar da crueldade humana, que já havia feito seu trabalho com muito apreço.


Amazonia é uma sinfonia da natureza, diálogo? Não, não tem, é a selva em seu estado puro, natural. O que nos faz pensar no tanto de tempo que deve ter levado para filmar todos aqueles eventos, a dança do boto-rosa, ataque do gavião, o close da sucuri e tantas outras tomadas inusitadas. Em alguns animais percebe-se o adestramento em outros a curiosidade de como foi feito, quanto tempo se esperou, quanta paciência foi necessária para se suportar o desconforto, as intempéries da natureza, chuva todo dia, os perigos a que a equipe se expõs durante a filmagem é premente, isso dá outro documentário.

 
Amazonia é o registro dia após dia de um cotidiano sem igual, o cotidiano da selva, sem bandeira nem fronteira. As tomadas são estupendas, são de encher os olhos, existe poesia no caminhar de insetos. É a apresentação de um outro mundo com o intúito de fazê-lo conhecido para que possa ser respeitado e defendio, e essa mensagem fica bem clara durante a película toda, mas muito principalmente no final, de uma forma meio didático-pedagógica e que quebra um pouco o clima, mas que não compromete em nada o primor da película.
 
 
Uma produção em 3D com tomadas panópticas e superclose. Uma festa para os olhos, de uma fotografia excepcional. Pra quem gosta de explorar a natureza sem se molhar e sem ser picado por um inseto. (Abertura)#festivaldorio2013.
 


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

FREDA - POR ELA MESMA

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Nossa querida Freda - A secretária dos Beatles. ( Good Ol' Freda). Documentário, biografia. Elenco: Freda Kelly, Tony Barrow, Kelly Kingsley. Diretor: Ryan White. USA/UK, 2013.

Quanto tempo o tempo tem? O que você faz com ele?  Good old Freda é a história de uma década na vida de Freda Kelly. A década mais efevercente do Rock e que tem como atravessamento a vida de uma secretária, seu trabalho e a administração de um dos fã clubes mais ilustres da história da música. Trata-se de ninguém mais, ninguém menos que a secretária da banda de rock mais conhecida do mundo, os Beatles.
O documentário faz uma retrospectiva dos anos sessenta e do bairro de Liverpool e seus moradores mais ilustres à época. Sem pretensões históricas é uma narrativa do cotidiano de uma senhora, hoje sexagenária, que teve a sorte de estar no lugar certo na hora certa ou, simplesmente, cumprir o seu destino, o espectador é quem decide.
A película reporta à questão do que é um documentário e até  que ponto não é uma  visão de quem conta, e faz lembrar Zelig (Woody Allen, 1983), porque parte da forma com a qual o próprio protagonista se vê, é uma espécie de reinvenção de si mesmo. Dona de uma discrição invejável Freda se revela alguém forte e que segue em frente. É Freda por ela mesma.
A produção foi cuidadosa na seleção de fotos e dos entrevistados e sutil em relação às tragédias que cercaram a banda como a morte  por ovedose do empresário Brian Epstein e ao assassinato de John Lennon, que nem é citado.
Uma película para quem gosta de narrativas particulares. (Mostra Midnight música) #festivaldorio2013
 

A EXPURGAÇÃO DE DOR SEGUNDO ATHANASIOS KARANIKOLAS

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Sonar ( Echolot). Drama; Elenco: Martin Aselman, Bettina Burchard, Tomas Halle; Diretor: Athanasios Karanikolas. Alemanha, 2013.

