domingo, 28 de dezembro de 2014

CAMINHO DAS PEDRAS

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É natural que nesta fase do ano façamos um apanhado do que fizemos, do que conseguimos alcançar em termos de objetivos e de tantas outras premissas a que nos propusemos, não só ao longo do ano, mas ao longo da vida. Seja para firmarmos nossos votos e continuarmos a jornada, seja para começar tudo de novo, seja para mudar algumas coisas e prosseguir em outras. É quase que unanimidade, nas culturas ocidental e oriental, se fazer retrospectivas avaliativas em datas que sejam de fechamento de ciclos. Então, aí vai a minha.
Há muito tempo atrás, buscando dentro de mim uma identidade e um lugar ao sol, imersa em pensamentos - sempre sofri disso - decidi no portão de casa e olhando a rua em declive como eu gostaria de agir comigo mesma. Como eu gostaria de ser, como eu gostaria de passar na vida. Eu decidi que gostaria mais de sentir, de ser perceptiva e liguei os meus sensores; plasmei coisas que gostaria de fazer, energias que gostaria de experimentar e escolhi o lema da peteca ...nunca me deixar cair ... e se caísse, o lema do bêbado...cair e levantar.
Sinalizar coisas pequenas na/para a vida, para si mesmo ou para os outros, talvez, não seja bom sinal. Então sinalizei coisas grandes...ser feliz, ser eu e mandar o mundo às favas com frequência, isso me faz um extremo bem, principalmente porque tenho muitas diferenças com o mundo, então, isso sempre foi um prazer. Ser meu próprio referencial (quando não tiver outro). Escarafunchar-me interiormente, com frequência, para saber o que estou sentindo, o que pode significar - mesmo que eu não goste do que encontro - tirando sempre as camadas de fingimento e hipocrisia. (doloroooso! difíííícil!). Priorizar a leveza, a respiração, o brilho dos olhos e a consciência tranquila. Fazer merda sem culpa. Chorar bastante, o suficiente para tomar banho com as próprias lágrimas e sair limpa. Estar sempre atenta a tudo, e pensar, pensar muito e montar minhas logísticas particulares.
Quando lembro do portão de casa,  do que enxerguei, do que senti, do que acreditei e do que decidi, me orgulho de mim. Tropeços houveram, atropelos também, tristezas profundas, nem se fala, vontade de desistir, com certeza!...mas esses propósitos guardei tão bem guardado, foram tão importantes que me orgulho de mim. Até aqui, fui leal....A quem? A mim mesma.Esse é o meu caminho das pedras. Descubra o seu, todos nós temos um.
Que no ano de 2015 consigamos harmonia conosco mesmo, que nos encontremos dentro de nós, nos amemos, nos respeitemos e  consigamos uma paz que só conhece quem se aceita.
 
FELIZ 2015 E BONS ENCONTROS

domingo, 21 de dezembro de 2014

POSTERIDADE

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Todos nós, mortais, de uma forma ou de outra, nos preocupamos com o que deixaremos para a humanidade. Mesmo que não definamos esse desejo dessa maneira, pensamos no que deixaremos em nossos filhos, netos, bisnetos e tal, como legado do que fomos, como representatividade de nossa estada aqui.
Alguns têm plena consciência disso, outros não. Mas, mesmo assim agem da mesma maneira, com o mesmo objetivo. Existem alguns personagens históricos/mitológicos que são quase,  que guardiões dessa premissa. Aquiles, o guerreiro grego que tinha seu ponto fraco no calcanhar, antes de envolver-se na batalha de Tróia, reza a lenda, que em conversa com a  mãe, ainda em processo de decisão ouviu dela: O que buscas? Se for ser lembrado por mim, seus filhos e seus netos, fique. Mas não serás lembrado por ninguém mais. Porém, se fores para a batalha, eu nunca mais o verei. Mas serás lembrado por mim, pelas futuras gerações e por toda a humanidade, enquanto essa existir. Salvaguardadas as devidas proporções, queremos o mesmo, sermos lembrados.
Não nos damos conta que construímos essa lembrança todos os dias, passo a passo, no nosso cotidiano, no silêncio de nossas vidas, no anonimato em uma multidão de sete bilhões de pessoas. Alguns metaforizam essa premissa nas expressão: "ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro".
Às vezes, me pergunto por que passam por nós pessoas como: José Saramago, Garrincha, Muhammad Ali, Ghandi, Martin Luther King, Madre Teresa ou a história do seu Zé, do fim da rua, como  histórias de exemplo a serem seguidos ou não. Por que essa histórias nos alcançam?
Por que saber o que alguém escrevia sobre a nossa cegueira cotidiana e o quanto enxergava tudo magistralmente? Por que acompanhar os altos e baixos de uma vida igual a nossa com um talento majestoso? Por que me tocar com a história de alguém que opta por ganhar a vida se vilipendiando até se encontrar com um conjunto de ideias que arrebatam tanto que o fazem mudar de nome? Por que saber quem foi e o que fez um hindu que tinha uma complacência e uma sabedoria assustadoras? Por que ter acesso a ideologia e coragem de um negro norte-americano que lutava por igualdade de direitos? Por que saber quem foi uma albanesa que defendia os pobres na Índia, protegida por uma religião, mas de uma grandiosidade que transcendia a todas elas? Por que me alcança a história do vizinho da rua?
Talvez, porque um detalhe em cada uma dessas histórias eu precisasse para construir a minha  e outras pessoas precisassem de outros detalhe para construir a sua. Talvez, seja tão importante o nosso cotidiano, nossas ações simples, nossas atitudes sem a intenção da posteridade, sem a noção de que  estamos sendo observados. Talvez, a posteridade de mortais anônimos seja ser um exemplo em alguma coisa para quem está ao nosso lado. Talvez, o silêncio num momento de aborrecimento, uma decisão mais veemente num momento mais adequado, uma ação de apoio a uma causa que parece perdida, seja o que vai ficar de nós no outro, para a posteridade. Cada momento de nossa atuação no cotidiano, possivelmente, seja mais importante do que imaginamos.
 
 
P.s: A inspiração para escrita desse texto veio do documentário sobre a vida profissional do piloto brasileiro de fórmula I Ayrton Senna. (Aqui!)
 
 

domingo, 14 de dezembro de 2014

CERTEZAS

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Quando a gente pensa que sabe. Quando a gente junta tudo o que viveu e define isso como de todos. Quando a gente emite um juízo de valor baseado na gente. Quando a gente pensa que todo mundo vê do mesmo jeito. Quando a gente impõe a fisiologia da experiência como sendo a mesma para todo mundo. Quando a gente segue uma linha de raciocínio e institucionaliza que só existe essa. Quando a gente, misericordiosamente, admite outras, mas a nossa é  melhor. Quando a gente impõe com verborragia  humilhação ao outro. Quando a gente usa de retórica com os enfeites "eu sei"  "é assim" "eu tenho certeza" "não tem outra maneira" "esse é o único caminho"....são todos enfeites dos grilhões das certezas.
"Eu sei"....mas os outros sabem outras coisas, que são tão válidas e pertinentes quanto o "seu saber" mesmo sendo diferente dele, sobre a mesma questão.
"É assim"...para você. Pois, aqui, em outros lugares, em outras culturas, para outras pessoas com outras experiências, o assim é outro.
"Eu tenho certeza"...(esse é o melhor!!!). O que é certeza para um ser que enxerga até uma certa distância, escuta a partir de alguns decibéis e até outro tanto, depois não mais e tem capacidade cognitiva fantástica, mas limitada? Possivelmente, um delírio esquizofrênico socialmente aceito.
"Não tem outra maneira"... (essa também é boa!). A cogitação de que do alto de nossas condições de atuação estão esgotadas  todas as maneiras de fazer...é no mínimo prepotente, se não quisermos entrar na seara psicanalítica.
"Esse é o único caminho"... (é outro bastante interessante!) Este  reveste o ser que assim pensa de uma superioridade absoluta, por ser conhecedor e proprietário do único caminho para se chegar a algum lugar, a alguma conclusão (quem tem certeza não considera, conclui).
Quando se é adepto das certezas, se desiste de aprender, se desiste de continuar avançando na maneira de ver, de compreender, de ser e de viver. Se assume que a vida acabou e ainda por cima, carrega-se outras pessoas para esse abismo sem fim, iniciando uma cadeia de fósseis em vida.
Certezas são uma modalidade "fofa" de fundamentalismos.
Não tenha certeza de nada. Procure ver o quanto em 1m² tem gente que tem considerações diferentes sobre uma mesma coisa e todas elas podem ser altamente pertinentes.
Não tenha certeza de nada. Se desvencilhe dos grilhões e assuma que não sabemos nada, não controlamos nada e se conseguirmos dar conta, com graça, dos imprevistos da vida, já estamos no lucro.
Quando você vir alguém que abra mão do talvez ponha o pé atrás, pode ser um hospedeiro do vírus das certezas. O primeiro sintoma é a expressão...EU SEI. Quando ouvir essa, corra!

