segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A OUSADIA PREMIADA DE AMAT ESCALANTE

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Heli. Elenco: Armando Spitia, Andrea Vergara, Linda gonzalez; Diretor: Amate Escalante, Mexico, 2013.

O que é justiça? quanto vale uma vida? O que é poder instituído e poder paralelo? o que respeitar? Tem limites para defender a família? Perguntas que o espectador se faz após o termino do mais recente filme de Amat Escalante, um diretor mexicano de trinta e quatro anos, premiado e de uma coragem e ousadia admiráveis. Levar para o festival de Cannes os temas: pedofilia, crime organizado, tráfico de drogas, poder paralelo, corrupção e tortura não é para qualquer um ou o indivíduo perdeu a noção ou ainda vive os afãs da juventude no que concerne a mudar o mundo. Qualquer um pesaria assim. Mas estamos falando de cinema, uma linguagem de alcance de massa, um veículo poderoso de comunicação e denúncia , uma potente máquina de fomento de idéias.


Trata-se da história de um homem jovem, casado e com um filho bebê, morando na casa do pai no meio do deserto mexicano, com uma irmã de doze anos que namora um cadete da polícia que está envolvido com o narcotráfico. A partir da descoberta das duas últimas premissas, se desenrola o enredo com cenas de tortura explícita que nem em A hora mais escura (Kathryn Bigelow, 2012) se viu igual. Escalante não economizou, colocou a câmera em cima de atos que normalmente se insinua e mostrou como nascem os torturadores, a cena de crianças jogando vídeogame numa sala com um individuo no pau-de-arara e de doer os ossos. Isso tudo pra deixar claro a banalidade do mal.
Às vezes só gritando dessa forma alguém ouve. Escalante traz para o mundo VIP a realidade do cerceamento de direitos e  o exercício de poder arbitrário no México. Causou reboliço, venceu como melhor diretor. O que o filme tem de extraordinário? Vejamos: uma produção de/com poucos recursos, crua, atores desconhecidos e sem experiência e uma história aterradora. O que Escalante fez de extraordinário  foi trazer para a cena, quase que em carne e osso, a impotência, comparado à Refém (Florenti-Emilio Siri, 2005) em que o espectador se rói, se indigna e se mexe na cadeira. Mas para além de trazer à baila a falta de condição de reagir, ele a  transforma em personagem principal, através do olhar, da expressão corporal, da lentidão do tempo, da aridez da paisagem e dos signos semióticos: uma vaca atolada num buraco fundo, escuro, cheio de água e sem saída; Heli, no capô de uma picape, ensanguentado, amordaçado e com um coturno no meio da cara; Heli, magro, franzino e sem camisa peitando um caminhão do exército sem armas na porta de casa. Mensagens gritadas a plenos pulmões, sobre o quanto aqueles indivíduos estão sem saída, calados e humilhados.


Escalante com quase nada conseguiu mostrar o impacto da dor da perda de direitos, da violência numa região sem lei. Uma realidade dura e difícil que não é só do México, mas que é mais fácil varrer para debaixo do tapete. Numa entrevista, ele disse que o objetivo era incomodar e incomodou. Talvez por sua bravura, por sua arte denúncia e a forma como a construiu, sendo tão violento com espectador como aquela realidade o é com seus viventes, tenha levado o prêmio de melhor diretor em Cannes (2013)
Heli é um filme para quem tem estômago forte e gosta de um entretenimento de impacto ou usa esses momentos para refletir sobre o lado negro da força. (Première Latina)#festivaldorio2013

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