Um dos filmes da mostra foco Alemanha é uma narrativa entrecortada, sem a menor pretensão de linearidade e se detém num final de semana de um grupo de jovens que decide ir para uma casa reservada para prestar uma homenagem a um amigo que suicidou-se e assim fazer uma catarse, expurgar as dores, as saudades e desopilar a alma.
Ali, cada um entra em contato consigo mesmo, tudo regado à sexo, drogas e rock in roll e muita poesia e arte. O poeta escreve sobre a sua dor e lê seu poema para os amigos; o baterista se esmera para fazer o seu melhor em meio a livros, que indicam o nicho ao qual pertencem, universitários. Um toca um cachimbo como se fosse uma flauta dissonante da maneira mais impetuosa que suas emoções permitem,a energia reinate faz lembrar Woodstock - 3 dias de paz, amor e música(Michael Wadleigh, 1970).
As tomadas são, em sua maioria, na altura das ancas, do tórax, quando mais acima, mostrama boca e o nariz; o que fala mais alto naquele contexto é o instinto, a força, o grito. O poeta é filmado a partir dos olhos e de rosto inteiro e são poucas as tomadas assim, os closes são muito próximos . É um filme que não tem nenhum compromisso com a temporalidade ou identidade. Ali ninguém tem nome a não ser o morto - Franz, que juntamente com a dor são os personagens principais.
Ma quem brilha mesmo é diretor Athanasios Karanikolas aqui que conseguiu fazer um filme com uma narrativa entrecortada e que chafurda na lama do humano, usando de imagens para mapear subjetividades e nos mostra a nós mesmos em  nossos processos de nos encontrarmos, o lirismo paira no ar feito um poema de Álvares de Azevedo e nos apresenta, como ninguém, os ensaios da morte: o sono e o orgasmo.
Se você que matar saudades das festas do centro acadêmico, gosta de se divertir analisando os processos humanos, não tem dificuldade com falta de linearidade e gosta de uma divagação livre e caótica, essa é a sua praia. (foco Alemanha) #festivaldorio2013

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A OUSADIA PREMIADA DE AMAT ESCALANTE

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Heli. Elenco: Armando Spitia, Andrea Vergara, Linda gonzalez; Diretor: Amate Escalante, Mexico, 2013.

O que é justiça? quanto vale uma vida? O que é poder instituído e poder paralelo? o que respeitar? Tem limites para defender a família? Perguntas que o espectador se faz após o termino do mais recente filme de Amat Escalante, um diretor mexicano de trinta e quatro anos, premiado e de uma coragem e ousadia admiráveis. Levar para o festival de Cannes os temas: pedofilia, crime organizado, tráfico de drogas, poder paralelo, corrupção e tortura não é para qualquer um ou o indivíduo perdeu a noção ou ainda vive os afãs da juventude no que concerne a mudar o mundo. Qualquer um pesaria assim. Mas estamos falando de cinema, uma linguagem de alcance de massa, um veículo poderoso de comunicação e denúncia , uma potente máquina de fomento de idéias.


Trata-se da história de um homem jovem, casado e com um filho bebê, morando na casa do pai no meio do deserto mexicano, com uma irmã de doze anos que namora um cadete da polícia que está envolvido com o narcotráfico. A partir da descoberta das duas últimas premissas, se desenrola o enredo com cenas de tortura explícita que nem em A hora mais escura (Kathryn Bigelow, 2012) se viu igual. Escalante não economizou, colocou a câmera em cima de atos que normalmente se insinua e mostrou como nascem os torturadores, a cena de crianças jogando vídeogame numa sala com um individuo no pau-de-arara e de doer os ossos. Isso tudo pra deixar claro a banalidade do mal.
Às vezes só gritando dessa forma alguém ouve. Escalante traz para o mundo VIP a realidade do cerceamento de direitos e  o exercício de poder arbitrário no México. Causou reboliço, venceu como melhor diretor. O que o filme tem de extraordinário? Vejamos: uma produção de/com poucos recursos, crua, atores desconhecidos e sem experiência e uma história aterradora. O que Escalante fez de extraordinário  foi trazer para a cena, quase que em carne e osso, a impotência, comparado à Refém (Florenti-Emilio Siri, 2005) em que o espectador se rói, se indigna e se mexe na cadeira. Mas para além de trazer à baila a falta de condição de reagir, ele a  transforma em personagem principal, através do olhar, da expressão corporal, da lentidão do tempo, da aridez da paisagem e dos signos semióticos: uma vaca atolada num buraco fundo, escuro, cheio de água e sem saída; Heli, no capô de uma picape, ensanguentado, amordaçado e com um coturno no meio da cara; Heli, magro, franzino e sem camisa peitando um caminhão do exército sem armas na porta de casa. Mensagens gritadas a plenos pulmões, sobre o quanto aqueles indivíduos estão sem saída, calados e humilhados.