domingo, 30 de novembro de 2014

ESTRANHAMENTOS

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Encontros e desencontros na vida nem sempre se dão pelo viés da harmonia, da sintonia e simpatia. Ás vezes, se dão pelo estranhamento, pela dissonância que chama a atenção, pelo desafinar que atrai. Estranhamentos são pequenas luzes que nos seduzem pela diferença, que por serem incompreensíveis oferecem desafios, oportunidades de aprender, de ensinar, de viver, de aumentar o repertório de conhecimentos sobre tudo, mas principalmente, sobre nós mesmos. Como reagimos, do que gostamos, quem somos e tal.
E nesse contexto vaticinamos..."os opostos se atraem". Possivelmente, não. Os diferentes em um ou outro aspecto o fazem, mas no bojo de suas personalidades e essência, provavelmente, sejam iguais. Iguais com arestas diferentes que se encaixam, que se completam, se olham, se estranham, se provocam e se rendem. E para economizar pensamentos, reflexões e termos menos trabalho para entendermos as coisas da vida, nossas relações, proximidades e distâncias, vamos no  mais fácil de atestar.
A vida é uma ciranda doida que a gente acha que entende. Talvez, a raiz da manutenção do frescor da vida esteja no diferente, no desconhecido, no estranho, no que oferece um território de exploração e descobertas, no que faísca a necessidade de entendimento.
Estranhamentos, sinal de que alguma coisa está torta e certa ao mesmo tempo. Se tudo fosse conhecido e perfeito, sem novidades, sem aventuras, sem graça, sem desafios, sem frisson, sem borboletas no estômago, sem "ofegâncias"e sem medos, a vida, talvez, fosse um marasmo só, uma verdadeira pasmaceira.
Estranhamento é o encantamento com areia, precisa só de um pouco vento e um pouco de tempo.

domingo, 23 de novembro de 2014

PELE SENSÍVEL

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A semana passada aconteceu mais um suicídio na UERJ. Há muito que é lugar comum esse acontecimento no espaço em questão, e um mistério, quase espiritual, o porquê os que se encontram nesta vibração escolhem, justamente ali. Por que falar disso?! primeiro porque o "Conversa Afinada" foi criado para desopilar a alma de tudo o que não se conversa normalmente no dia-a-dia, segundo porque me recuso aceitar isso como banalidade, lugar comum, rotina. Me recuso a me acostumar com o que pode ser mudado, conversado, pensado, refletido....
Dizem que se matar não pode. Pode, só não se deve. Dizem que é pecado. Roubar também é. Crescemos ouvindo "bistuntices" acerca do assunto ou, simplesmente, não ouvindo nada.
Somos levados a acreditar que a vida é uma dádiva, é linda e rara. Só nos esquecemos de avisar no meio do discurso, que isso é para quem consegue enxergar pelo buraco da fechadura da porta das tribulações. Tem gente que não consegue.
E a vida vira um pesar, um castigo, uma maldição a ser vivida dia após dia. Até o dia em que alguém de fora (deus) dizer que é a hora. Às vezes esperar esse alguém de fora vira desaforo, vira humilhação, significa passar a vez do poder de decisão.
E o caro leitor pode se perguntar..."E o que eu tenho a ver isso? Também tenho os meus problemas, minhas questões e minha cruz. Devo me preocupar com a vontade de morrer do vizinho?"...Possivelmente, não. Isso não é preocupação que se tenha. Nem saímos por aí, perscrutando os possíveis candidatos. Mas o mundo não anda sozinho, ele vai no caminhar de todos nós, com nossa energia e  atuação.
Sabendo-nos incapazes da onisciência e, menos ainda, de conhecer o abismo profundo que é o nosso ser, e muito principalmente, o alheio, não custa cautela. Nunca saberemos o quanto um desprezo é a gota do balde. O quanto uma zombaria era só o que faltava, ou o quanto virar as costas é o fim de tudo.
Um sorriso não custa nada. Um bom dia acalorado, também não (fingimos coisas piores). Nunca vamos saber o quanto isso é importante para alguém. Nunca vamos saber o que os nossos atos evitam ou catalisam. Nunca saberemos o tamanho da intensidade da força com a qual uma decisão como essas é tomada.
Então, se é para dormir bem e inventar que salvamos uma vida, e quiçá, o mundo. Distribuamos sorrisos, beijos e abraços...mas principalmente abraços. Provavelmente, ele é um "só por hoje"  de um suicida.
 
 