Escalante com quase nada conseguiu mostrar o impacto da dor da perda de direitos, da violência numa região sem lei. Uma realidade dura e difícil que não é só do México, mas que é mais fácil varrer para debaixo do tapete. Numa entrevista, ele disse que o objetivo era incomodar e incomodou. Talvez por sua bravura, por sua arte denúncia e a forma como a construiu, sendo tão violento com espectador como aquela realidade o é com seus viventes, tenha levado o prêmio de melhor diretor em Cannes (2013)
Heli é um filme para quem tem estômago forte e gosta de um entretenimento de impacto ou usa esses momentos para refletir sobre o lado negro da força. (Première Latina)#festivaldorio2013

domingo, 22 de setembro de 2013

O CAMINHO DAS PEDRAS DE NAT FAXON E JIM RASH

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 Nota:  Em virtude do Festival Internacional de Filmes do Rio, nossas reflexões se darão a partir de películas pelas próximas duas semanas, com intervalos menores de postagens. Findo o evento, voltaremos à nossa normalidade, se é que isso existe :)
 
 
 
 
 
 
The way way back ( Um verão para não esquecer);  Drama, Comédia; Elenco: Steve Carell, Toni Collete, Alysson Janney; Sam Rockwell; Liam James; Diretores: Nat Faxon, Jim Rash; USA, 2013.
 
 A obra mais recente de Nat Faxon e Jim Rash, ganhadores do Oscar de melhor roteiro 2012 com filme The descendants ( Alexander Payne, 2011) versa sobre a forma com a qual se vê a vida. A película faz um recorte de duas semanas de férias na vida de uma típica família norte-americana, mais especificamente, na vida de um menino de quatorze anos, Duncan (Liam James) cujo eixo condutor é o olhar, a forma com a qual se vê a própria vida e a do outro; o que fazemos com a vida que temos a partir do que nós vemos e até onde o olhar do outro é importante; os signos semióticos vão desde o olhar de Duncan no início e no final da película passando pelo olho estrábico de Peter (River Alexander), que é motivo de piada, até a citação fisiológica dos olhos do caranguejo que conseguem enxergar em trezentos e sessenta graus mas não conseguem olhar para cima.

As limitações humanas estão presentes nas personagens de forma acentuada, a tendência à traição do padrasto/Trent  (Steve Carell), a obediência de Duncan e a estagnação da mãe/Pam  (Toni Collete), o jogo de tabuleiro com suas regras fechadas também são uma metáfora sobre a maneira com a qual escolhemos andar na vida. Essas são algumas reflexões profundas extraídas de um drama/comédia típicos de sessão da tarde que faz rir e chorar simultaneamente.
Uma história alegre que tem como locações a praia e um parque aquático e como argumento o cotidiano com suas dicotomias, embates,  questões a serem respondidas, decisões a serem tomadas, caminhos a serem construídos tendo a água como um caldo de vida e símbolo de renovação.
No que se refere á parte  comédia, à vida adolescente e suas descobertas faz lembrar Diário de uma banana 3 - dias de cão (Diary of wimpy kid - Dog days; David Bowers, 2012) e em relação ao drama com suas implicações para a vida nesta fase adolescente remete-nos à Conta comigo ( Stand by me; Rob Reiner, 1986).
A trilha sonora é motivacional e alegre. Os atores Sam Rockwell (Owen), vencedor de melhor ator no Newport Beach Film Festival pelo papel  e Allison Janney (Betty) estão impagáveis. Uma atuação rápida, piadista, alegre, transformando, o que para alguns seria tragédia, em coisas comuns e, quiçá, cômicas dão o tom e o ritmo da película, já o contraponto é feito por Lewis (Jim Nash) para quem tudo é sem graça e sem vida e acaba sendo mesmo. Um filme pra quem quer se divertir, rir muito e sair pensando na própria vida.
Tudo isso e muito mais no Festival Internacional de Filmes do Rio 2013 que começa na próxima quinta-feira. (mostra expectativa)
 