domingo, 16 de novembro de 2014

IMPOTÊNCIA

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O que eu faço para acabar com a fome no mundo? O que eu faço para evitar guerras? O que eu faço para incutir na cabeça e na alma das pessoas, que o que não custa nada é que tem valor? O que eu faço para parar o choro de uma criança? O que eu faço para ser o bálsamo da dor de alguém? O que eu faço para convencer alguém de seu próprio valor e de sua força em relação a si mesmo? O que eu faço para definir o amor, para além da mesquinhez da carne e das ovações de glórias por bons feitos? O que eu faço para fazer com que a humanidade entenda que todos os seres vivos querem a mesma coisa, e que nisso somos uníssonos e unos?....o que eu faço?...
O caminho da impotência tem mão dupla. Há os que trabalham fazendo a sua parte, seu caminho de formiga, sabendo que sua ação é pequena e insignificante, e continuam a fazê-lo, sem se deter nestas perguntas para não caírem em desânimo e continuam atuando da maneira que acham adequada para se melhorar o mundo. São gentis, não julgam, procuram amar de acordo com seus conceitos e suas capacidades, procuram o caminho do conhecimento, fazem caridade em silêncio, fogem dos aborrecimentos, e de conhecerem seu lado vil, se desviando de tudo o que o catalise.
E há os que se rendem. E dizem consigo mesmo: "Se não posso fazer nada, então nada será" . E nesse caso, vence o individualismo, as certezas, os mundos circunscritos com muros, muralhas e portões de proteção. Ganha a competição por espaço, poder, território e vaidades vãs que ficam por aqui assim que partimos. E o mundo fica pior. Por que? Porque nos ajustamos a ele, com seus desmandos, incoerências, paradoxos, contradições, injustiças, manipulações e camadas e camadas de hipocrisia, que "somatizadas" rendem a nós o nosso próprio sofrimento, na pele e na alma.
Impotência é o estado de falta de capacidade sem solução. Qual criança já não quis suspender o carro do pai, sem sucesso? A sensação de nada poder fazer é desestruturante. A sensação de impotência é isso.
Mas a coisa piora quando descobrimos  que a nossa impotência é construída por nós mesmos e contra nós. Ela veio junto com o mundo que criamos e sua fisiologia.  Logo, consideramos que essa impotência foi fabricada propositalmente. Que ela é uma jaula, uma prisão, um empecilho, um jogo de forças paralisantes construído por nós e para nós só para demarcar território e exercício de poder.
A fome é projeto de manipulação, de uso de força e de direcionamento de um rebanho que se não come não pensa, se não pensa obedece. E se torna um exército permanente de reposição de reserva de mão-de-obra barata
As guerras são nichos de interesses, de distribuição de capital, de demonstração de força, de desfile de superioridade.
A ideologia da hierarquização de valores, do que se tem que ter e ser para ser respeitado é liturgia do gado marcado. A que grupo você pertence? E os signos que definem esse pertencimento são designados por nós. O selo, a marca registrada e o indexador é o quanto custa. O quanto de tempo de trabalho, o quanto de desaforos tivemos que aguentar, o quanto de vezes passamos por cima de nós mesmos,  o quanto de valor monetário, etc... Depois terminamos doentes, tristes, deprimidos, suicidas, sós, pedintes de olhar, de atenção, de carinho, de amor, seja ele de que estirpe for, frágeis e débeis, vítimas da primeira circunstância ou vigarice que nos ofereça, espuriamente, o que verdadeiramente tem valor e não demos prioridade lá atrás, e que faz tanta diferença, que sua falta é capaz de nos destruir por dentro.
Parar o choro de uma criança...esse sim, é um sonho e tanto e uma jornada surpresa. Se não for fome ou dor, carinho resolve. Uma voz branda, uma mão macia e um calor protetor.
Já, curar a dor de alguém, ou ao menos, amenizá-la, talvez, seja possível se nos despirmos de todo o medo da responsabilidade de que fala Saint-Exupéry sobre o  cativar, e fazer o exercício do mais sincero abraço. A questão, é que nos braços só cabem um de cada vez, e somos sete bilhões de miseráveis doloridos com um sorriso amarelo na cara.
Sobre o convencimento de alguém a cerca de seu próprio valor, talvez, seja , de fato, o mais difícil da história. Só o próprio indivíduo pode levantar a si mesmo. Só o indivíduo tem os olhos sobre si e o conhecimento a seu respeito, para se perscrutar introspectivamente e se valorar. Mas dizer que isso é possível, talvez ajude.
Outro desafio gigante é a definição de amor. Aquele ente poderoso, pentadimensional, para além de tudo o que podemos ser e conceituar. Esse, esquartejado em partes: a sexual, a fraternal, a maternal, a paternal, a filial, a humanitária. E excede a tudo o que podemos abarcar com o corpo, com alma e com a cognição. Mas, sonhar com a chegada de seu exercício e com a prontidão de nossas capacidades para vive-lo, além de não custar nada, é obrigatório.
Agora,  convencimento de que todos queremos a mesma coisa, talvez, seja o mais fácil de todas as premissas de impotência diante da vida. Não é raro observarmos que as plantas que são cuidadas, veladas, e com as quais se conversa, são mais viçosas, mais cheirosas, produzem mais, e podemos até dizer que, são mais felizes. Os animais, tanto os domésticos quanto os silvestres, quando acarinhados e inserido esse proceder na sua rotina, são mais maleáveis e, às vezes, lutam contra sua própria natureza, embora ela vença sempre, só para receberem um pouco mais desse manjar.
O que eu faço para minar essa impotência?!....escrevo.
 
"Feliz daquele que consegue burlar os muros do poder instituído e atuar nos seus interstícios"
 
 

domingo, 9 de novembro de 2014

FRESTAS

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Às vezes, as situações, circunstâncias e/ou contextos da vida não têm portas nem janelas.
Às vezes, se busca nos intervalos de respiração dos acontecimentos, saída. Ou um espaço para se atuar mudando alguma coisa.
Às vezes, só o que restam são frestas, brechas de uma cerca, espaço insignificante em que só cabem um olho e a vontade de mudar.
Às vezes, tudo o que buscamos cabe num espaço descoberto à revelia e que nos inspira táticas mirabolantes.
Mas, para tanto há que se estar atento, há muito que se querer que as coisas mudem de lugar.
As frestas que encontramos ao longo da vida para escaparmos de um cativeiro, às vezes, são tudo que teremos. Quem espera porta larga não alcança. Quem procura porteira aberta vai continuar procurando e quem só age se encontrar uma janela vira estátua de sal.
A vida, possivelmente, é de quem enxerga oportunidade onde não tem. É de quem inventa uma chance, de quem ousa com o que tem nas mãos. Por uma fresta passa uma chave, por uma fresta passa um arame, por uma fresta passa um sonho inteiro.
Mas a cada fresta sua tática. Frestas oportunas não se repetem, a cada uma seu jeito e sua largura. Quem aprende a agir pelas frestas aprende a viver e não se atrapalha com nada. Que pelas frestas da vida, do cotidiano, saibamos lidar com o que o nosso "feeling" diz que somos capazes.
Às vezes, para conseguirmos o que queremos, só temos uma fresta como chance. Quem a desperdiça ou não sabe o que quer, ou não sabe querer.

domingo, 2 de novembro de 2014

O IMPÉRIO DA INCOERÊNCIA

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O texto de hoje é sobre o mundo construído às custas do aprisionamento da nossa natureza e do choque com o que seria natural ou lógico.E o quanto não percebemos/ou percebemos e continuamos a professar o discurso da incoerência e fabricarmos nossa própria infelicidade.
Aprendemos a não mentir até os treze anos, depois pode. Aprendemos a ser leais aos amigos até os vinte e cinco, depois não importa. A falar o que pensamos até os dezoito, depois respondemos pelos nossos atos, não pode mais. 
Mas o mais inusitado são os palavrões, para dar o exemplo só de um: Vai se f... é palavrão que se diz quando se está com muita raiva de alguém. Mas na hora que a gente quer ser feliz a gente vai se f... com outro alguém, e está tudo certo (!!!!!!!).
Sinceridade é enfeite de dicionário, se for usado até as ultimas instâncias dá cadeia. E parceria nos relacionamentos também é frase de efeito. Já se começa uma relação medindo as palavras, o que poder ser dito, o que pode ou não ser escrito...afinal, vai que a relação acaba?!!!
Somos, por natureza, polígamos e instituímos a monogamia só pra ficar bem na fita do capitalismo e dos falsos bons costumes e manutenção dos valores familiares e instituímos a prostituição que é produto direto da monogamia.
Nos apaixonamos perdidamente por alguém, até descobrirmos o alguém. E que não era o que queríamos que fosse. Queremos estar com pessoas mas como elas são, não servem. Somos democráticos até se dizer o que o outro não quer ouvir. Clamamos por justiça, mas só até o momento em que ela venha bater à nossa porta. Lutamos por direitos iguais, até o momento que não fira os nossos privilégios.
Queremos o crescimento e a evolução até encontrarmos alguém que faça algo melhor que nós. Aí, ao invés de aprendermos por imitação, humildade ou por osmose, aderimos a caça às bruxas.
Premiamos quem vence. Mas quem vence, normalmente, é o mais desleal, o mais esperto, o que passa por cima dos outros e de si mesmo, sem nenhuma classe e sem cortinas de disfarces. Ainda somos seres de "umbigo" e de imposição de poder espúrio como prova de virilidade, competitividade e sucesso.
Instituímos um estado de alerta contra o outro e contra nós mesmos. Não existe mais nicho em que possamos relaxar e sermos, simplesmente, o que somos. Usar a liberdade de ser é crime de alta traição contra o próximo.
Vivemos um mundo louco em que, cada um tem seu espaço construído à revelia e de encontro ao mundo do outro e ainda brigamos pelo lugar onde colocar a cerca. A incoerência é uma instituição oficializada e vamos para o ringue para sabermos qual da incoerências tem mais poder e prevalecerá. A guerra de retóricas é a estrada da vida em que ninguém tem razão.  A confiança morreu, a lealdade virou peça de museu e a esperança está em greve de fome.
A partícula de poeira no espaço em que vida é tão rara e complexa abriga o mais nobre dos  sanatórios. E depois de tudo isso construído por nós mesmos, completamente ao oposto do que somos, ainda queremos ser felizes. E ainda somos tão covardes que colocamos a culpa de todos os males da humanidade na conta do diabo....Que coisa feia!!!!!!
 

domingo, 26 de outubro de 2014

OVO DE CODORNA

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O mundo em que vivemos é uma invenção bárbara. Inventamos a ciência, as leis da física, explicamos a gravidade, as divisões da atmosfera, a forma de nos relacionarmos com/na sociedade, as divisões de poder, as formas de conexões política/econômica/social e, a partir de nossa criação, atuamos. E institucionalizamos a cena perfeita - também inventada - chamada realidade.
Os muros que criamos para nos limitarmos, caracterizarmo-nos, definirmo-nos são vários. As castas, os extratos sociais, as classes, as hierarquias, as crenças, as diferenças de costumes, sejam culturais ou religiosos, são imaginários necessários para dizermos a nós mesmos que pertencemos a algum lugar, que fazemos parte de alguma coisa. Às vezes não percebemos que esses muros não são barreiras de proteção ou marcas de nascença que carregamos como nossos definidores para o outro, mas esconderijos. Por vezes, limitadores do desenvolvimento de potencialidades que temos, de prazeres que devemos descobrir, viver, e assim, crescermos.  Por outras vezes, são coleiras que nos amarram, que nos prendem diante de um mundo imenso que salta aos nossos olhos com infinitas possibilidades,sem fronteiras, sem paredes, de uma vastidão sem medida. E não vamos, ficamos.
Ficamos porque temos medo, ficamos porque para nós o mundo é a sala, a cozinha, o banheiro e quarto de nossa casa. Não conseguimos enxergar o que está diante de nós como nosso. Para nosso uso, para nos refestelarmos, usufruirmos, explorarmos, quiçá, conquistarmos.
Nos contentamos com o ovo de codorna que é o mundinho que inventaram para gente. Sejamos  rebeldes com causa ou sem causa. Não importa! Que um NÃO sempre acenda todos os nossos sensores. Que um espaço que não conheçamos nos encha de curiosidade e vida. Tudo o que inventaram pra gente foi um ovo de codorna, ninguém inventa  ovo de avestruz pra ninguém. ...Se foi inventado pode ser desinventado.
Ei, você que inventou a pequeneza trate de desinventar!!!!!!


quarta-feira, 15 de outubro de 2014

"PAIDÓS AGOGOS"

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Na Grécia antiga o escravo/aio  que recebia a missão de levar as crianças à instrução (ao que hoje chamamos escola) eram chamados "pedagogos". Aqueles que conduziam pela mão ao caminho da instrução. Poesia pura aperfeiçoada em dois mil e quatrocentos anos.
Conduzir alguém pressupõe condição para. Pressupõe conhecimento (episteme) e experiência de vida.Ser conduzido significa ser aprendiz, a tábula rasa que está sendo preparada para receber o que o mundo diz que é, que tem que ser. Um espirito puro, bruto, que precisa ser lapidado (parece piada).
E essa simbiose virou profissão. Essa metáfora espetacular da vida virou afazer sistematizado, que muda de cultura para cultura, mas está lá. Buscar nesse palheiro, a verdadeira essência do "Paidós agogos" e/ou professor é atividade para poeta hoje.
Ter a noção de que pela maneira da falar, de vestir, de tratar, de se portar, de atuar na vida se está educando alguém, tem uma criança lhe pondo como exemplo. Não é fácil.
Saber que dependendo do que se diz a um deles se ilumina um caminho inteiro ou se cobre de trevas toda uma existência é de uma responsabilidade sem medida. E não é exagero, dentro das alminhas do pequenos é isso mesmo.
Escolher estar no meio de um campo de trigo que é o sustentáculo de uma sociedade inteira, é no mínimo ser louco ou não ter a menor noção do que isso significa. Ser o guardador desse celeiro é missão nobre de uma encarnação, cujo valor foi criado para não ser mensurado. Escolher acompanhar os rebentos e suas famílias é uma aventura assustadora. Aprende-se muito e tem-se uma responsabilidade que vai para além dos muros da instituição a que se pertence.
...E pensar que o cara que tinha essa responsabilidade toda era um escravo...

Feliz dia do professor!

sábado, 11 de outubro de 2014

PAPEL EM BRANCO

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Se soubéssemos da importância da escrita da vida. Se soubéssemos sobre a preciosidade de um papel em branco, onde tudo pode ser posto. A mais bela história, a luta mais renhida, a mais aguerrida personagem, a mais triste, a mais enfadonha, a mais alegre, ou a mais esperançosa. Se soubéssemos que a grande força da história não é o final, mas o início. Onde todas as possibilidades estão ali esperando serem escolhidas para entrar em ação. Se soubéssemos que tudo , numa história, se desenha nos primeiros capítulos, prestaríamos mais atenção aos inícios. Seríamos mais atentos aos começos.
Um papel em branco é uma terra que recebe tudo, não rejeita, não questiona, simplesmente recebe. Um papel em branco é um território de exercício de poder, o que se puser ficará. Um papel em branco é um espaço frágil na mão do outro.
E assim não somos nós?! Não escolhemos nosso nome, nem o que vai conceituar o que entendemos por mundo, a não ser o que o outro nos diz. Conceituamos as relações, as pessoas, como as coisas devem ser, de acordo com o que nos dizem. Criamos nosso arcabouço de amor, família, amizade, sucesso, a partir do que uma cultura nos impinge. Traçamos nossa própria história depois que uma sociedade nos entorta, nos poda, nos proibe, nos limita. Aí a história já está no meio, e remar contra o roteiro, fazer discurso direto e indireto, gritar aos quatro ventos, transformar a história em outra, não é para qualquer um.
Toda vez que vejo uma criança ser ela mesma, o belo papel em branco, onde a gente escreve o que quer, e percebo os olhos alheios se enchendo de afeto pelo que veem, me pergunto: É lembrança do que queria ser e não foi? Estão aproveitando o momento de registro daquela ingenuidade que vai ser morta na próxima esquina? A qual nunca mais se verá? ou é pena?....Sabe-se que aquela naturalidade  morrerá, sabemos que os quebraremos até ficarem iguais a nós, falsos, hipócritas e infelizes.
O que vai nos olhos que brilham quando veem o papel em branco, que é uma criança? Esperança de que aquele seja o escolhido, pirracento, que se negue a quebrar e entortar e virar "igual" e mude o mundo? Um Peter Pan que se negue a crescer?  E que, por isso, também sofrerá.
Queremos mudar o mundo e fazemos das crianças o alvo de nossas esperanças, mas continuamos a escrever a história torta. Não ensinamos a serem o que são. Talvez, por medo de que sofram. Vão sofrer de um jeito ou de outro. Não ensinamos a serem camaleões, felizes consigo mesmos, leais a si próprios, perscrutadores do mundo, chafurdadores inteligentes dessa babel de loucos, viventes sãos desse hospício a céu aberto. Quando fazemos isso, escrevemos nesse papel em branco que ele não deve acreditar em si, e que não tem capacidade para viver nesse caos com competência. Escrevemos uma mensagem de impotência, num livro/pessoa cuja história está só começando.
Todos nós somos histórias, todos nós somos nós de uma rede infinita de encontros e desencontros. E não controlamos nada. Já que é assim, Escrevamos uma boa história na vida dos filhos, dos sobrinhos, dos alunos e afins.
Nessa terra de passagem, em que cada um tem um tempo para ficar, para a qual não trazemos nada e nada dela levaremos, e temos tanta coisa para fazer, há que se merecer ser recebido com o mínimo de consciência do que seja essa trajetória enigmática. Quando alguém vem para esta estação de passagem, não vem para ser propriedade sob aspecto algum (maternal, paternal, fraternal, matrimonial) vimos para escrever a nossa própria história a partir do capítulo três. Mas, o capítulo três depende do que pais, familiares, sociedade, cultura e amigos escreveram antes.
A primeira coisa essêncial, acho, na escrita desse livro inusitado que somos todos nós, é querer escrevê-lo; a segunda, talvez, seja recebê-lo muito bem; a terceira, possivelmente, é mandar o mundo às favas e começar do zero....ali, página por página. Vai ser fácil? Nada é. Mas a questão é ser bem sucedido naquilo que nos propositamos a fazer e de acordo com a nossa capacidade. Falhas, equívocos, imperfeições sempre haverão. Às vezes, nem se precisa de tanto esforço, a alma que vem já é pirracenta, basta aparar as arestas.
....Toda vez que vejo uma criança recém-nascida, ou brincante num parque, sem a menor noção do que a espera e vejo os olhares dos que estão à sua volta, penso comigo...Seja Bem-vindo aos próximos oitenta/noventa/cem anos de uma escrita muito difícil, mas que consigas fazer o seu melhor.