domingo, 15 de setembro de 2013

AS BENESSES DA DISTRAÇÃO

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Quem ainda não ouviu a música Epitáfio do grupo Titãs? Na qual se encontra um trecho que diz:" O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído". Pois é!  Por mais que pareça desleixo, falta de atenção e cuidado, a distração, talvez, seja das atitudes mais nobres em relação às coisas torpes, pequenas e parcas, aquelas que só atrasam a vida, tiram a alegria, cegam para a felicidade e para as coisas boas, lindas e simples.
Parar para perceber o  nascer e o pôr do sol sentindo toda a sua magia...
Se desligar de tudo e observar uma flor, com sua sedosidade e anatomia peculiares....
Deixar tudo de lado e sentir uma música para além de ouví-la....
Abstrair-se  e acurar a atenção  para pessoas no seu trato cotidiano de gentilezas....
Deixar de lado os pesos e medidas comezinhos no uso do filtro seletivo de energias que não combinam....
A distração pode ser  o esvaziamento do ruim, do mal, do sem importância para o crescimento, de forma proposital fingindo que é sem querer.
Andar distraído pode ser  caminho das pedras para muita saia justa.
Andar distraído pode ser  um estilo de vida.
Andar distraído é uma escolha que evita o câncer, pole o brilho dos olhos e dá viçosidade à pele.
Andar distraído é confissão de coragem em dizer que o que tem do outro lado não interessa e não se interessar de verdade.
Andar distraído é escolher o nicho de energia com o qual queremos nos coadunar e seguir sem olhar para trás.
Andar distraído é para os leves de alma, para os confiantes, para os semeadores de felicidade. Pois só assim conseguimos carregar só o que precisamos e prosseguimos  somente com o que conseguimos carregar.
Andar distraído é para os que destralham a vida de tudo o que não tem mais uso.
E esse deus chamado acaso protege os distraídos porque todo distraído tem um pouco de Mr. Magoo, as coisas ruins acontecem e ele não vê, o que equivale a dizer que não existem, porque o que os olhos não vêem o coração não sente. Bela proteção à desse acaso.
Porém, não tem receita pronta, tudo é processo. Mas se você está encarnado, tem um corpo e respira nesse mundo, ainda é tempo. Não importa o que os outros digam... ceda à proteção do acaso....você não controla nada mesmo! VIVA e  DEIXE VIVER!





sábado, 7 de setembro de 2013

MINHA TERRA, MEU CHÃO, MEU EU

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Minha terra tem coqueiro, tem feijão com arroz, tem samba, tem futebol.
Minha terra tem bandido, tem corrupto, tem mocinho, tem vilão.
Minha terra tem pobreza, tem riqueza, tem fome, tem pão.
Minha terra tem um povo que se chama de irmão, de brother, de "brou".
Minha terra tem um cheiro que outra terra não tem.
Minha terra tem um céu que outra terra não tem.
Minha terra tem um clima que outra terra não tem.
Minha terra é minha, é minha cara, meu sangue, minhas entranhas, é minha saudade, minha dor, minha vergonha e meu orgulho.
Minha terra é o que eu carrego pra qualquer lugar que eu vá.
Como vêem minha terra assim me verão, quer eu queira quer não.
Minha terra é o que eu sou em qualquer lugar que estou.
Minha terra é a maneira como vejo o mundo, a forma que dou às coisas, o colorido ou o cinza do meu coração.
Minha terra é a marca a ferro-e-fogo na minha alma enquanto neste corpo eu estiver.