Feliz Dia das Crianças!



sábado, 20 de setembro de 2014

IMPERFEIÇÃO - MARCA REGISTRADA.

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Quem gosta de brinquedo quebrado? Prato rachado, dia ruim, coisas com defeito. Ninguém. Somos afeitos ao perfeccionismo. Queremos e gostamos de tudo perfeito. Mas, e nós, será que somos  aquilo que achamos de nós mesmos? será que correspondemos àquilo que esperamos das coisas e de outras pessoas?
Pois é, talvez não seja um mal perseguir a perfeição, mas um caminho de melhora, de evolução. Precisamos de um objetivo no horizonte para andarmos uma légua, duas, três....
Mas tudo ao exagero, degenera, faz mal, empaca. Há quem saiba disso e prefira o oposto, venere o "defeito", o gênio ruim, a falha em tudo e a pouca dedicação às coisas a que se propõem e dizem a si mesmo, como expressão de consolo, "ninguém é perfeito...vai assim mesmo". Será?
Nem tanto a terra nem tanto ao mar, diria o poeta. Nem uma ode a imperfeição, nem uma sanha desvairada pela perfeição. Possivelmente, nenhuma das duas nos pertença, são apenas fases do caminho. Não conseguir realizar um intento como se quer, não sermos o que gostaríamos de ser, descobrir as falhas do olhar, os pontos cegos do que não conseguimos ver, descobrir que não damos contas de tudo. Perceber que existem outras formas de ver que não a nossa, e que, às vezes poder ser até melhor que a nossa, perceber que tem sempre alguém que faz alguma coisa  melhor do que a gente, é bom.
Ser humano, provavelmente, seja estar no meio do caminho, dentro de um laboratório para acertar e errar, para ensaiar e treinar, testar, se decepcionar, se alegrar e continuar tentando.Isso se torna, na verdade, o que somos. Imperfeitos, perdidos, assustados num labirinto procurando uma saída, procurando melhorar.
Fazer errado, faz parte. Ter defeito, tá valendo e ser imperfeito é condição para pertencer ao grupo de humanos que designamos, orgulhosamente, humanidade.
Quando conseguirmos enxergar tudo, acertar tudo, ser feliz em tudo e perfeitos, já deixamos de ser humanos e estaremos em outro patamar. Não se trata de fazer uma ode a imperfeição, mas uma festa de aceitação à condição de falhos para conseguirmos ser felizes durante a caminhada, se der.
Defeito, imperfeição, incompletude é a nossa marca registrada. E do que não tem jeito, a gente ri. :)

domingo, 7 de setembro de 2014

VER & FALAR

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Ver, talvez, não seja ver, seja criar.
Quem vê o que  vê, vê o que é capaz de criar, de conectar.
Quando vemos, seja lá o que for, ligamos todas as nossas experiências, juntamos tudo para chegar a um juízo.
Enquanto a gente vê, a gente fabrica um contexto, uma história, uma energia, um cheiro.
Ver é viajar para dentro, com o incentivo/estalo dado pelo de fora.
Falar do que se vê é falar de si,  de onde se esteve, do que se viveu, do que sentiu, de onde foram parar todas essas experiências dentro de nós, sobre como nós as digerimos, do que elas fizeram conosco.
Ver é tudo, menos enxergar o de fora.
Ver é transferir o de dentro para fora e ficar espantado sobre como o outro vê outra coisa.
Falar então...

domingo, 24 de agosto de 2014

OLHOS FRIOS

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Quando olho para a jornada já vivida percebo as diferenças na forma de ver o mundo. De ontem e de hoje. A diferença de perspectiva, a de expectativas, e o mais doloroso, o quanto nos descobrimos enganados comprando o sonho alheio.
Meço o quanto é necessário de coragem para ver com os próprios olhos e seguir sem ilusões. Numa leitura sobre o filósofo Vilem Flusser, um texto belíssimo, o autor disserta sobre a dor e a procura de Vilem no que concerne a Deus. Que sua família o impunha como sendo inquestionável, pelos feitos da natureza e pela imperfeição humana. E esse Deus era bom. Até Vilem ir pescar com o tio e vê-lo espetar uma minhoca viva num anzol. Aos nove anos, o grande futuro filósofo, pensou...Se esse Deus é bom, por que deixa a minhoca sofrer espetada num anzol ? (...) esse Deus com certeza não é o Deus das minhocas, e ele não é bom.... Mais tarde Vilem viria comparar o sofrimento das minhocas ao dos judeus na segunda guerra, da qual fugira, aos dezenove anos.
E, segundo o autor, Vilem, como tinha necessidade de acreditar em um Deus, o buscava em tudo. Não um Deus infantil, inventado ao bel-prazer do inventor, mas o que fosse bondade e grandiosidade. No texto, existem trechos de Vilem que diz que seu raciocínio e sua inteligência, sua forma de conectar as informações e sentí-las não admitia que aquele Deus da família fosse o que ele deveria acreditar, simplesmente porque era incoerente. Mas não lhe negou a existência, nem a necessidade de um Deus. E admirei os olhos frios de Vilem Flusser.
Quando leio esta história, me pego pensando no que estas construções de coerências, segundo o que vemos, sentimos, vivemos, lemos, etc... São capazes de nos mostrar, o que nos fazem questionar com propriedade e o quanto somos capazes de  ser leais a nós mesmos. Desmistificando algumas "verdades" que nos venderam um dia. Há que se ter olhos frios para ver a "realidade" e desconstruir as mentiras.
Com olhos frios vi que meus pais estavam equivocados.
Com olhos frios percebi que o mundo são vários.
Com olhos frios descobri que não existem verdades.
Com olhos frios sei que estamos sós, e todos acompanhados.
Com olhos frios percebo que o pilar de nós, somos nós mesmos.
Com olhos frios me orgulho de acreditar em mim.
Com olhos frios me ressinto do tempo perdido.  Mas, sei que foi ele que me deu a possibilidade de parar e decidir.
Com olhos frios descobri que o amor é a história mais mal contada de todos os tempos.
Com olhos frios descobri que criamos grilhões invisíveis e nos atamos a eles.
Com olhos frios descobri que tudo é banal e que a vida, possivelmente, é uma grande piada.
Com olhos frios desnudo a vida com suas questões.
....Mas, lá fundo, espero chegar um momento da jornada, que descubra que meus olhos frios também mentiram e que se retire o último véu. E que eu descubra os porquês escondidos em toda essa ciranda.
Os donos de olhos frios são eternos sofredores, porque se os fecham perdem o aprendizado e se os abrem, morrem de dor e medo.
 
Texto referência:
BERNARDO, Gustavo. A sacralização do cotidiano - o conceito central para o pensador: O conceito de Deus. Trata-se de um Deus poético. In: Dossiê Vilém Flusser - O filósofo da imagem, do design e da linguagem. Revista Cult nº 187, ano 17, Fev 2014.
 
 

domingo, 17 de agosto de 2014

CAVIAR E PATÊ DE SARDINHA

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Às vezes buscamos na vida só o prêmio, e esquecemos que, possivelmente, o grande prêmio seja o caminho que trilhamos depois da escolha que fazemos. Olhar para o pódium sem prestar atenção na estrada não nos leva a ele.
Às vezes temos diamantes nas mãos e jogamos fora, pensando serem pedras, porque não os enxergamos na escuridão da noite.
Às vezes todos os indícios nos levam a um caminho, mas vamos por outro, porque assim planejamos.
Às vezes nossa intuição nos pede uma atitude e tomamos outra, porque..."o que será o que o outro vai pensar...."
Às vezes todos os acontecimentos do dia gritam aos nossos ouvidos..."não vá por aí" mas, vamos, porque não foi a nossa mãe quem falou.
Às vezes confiamos em todo mundo, menos na gente mesmo. Porque não é uma personagem viva externa a nós, a nos falar. É alguém de dentro de nós a nos puxar para onde devemos ir e não vamos.
Às vezes preferimos ouvir a quem nunca vimos, nos guiarmos por um livro de autoajuda, escolher um pensamento aleatoriamente numa caixinha de promessas, do que ouvir aquela cigana interna que diz..." Olha, por aqui,...por ali, não".
Às vezes preferimos a promessa de um prêmio, do que a firmeza de um passo atrás do outro construindo uma jornada, mesmo que o final dela seja incerto. Mas é nossa, ninguém tira, fomos nós quem fizemos.
Às vezes preferimos copiar o outro, porque o caminho já está feito, já sabemos, supostamente, onde vai dar, do que arriscarmos ser originais e fazer o que a concatenação contexto e alma  nos pedem. E pensamos: ..."deu certo para ele, vai dar para mim também"... Não, não vai não.
Às vezes nos apequenamos porque não acreditamos podermos ser maiores.
Está na hora de inverter a ordem e trocar o certo pelo duvidoso. Às vezes o certo, o que o outro diz, o que o outro aventa, o que o outro nos impinge, vai nos render uma somatização horrenda no final, uma dissintonia insuportável com a vida. Por que? Porque não era o que nossa alma pedia e ferimos o juízo de valor da pessoa mais importante para nós. Nós mesmos. Negamos a possibilidade de criação na nossa existência, negamos o desenvolvimento do ouvir e confiar na nossa voz interna.
Às vezes o duvidoso é a felicidade. Às vezes a gente joga caviar fora para comer patê de sardinha.
Está na hora de virar do avesso, virar de ponta a cabeça e apostarmos em nós mesmos, na vida e no acreditar...talvez seja isso que nos mantenha vivos dentro da vida. Dar uma chance a nós mesmos de fazemos da nossa jornada uma imenso e maravilhoso laboratório. Viva o incerto! Viva o avesso! viva a revolução interna! Viva a vida viva! Viva tudo o que se movimenta! Viva o devir!

domingo, 3 de agosto de 2014

LUZ

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Existe uma energia multiforme que nos contagia de várias maneiras. Não tem nome específico, não tem cheiro, não tem cor nem sabor, mas sente-se. A identificamos sem conceitua-la, desde bem infantes, quase estreantes na vida.
Ela pode nos atingir pelo olhar, a captação das janelas da alma, ou pode nos invadir pelos ouvidos com uma miríade de sons, de tons, de dissonâncias que nos transportam. Ou ainda pelo tato e olfato. É do reino dos sentidos.
A energia sem nome que nos ilumina é do bem. E, instantaneamente, nos transforma em outro, nos mostra, nos fragiliza, mas principalmente, nos desarma, nos torna belos e abre a fresta da porta de nosso ser.
Bérgson fala do sorriso. Essa luz que é  nossa e que nos acende para o mundo, como espontânea e limpa, sem adornos, protocolos ou falsidades (quando natural e veraz). Que é um rompimento com o mecânico, que ri é humano, os animais não riem. Quando rimos é o corpo que ri, ninguém tem o mesmo sorriso que o outro e jamais se ri igual duas vezes.
E José Saramago vaticina: O sorriso (...) "vem sempre de longe. É a manifestação de uma sabedoria profunda, não tem nada a ver com as contrações musculares e não cabe numa definição de dicionário. Principia por um leve mover do rosto, as vezes hesitante, por um frêmito interior que nasce nas mais secretas camadas do ser. Se move músculos é porque não tem outra maneira de exprimir-se. Mas não terá? Não conhecemos sorrisos que são rápidos clarões, como esse brilho súbito e inexplicável que soltam os peixes nas águas fundas? Quando a luz do sol passa sobre os campos ao sabor do vento e da nuvem, que foi que na terra se moveu? E contudo era um sorriso."
Sorria! Ilumine-se!, mesmo que não esteja sendo filmado.

 


domingo, 20 de julho de 2014

REFUGIADOS

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Refúgio é um lugar para onde se foge. Se foge da destruição, da calamidade, da dor e do medo. 
Refúgio é um lugar de refrigério, de desarme, de descanso, de proteção e segurança.
Refúgio é para flagelados. Flagelados das guerras, das catástrofes, das tribulações. De alguma coisa maior e sem controle com a qual não se pode brigar.
Refúgio é o que sobra do calor humano, é o que sobra do teto, é o que sobra de tudo o que foi tirado.
Refúgio é o último alento.
E refugiados são todos os que foram pegos de surpresa pela vida. Que tiveram seus caminhos desviados, planos estraçalhados, esperanças açoitadas e crenças quebradas.
Refugiados são todos que estiveram diante da impotência de todas as suas potencialidades e sobreviveram.
Sobreviveram para chorar, para se lembrar da sua pequenez, como que por crueldade.
Refugiados também são aqueles que espreitam, que esperam o momento certo e a hora certa de sair do bunker.
Refugiados também são os que  insistem e que não se dão por vencidos.
Refugiados são todos aqueles que estiveram diante de si mesmos, conheceram seus limites, mas enquanto a luz não se apaga, não dormitam.
Refugiados somos todos nós em múltiplos e diferentes aspectos. Somos refugiados em nós mesmos tendo os olhos como grade de cela em relação às mazelas do mundo que não controlamos.
Somos refugiados em nós mesmos com o coração pulando a solavancos pela falta de humanidade e amor que não podemos distribuir sozinhos.
Somos refugiados em nós mesmos atrás de uma inteligência como campo de força que não consegue jogar uma partida de xadrez decente com a vida.
Somos refugiados em nós mesmos trancados, estrebuchando com gargalhadas, galhofas e lufares para não escutar a própria respiração.
Somos refugiados em nós mesmos pela simples falta de coragem de admitirmos o que vemos, o que sentimos e agirmos em conformidade com tal.
Somos refugiados eternos perdendo a grande oportunidade de virar o tabuleiro e ganhar a guerra. 
Nesse refúgio não há refrigério, só escuridão e perda.
Nesse refúgio não há conforto, só engano e dor.
Para viver nesse refúgio é melhor que nos açoite todas as tempestades e que nos assole todas as calamidades e tribulações, do que ser um campo de força contra a vida, a mudança e a evolução. Mil vezes desprotegidos e felizes do que protegidos e uns vermes na vida.
Tá na hora de desabrochar porque a gente só vive quando abandona o refúgio e a condição de refugiado.