"...minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá, as aves que aqui gorgeiam não gorgeiam como lá"..

Gorgeio como gorgeia todo brasileiro.
Gorgeio "brasileirês" em inglês, francês, alemão e javanês.
Porque o sangue que corre nessa carcaça é bicolor....é verde e amarelo.
Eu sei o gosto da terra que é minha.
Eu gosto do cheiro da terra que é minha.
Conheço o valor, como filha, político e econômico, da terra que é minha.
Minha terra não é mãe gentil, mas é mãe minha.
Minha terra não é pátria amada, é aviltada, vilipendiada, insultada, esculachada e sacaneada.....mas é minha.

...." E Deus criou os céus e a terra"....as matas, os rios, os mares e uma terra de Vera Cruz que viria se chamar BRASIL ....."e viu que era bom"....







domingo, 1 de setembro de 2013

A GRAÇA DO NÃO-SABER

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Ninguém sabe tudo e talvez não tivesse a menor graça saber. A placidez da ingenuidade também tem seus encantos, o rastro da ignorância também tem seu charme, e mais, traz felicidade.
Quão gracioso é contemplar um infante no ato da descoberta do não-saber, aquele olhar de ih!.... A personificação do não sei, o primeiro movimento do ....é por ali!... pra saber, seja lá o que for. 
É instigante observar o movimento da curiosidade que constrói o saber e destrói a graça, a aura do não-saber; que nunca mais, na mesma circunstância, tem a mesma cara. À medida que crescemos o não-saber passa a ter cara de vergonha, de constrangimento, de inferioridade....mas a de ingenuidade é sem igual e fica para trás, na fase na qual não se sabia o que é saber.
Não saber o que é saber faz toda diferença no aprender, usamos o raciocínio livre de engessamentos, de cuidados, de meandros políticos, livre de grilhões, damos as respostas mais estapafúrdias, imbuídas de verdades quase absolutas, que são tão simples, tão claras, mas que revestidas da pecha da ignorância, já não ousamos mais usá-las.
Sofro de saudosismo de infância, daquela fase em que a gente sabe de tudo sem saber. Depois vamos crescendo, adquirindo saber e emburrecendo.
Sofro de manutenção oculta da infância, mantenho a minha criança viva, escondida, pirracenta, traquina e respondona. Por mais que eu não lhe dê voz, penso, respondo em silêncio, rio comigo mesma e não deixo passar uma, porque quando o fizer a estarei matando.
Sofro de felicidade escondida, de resposta silenciosa, de brilho oculto dos olhos. 
Sofro de bipartição de mim, proposital e construída. Não admito superposição  nem substituição, mas adição e agregamento.
Nunca quis ser "highlander", o cara que acumula o saber e vive para sempre, só para sentir o prazer celestial de descobrir coisas e saber que sempre haverá coisas a serem descobertas. Então, em níveis diferentes de não-saber, sempre seremos ingênuos e ignorantes em alguma coisa.

domingo, 25 de agosto de 2013

SUPER SALVADOR

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Man of Steel. Elenco: Henry Cavil, Amy Adams, Michael Shannon; Produtor: Christopher Nolan; Diretor: Zack Snyder; (USA/ Canadá/UK) 2013.