domingo, 13 de julho de 2014

FORMIGUEIRO

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Esqueçamos a visão sociológica do formigueiro como simbologia de tecnicalismos, automação sem pensamento, exército de braços em consonância, feito relógio suíço (o fordismo no trabalho).
Não é essa a vertente que tem graça. Tudo tem dois lados (no mínimo) e o lado que admite a licença poética, esse recheio de doce de leite da vida, é muito mais bonito, muito mais vivificante.
Temos muito o que aprender com as formigas. Esses insetos insignificantes que passam ao nosso largo sem serem percebidos ou para serem varridos pelo nosso desprezo.
Existem muito mais formigas na terra do que gente. O planeta é delas. Elas são pequenas, são muitas e unidas e isso faz delas muito maior que muitas espécies, fora suas peculiaridades. Uma formiga carrega até cem vezes o seu peso, nenhuma espécie consegue isso. As formigas constroem cidades imensas, com uma desenvoltura arquitetônica espetacular e, cidades essas, muito maiores que a nossas, se formos levar em consideração a proporção de seu tamanho e a capacidade que têm de percorrer distâncias. As formigas são guerreiras, defendem seus formigueiros, suas "casas", sua rainha (sua raiz/origem). Nós entregamos as nossas. As formigas são previdentes, armazenam alimentos (meia tonelada por ano), é como se pensassem no amanhã, como se fizessem planejamentos anti-imprevistos. As formigas são um nadinha em relação ao mundo que vivemos, tanto quanto somos em relação ao universo, mas fazem diferença. Se não fossem elas a consumirem outros seres em decomposição, nós, os donos do pedaço, não conseguiríamos viver num mundo sem assepsia e pereceríamos. Elas consomem mais carne que tigres, leões e lobos juntos. Não daríamos conta do que as formigas fazem.
Mas temos muito em comum. As formigas também mantém animais domésticos. Isso mesmo, os pulgões. São movidas pela química. O que as guia são estradas de cheiros deixadas pelas outras. Possuem sistemas de comunicações secretos, códigos e mensagens clandestinas. Como nós, através dos olhares e da leitura corporal.
Agora, as diferenças são abissais. O tamanho, o raciocínio, a capacidade de afeto, etc... Formigas não amam, não pensam, não tomam decisões. São autômatos especializados, nascidas para a função que desempenham e não evoluem existencialmente... Apenas existem.
Nós temos limitações cabais, em relação à constituição de sociedade e convívio social, se comparar-mo-nos às formigas. Talvez, nem sejamos tão importantes para o mundo tal qual elas o são. Às vezes somos muito mais afeitos à destruição.
O que me ocorre é a possibilidade de pensar a nossa própria melhora a partir do modo de olhar e do lugar de onde se olha. Refletir sobre a nossa existência olhando para baixo, para as formigas. Sua organização, respeito ao outro, solidariedade, capacidade de luta (defesa - nunca ataque) e o uso de potencialidades naturais colada pela argamassa do afeto ( no nosso caso) 
As vezes aprendemos com o que menos imaginamos. Olhar para baixo nem sempre é "baixar a cabeça", às vezes, é encontrar um modo brando de exercício da própria superioridade. As vezes, é viver para além de, simplesmente, existir.

domingo, 6 de julho de 2014

DALTONISMO DA ALMA

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Dizem os pessimistas que do meio da vida para o fim, nesta modalidade de existência, tudo se repete. Que do meio para o fim tudo é meio igual, não tem novidade e a gente sabe como as coisas acabam.
Já visitamos tantos bastidores, já estivemos em tantas coxias que o espetáculo perde a graça, fica tudo cinza. Nada mais é novidade, nada mais nos encanta com o mesmo afã, já estamos vacinados. Nada mais nos impacta. Somos como que paxás, sentamos e vemos a vida passar.
Assistimos aos outros atores da vida, e a distração é apostar em quem achamos que atua melhor, que está mais preparado para ela. Analisamos quem tem  maestria, estilo, perspicácia e que promete a si mesmo um bom futuro...mesmo que ele também seja cinza.
Mas dizem os otimistas que, em tudo vivido tem sempre alguma coisa que a gente não viu. Ou porque estava distraído na ação de viver, ou porque estava atolado na ação de pensar que sabe tudo, que pode tudo e que enxerga tudo. Tem sempre um interstício que passa despercebido.
E a brincadeira na metade cinza da vida deveria ser olhar mais devagar, com mais atenção. Assumir o Slow Motion e pintar esse espaço de outras cores.
O mundo é forte, nos acachapa. A vida é cruel, nos estapeia. Mas nós somos adaptáveis e versáteis. Do que não tem jeito a gente ri, pega o lápis de cor e pinta da cor que a gente quiser... Até de cinza.
É triste sentir que a nossa velocidade diminui, que as cores perdem o brilho, que o alcance do olhar fica mais próximo e que a gente oficializa o horizonte como sonho. E passa o bastão para a próxima geração. Mas ainda não é o fim. E não justifica virar um pintor de "tons de cinza". rsrsrsrs
Tendo vivido a metade e tendo na lembrança o que é/foi e o que significa/significou temos todos os instrumentos da ressignificação. E é tudo o que, talvez, a segunda metade da vida nos ofereça, as cores da ressignificação. Só que desta vez, sem ensaio e erro, com muito mais temperança e assertividade, territórios que a gente não tinha capacidade de enxergar na primeira metade da vida.
Curemos a daltonia da alma, troquemos a lente escura e desfocada e façamos da vida o que fazíamos lá no jardim de infância nas instruções pedagógicas....Para colorir.
 


domingo, 29 de junho de 2014

BASTIDORES DO SER

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Semana passada "bombou" nas redes sociais o vídeo acima, com a chamada " por que essa mulher não é aplaudida?" e cogita que todos estejam assustados demais para tal. Será? Esse é o cerne da nossa reflexão de hoje.
Quando assistimos a algum vídeo ou filme o fazemos de algum lugar dentro de nós mesmos. Para além da mensagem que recebemos, nos a entendemos, degustamos de vários aspectos. O vídeo acima nos fala sobre estratégias do marketing?....Também. O vídeo acima fala sobre como nós funcionamos. Sobre como nós construímos nossas realidades e o mundo no qual vivemos. O vídeo acima nos coloca diante de nós mesmos e nos diz que usamos essas formas táticas de criar significações para nós em todos os aspectos de nossas vidas.
Todos os que tem um mínimo de informação ou acesso a ela, sabem como o marketing funciona e como é cruel. Como cria necessidade em nós que nunca tivemos e que jamais teremos, mas que não conseguimos resistir por conta dos que nos cercam (filhos, esposas, maridos, namorados, etc...) que são usados para nos coagir a comprar, consumir, aparecer, ser igual aos demais e tal. Não é segredo nenhum a crueldade do marketing no nosso modo de produção, o capitalismo.
Também não é segredo, para nós mesmos, o quanto somos hipócritas. Sabemos disso. Usamos, inclusive, a fantasia social, do tamanho do monstro que somos. Então sermos apresentados a nós mesmos de forma tão a descoberto também não é uma surpresa avassaladora. Mas a forma com a qual isso é feito é que paralisa.
Estamos acostumados a hipocrisia. Já não sabemos viver sem ela. Temos, silenciosamente, uma tática para cada faceta da hipocrisia que nos cerca. Constituindo, inclusive, o nosso plantel de estratégias de "seleção não-natural" no mundo competitivo em que vivemos. Quanto mais descobrimos o que o outro não sabe desse mundo de inverdades, mas hábil estamos para nos destacarmos e termos sucesso. Então o que, possivelmente, assusta de fato?...
O que assusta, talvez seja, algumas incógnitas que estão estampadas nas caras dos ouvintes....Quem é essa pessoa? O que ela quer? Por que estão me dizendo isso agora, e dessa forma? Que caminhos trilhou a Kate Cooper para ter acesso e consentimento para me dizer isso? (é, no mundo precisamos de consentimentos) por trás da palestra há toda uma estrutura que sabia o que seria dito. Qual é o objetivo? O que me trouxe aqui? O que foi que eu não vi? 
Estamos acostumados a ver os que dizem "verdades", ou gritarem no meio da rua, como um Inri cristo da vida (figura folclórica que circulava pelo centro do Rio de Janeiro) ou um louco trancafiado num hospício. Sim, os hospícios estão cheios de criaturas que se recusam a ser hipócritas. Depois acabam fisiologicamente debilitados pelo tratamento que recebem e ficam tecnicamente loucos de fato. Mas ouvir "verdades" com um aparato por detrás, e com uma chamada para palestra, não é nada comum.
Quem se habilita a nos dizer quem somos? Quem ousou, deliberadamente, chamar a nossa ignorância intencional à conversa? Mesmo que seja um movimento de ambientalistas/ecologistas/espiritualistas que resolveram fazer um papel político diferenciado, vamos convir que isso tem um significado e tanto.
Será que estamos dispostos, enfim, a derrubar o bastião da hipocrisia? Será que cansamos de ser incoerentes conosco mesmos e fingir para os outros que não sabemos o que somos, o que fazemos e resolvemos nos livrar do peso da mentira construída que vira verdade por osmose? Será?.... Isso seria maravilhoso.
Mas tudo tem uma contrapartida. Será que sabemos viver num mundo em que não precisamos fingir? Será que sabemos nos relacionar com as pessoas sem guardar uma reserva de cuidados e desconfianças?
Que "o será", seja o nosso guia daqui por diante. E que bom! Porque de "eu tenho certeza", "é por aqui" , "é assim mesmo" e " não há dúvidas" estamos todos de saco cheio. Que seja dado o ponta pé inicial para a queda das nossas dicotomias, aquelas que nos fazem ser felizes quando não somos, nos esconde atrás de um sorriso amarelo sem graça, para agradar e viver num  mundo em que se luta por tudo aquilo que vamos deixar para os outros quando daqui partirmos, que seja dada  largada à corrida de  verdades que nos conduzirão, quero crer, a um nível de satisfação e harmonia com a nossa condição humana, sem o verniz da norma e da ordem que nunca existiram. Que enfim, consigamos iniciar um caminho sem volta, de retorno a nós mesmos, sem a panaceia da aceitação alheia como lastro de vida.
Que se iniciem os jogos..... e que todos sejamos vencedores.
 