Saiu de cartaz. Agora a gente pode falar tudo, tudinho. Quem viu viu, quem não viu tem que ver. O último filme do Superman é uma história de David S. Goyer e Christopher Nolan, a partir da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster. Uma verdadeira obra prima de reflexão e efeitos especiais, nela faz-se a narrativa dos conflitos internos vividos por Clark Kent (Henry Cavil), o momento "ser ou não ser" do herói mais famoso e poderoso das histórias em quadrinhos,  a assunção de sua suposta missão de vida e a aceitação dele,  pelo mundo, representado pela nação norte americana. Este é o tema central do fime de Zack Snyder.
Nenhum cineasta, desde a década de setenta, época do lançamento do primeiro fime  da saga (Superman - o filme; 1978), ousou colocá-lo na berlinda, com dúvidas, questionamentos, conflitos internos e externos, com os EUA colocando-o em xeque, querendo destruí-lo, vendo nele uma ameaça alienígena. O filme é o recorte de um período bem demarcado na construção da identidade do Superman e da decisão de se tornar o Clark Kent do Jornal Daily Planet, com algumas remetências à infância, ao seu processo de adaptação, controle de seus poderes e da aceitação dele, por parte do mundo, como protetor e salvador.
Sim, as referências à história do messias cristão são óbvias, mas isso vem desde à década de sessenta. O arcabouço da história do homem de aço tem semelhanças com a história do cristo como apontou algumas críticas cinematográficas e é desse arcabouço que a gente vai falar.


O Superman nasceu em 1938 nas histórias em quadrinhos inspirados por dois adolescentes, depois do crash  de 1929 e antes da segunda guerra mundial. Dizer que a criação veio da necessidade de invenção de um heroi num período tão peculiar, vindo de adolescentes de dezessete anos é viajar bastante, já que nessa idade ninguém se preocupa com política econômica. Mas à medida que as HQs foram tomando um alcance maior de público, foram sofrendo modificações e inserções em contextos políticos e econômicos, de acordo com o interesse de uma classe, foram se tornando instrumento de veiculação ideológica e, quiçá, de manipulação. Não deve ser mera coincidência que a maioria dos super heróis nascessem, fossem criados ou tomassem fôlego nessa época, momento em que havia uma necessidade premente de fomentar nas pessoas uma crença na invencibilidade, na força e na positividade diante das agruras sociais que assolavam o mundo. É, funcionamos inventando fortalezas imaginárias para nos ancorarmos enquanto procuramos pelas nossas por transferência.
O Superman foi o herói que, à medida que o tempo passava ia mudando e se adaptando às contingências de mercado editorial, às outras mídias nas quais ia se inserindo ( rádio, séries de TV, animação, games e filmes) e concomitantemente ia mudando seu perfil, angariando mais poderes. Aprendeu a voar em 1940, ganhou poderes adicionais durante sua jornada de super herói ( visão de raio x, visão telescópica, visão de calor, sopro de gelo, super sopro). Todas essas mudanças e adaptações da personagem ao longo de seus setenta e cinco anos influenciaram a construção de sua história. Os detalhes da origem iam mudando, relacionamentos e habilidades iam se adaptando às exigências de uma época e de um público cada vez mais diverso no decorrer das publicações e exibições em outras mídias. Ele só descobriu sua origem em 1949; foram estabelecidos multiversos, espaços em que existiam vários de si mesmo e ao mesmo tempo, a partir de 1960. Mas foi em 1961 que se iniciou os ensaios da morte do Superman. As HQs passavam por uma crise e, a partir daí, se testou os fãs e como seria o mundo sem o Superman e qual seria a reação do público. Então, neste ano é publicada "a morte secreta do Superman"; em 1970 ele é supostamente morto por um vírus; em 1986 ele é morto pelo monstro Apocalypse, de todas as mortes ele retorna. Nesta fase o processo de "jesusificação" está completo com morte e ressurreição nas histórias em quadrinhos. Na animação, a liga da justiça em "A better world" e "Superman vs Doomsday"; na série de TV"Smallville" na 5ª temporada tem a primeira versão de morte e ressurreição; na 8ª temporada no episódio 22 ele morre e é ressucitado por Jor-el , seu pai, na fortaleza da solidão; na 9ª temporada episódio 21 intitulado  "salvation" ele luta contra Major Zod, uma versão juvenil do General Zod, se sacrificando, para em seguida, no 1º episódio da 10ª temporada, intitulado "Lazarus" ser ressuscitado por Jor-el. Mas a junção de tudo isso feito por fãs de uma comunidade internacional, usando trechos de filmes e clips já existentes, é extraordinária: a morte do Superman ; o funeral do Superman ; a ressurreição do Superman .



À medida que os veículos midiáticos iam alcançando um público maior e mais heterogêneo, a inserção da história do Superman sobre o arcabouço da história cristã foi se consolidando, pois  mantinha um nível de conforto e não questionamento que fazia com que a aceitação gratuita, contida na história, fosse justificada.
As versões cinematográficas oficiais se ocupavam desse arcabouço bíblico de forma mais discreta, através de citações, insinuações contextuais  e leituras semióticas. Vejamos: "E eu vos envio o meu único filho (...) Terá a aparência de um deles mas não será um deles (...) Ele traz o pai dentro de si por todos os dias da sua vida (...) o filho transforma-se no pai e o pai no filho (...)  Eles podem ser um grande povo, desejam ser, só lhes falta uma luz para mostrar o caminho" (...) (Superman- o filme; 1978) Ressuscita Louis Lane, voltando o tempo, girando a terra no sentido anti-horário (1978); Faz  chover (Superman III; 1983);   com Brandon Routh, o Superman fica à órbita terrestre tomando conta do planeta e com sua audição aguçada ouve os pedidos de socorro e os atende em Superman - o retorno (2006).  " Você pode salvar a todos eles (...) Você dará ao povo da terra um ideal pelo qual lutar, eles te perseguirão, eles tropeçarão, eles cairão, mas com o tempo... você os ajudará a fazer maravilhas (...) Você é a resposta" (Man of steel; 2013).  
Depois dessa viagem toda, para onde Zack Snyder e Nolan fugiriam? Não fugiriam. Esse arcabouço está construído há, pelo menos, trinta anos.  Em Man of steel (2013) no sangue do superman reside o segredo e o motivo pelo qual General Zod (Michael Shannon) o procura avidamente. Nele foi inoculado o código genético dos que não nasceram ainda, quando de sua partida de Krypton na nave Gênesis. Em relação à leitura semiótica, ainda em Man of steel (2013) Quando General Zod pára o planeta terra com uma mensagem de ameaça à humanidade, caso Superman não se entregue,  e ele, Superman, vai até a igreja e fala com o padre Leone (Coburn Goss) e atrás de henry Cavil encontra-se um vitral da oração de  jesus cristo no Getsêmani, seus últimos momentos antes de se entregar aos soldados e, é isso que ele (homem de aço) faz.
O Superman é uma alusão cristã de um messias que foi enviado para salvar a terra de nós mesmos. Em todas as versões para cinema, animação e quadrinhos, o Superman é o cristo americano. A pergunta que não quer calar é: Qual o problema usar o arcabouço e uma história para construir outra? Nenhum. Os céus não impetram processo contra plágio e a igreja não se manifesta se não houver heresia, maculação da fé ou infração dos dogmas por ela pregados, e vamos combinar, é uma história belíssima. Um dos maiores plagiadores da história da música foi Handel, que usava o arcabouço musical das óperas que assistia e produzia obras espetaculares. É o uso em pêlo do velho ditado "aqui nada se cria tudo se copia" .
Agora, se o problema for síndrome de deus, Man of steel está com superlotação. O quarteto fantástico, Zack Snyder (diretor), Deborah Snyder (produtora), Christopher Nolan (produtor) e Emma Thomas (produtora) dão um banho de tecnologia, criatividade e competência, mostrando que amor e negócios se misturam sim e dá certo. A produção total do filme ficou estimada, segundo sites especializados, em duzentos e vinte e cinco milhões de dólares e com um retorno, em bilheterias até dezesseis de agosto, de duzentos e noventa milhões de dólares, no mundo do cinema isso não é necessariamente fazer sucesso, mas prejuízo não deu. Com o uso de atores competentes - não deve ser fácil contracenar com um fundo verde - foi contada uma história simples com efeitos especiais avassaladores. A tatibilidade é de cair da cadeira, a velocidade da ação, a impactação é tudo e mais alguma coisa. Na versão 3D se saiu da sala de cinema com os resquícios dos escombros na roupa. Na versão IMAX a sensação panóptica foi espetacular, tudo o que a diegese pode fabricar em nós, pobres mortais, e o objetivo é esse mesmo. Um dos produtores de versão de 1978 disse; " no passado a arte do cinema nos fazia deixar de acreditar, hoje a arte tenta fazer acreditar"  e ainda acrescenta: " Superman Junto  com Sherlock Holmes e Tarzan, são os três homens mais famosos que jamais existiram" Tudo, obra desse mecanismo de criação de uma  "realidade irreal" fomentada pelo cinema.


No filme de Zack Snyder tinha mais gente na computação gráfica e efeitos especiais que figurantes. O diretor de Watchmen e 300, acostumado a super heróis e grandiosidades, nos traz a lembrança de Matrix, na forma artificial de geração dos bebês em Krypton, nos tentáculos que tentam deter o homem de aço e nas naves espaciais apocalípticas e mostra o quanto as ideias são um celeiro pululante de realidades e nuances inimagináveis e que, quando são postas em prática com competência, expõem esse potencial criativo do ser humano e sua condição de fabricar "maravilhamentos".
As ousadias de Man of steel vão desde a inventividade do figurino até a  arriscada mudança da tradicional trilha sonora do Superman. Uma salva de palmas para Hans Zimmer, que além de corajoso, foi muito, muito competente. Desbancar John Williams que, além de ser autor da trilha tradicional, é pai da trilha do Star Wars e da imortal marcha imperial do grande Darth Vader, não é para qualquer um. saiu-se do cinema com a música na cabeça colada feito chiclete e os sintomas virais duraram dias. (degustação) .
Quanto aos deuses atores, Michael Shannon (General Zod) foi brilhante. Interpretar o possível lúcifer
tupiniquim, aquele que tentou dar o golpe de estado em Krypton - cuja destruição merece um filme à parte - e ainda ter que perseguir o único filho de Jor-el (Russel Crowe) enviado a um planetinha dentre zilhões de outros planetas no universo, não deve ter sido fácil.
Quanto ao Henry Cavil....Meu Deus! Com um físico talhado a anabolizante, na medida, apesar da roupa do Superman aparentar ser uma delicada armadura, há que se ter com o que preencher aquela farda de salvador da humanidade. Um corpo glorioso, um olhar celestial, uma voz divina que caiu como uma luva para interpretar a versão pós-moderna do messias, com direito, inclusive, aos seus três segundos de virilidade na cena de cauterização de Louis Lane (Amy Adams) na fortaleza da solidão.
 Para finalizar, Man of steel foi uma síntese do que se pode fazer com o cinema e seus sons. Acabou com mistério do S no peito de homem de aço, focou num momento "sui generis" da vida do super herói, que é da vida de todos nós, deu mais um fôlego a esse septuagenário personagem dos quadrinhos e nos pôs para refletir. Independente das vertentes que se use para olhar a personagem do Superman ele vai sempre representar tudo o que gostaríamos de ser, todo o poder que gostaríamos de ter, o senso de justiça, a pureza de alma, a almejada onisciência e a possibilidade de estar acima de tudo que é mesquinho e destrutivo com fidedignidade. Ele será sempre o diferente para mais, o exemplo do desajuste compensador, da compaixão sem medida, do poder absoluto num corpo, numa mente e o depositário da coragem e do equilíbrio, enfim, um símbolo de proteção. E, ainda por cima, nos traz a lição incontestável de que nunca é tarde para se aprender alguma coisa, depois de setenta e cinco anos terrenos, ele finalmente aprendeu a colocar a cueca por dentro das calças.
Nos cinemas não dá mais, mas brevemente, esse deus grego estará disponível na locadora mais próxima de nossas casas.....Jesus apaga a luz!


Agradecimentos: O meu muito obrigada ao Robson e Dandara da Night Vídeo, que foram grandes facilitadores dessa pesquisa.