 
 


domingo, 22 de junho de 2014

CONSENTIMENTOS

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No dicionário, consentimento é o ato de permitir algo, de deixar alguma coisa acontecer, de dizer sim. E reduzimos essa definição ao espaço da palavra.
Na vida consentimentos, provavelmente, se dão muito mais sutilmente do que pensamos. Dizemos sim, com silêncios de medo. Dizemos sim, com atos falhos. Dizemos sim, com o "não é nada disso".
Existem, possivelmente, diversos tipos de consentimentos. Os SIMs declarados, os sonoros, os dos olhares, os dos sorrisos, os embutidos nas atitudes de gentileza, os embutidos nas atitudes de desculpas que damos para nós mesmos e para os outros.
As vezes queremos  pão e pedimos pedra. As vezes desejamos felicidade, e com atitudes/consentimentos pedimos tormenta. Afinar a sintonia, o suficiente, para alcançar a frequência do possível entendimento do funcionamento do mundo, é extremamente difícil.
Qual seria a fisiologia da realização? Onde começa o caminho que nos leva até o que desejamos? Como podemos nos preparar para ele? Quais as possibilidades de transpô-lo com sucesso? Perguntas sutis, profundas e que poucos a elas se dedicam.
Achismos não faltam, teorias de sucesso e guias de autoajuda. Mas, arrisco uma bem simples. Talvez, tudo o que precisamos saber para chegar até onde nós queremos/devemos/precisamos esteja na nossa própria vida. Nos pequenos detalhes que passam despercebidos, nos aprendizados bobos que desenvolveram potencialidades em nós que nem desconfiávamos que existiam.
Talvez, o início do caminho seja o desejo, o que se quer. Depois, as estratégias e táticas para se conseguir o que se quer. E esse conjunto tem que ser coerente, segundo o fluxo e a correnteza da vida.
Mas, e o pulo do gato?...O pulo do gato é diferente para cada gato. Porém, a frequência na sintonia da antena pode ser os consentimentos, aqueles SIMs que a gente diz com a alma.

sábado, 14 de junho de 2014

"TIME"

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Engana-se o ilustríssimo leitor que imagina que falaremos sobre futebol, copa do mundo ou equipes desportistas. O papo de hoje é sobre aquele tempo de resposta a um estímulo, seja ele qual for. A uma pergunta, a uma piada, a uma ação ou a uma sedução (entenda como todas as relações humanas que nos envolve, para além do erotismo).
Palavra advinda da língua inglesa, mantida em sua pronúncia e imiscuída na nossa gíria de cada dia, o Time deixou de ser só nome  de revista, ou designação formal de tempo, na tradução, para ser o representante semântico de um hiato importante, objeto de consumo de gente inteligente e com presença de espírito. Caracterizado por uma lacuna silenciosa que espera a consequência da causa, o Time  é definitivo. Ou você aproveita ou já era.
Nunca comece nada em que você não tenha a disponibilidade de uso do Time. Fica o vazio como produto de algo que não deveria ter começado, e ainda nos dá um certificado de não identificação do contexto.  Nada mais bistunto que rir de uma piada uma hora depois. Nada mais bizarro do que responder a um desaforo dois dias depois. Nada mais fatal que responder a um estímulo de sedução com "delay" (já que estamos afeitos a estrangeirismos). Tudo tem Time.
O não aproveitamento do Time é brochante. Ninguém instituiu normas e regras para o Time, elas simplesmente existem, são sentidas. Da mesma maneira que um Time bem aproveitado é excitante, entusiasta, dá vivacidade à circunstância.
O uso do Time é quase uma relação erótica com o tempo das coisas. Acerte seu relógio!!!!!

terça-feira, 10 de junho de 2014

O QUE NOS TOCA

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Como explicar que algumas coisas nos toquem e nos atinjam mais que outras.
Como desenhar, para nós mesmos, o porquê de algumas ações, circunstâncias, obras de arte, cenas de filmes e tantas outras diversidades de acontecimentos, nos arrebate e nos transporte para outro lugar, e outras sequer percebamos.
Talvez seja, porque o que nos toca parece conosco, e mesmo que não tenhamos consciência, nos denuncia para nós mesmos e, quiçá, para os outros. Talvez seja, porque, mesmo que não tenhamos vivido, presenciado ou possuído o que nos é apresentado, acreditamos que exista.
O toque na alma tem seus mistérios. As vezes, até o que não gostamos nos toca quando se distancia o suficiente para fazer falta ou diferença.
Nos toca tudo o que é humano, falho e nos traz para nós. Nos possibilita identificar-mo-nos, nos faz lembrar de um presente antigo (tempo), que liga os nossos sensores do sentir, que exercita emoções que não são corriqueiras. Mas, que lubrifica essa maquina de sensações que é a alma, fazendo-a passear por dentro de si mesma e experimentar-se.
O que nos toca é o que processa em  nós o nosso ser, o que nos tira dessa cegueira de nós mesmos e nos põe diante do que "estamos" e nos conclama a fabular que poderíamos "estar" outra coisa.
O que nos toca é o que nos desnuda, apresentando a nós o nosso querer oculto. É o que nos põe um espelho na cara e diz: É você!!!!!
O que nos toca é tudo o que nos sintoniza na frequência do nosso existir, na frequência da energia que emanamos e que nos reinventa.
O que nos toca?...tudo o que nos faz sentir em casa em nós mesmos.

domingo, 1 de junho de 2014

OUTRA DIMENSÃO

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Pelas leituras da literatura espiritualista, é possível imaginar uma alma sem corpo chorando ou uma alma sem corpo sorrindo, mas jamais, uma alma sem corpo gozando. O corpo em relação à suposta alma, é inferior, finito, casca e vestimenta. Sem ela, a alma, o corpo não chora, não sorri e não goza. É um zé ninguém.
Isso me faz lembrar de uma música da década de noventa, do Sagrado Coração da Terra, que dizia: "estrelas são as lágrimas do anjos a chorar, por não terem um corpo, a vida e não saberem o que é amar" numa alusão clara ao privilégio dos pobres mortais de exercitarem a experiência da sensação máxima advinda da junção alma/corpo.
Ora, porque será que o gozo é tão perseguido? Tão procurado? Tão desejado?...A vida, o corpo, a alma, tudo se volta para os oficiais oito segundos mais gloriosos da existência humana. ( existem os oficiosos: os múltiplos, os sucessivos etc....rsrsrsrsr). Quem sabe por não ser o único momento em que a alma usa/experimenta o corpo e o corpo experimenta a alma? É o momento de junção do divino em nós, é o momento do exercício de uma plenitude de deus.
A maior aventura da vida de um ser encarnado é o corpo do outro. O que faz com que percamos a concentração com a proximidade do outro?  Que força desestabiliza a respiração somente com a contemplação? Que energia é essa que nos faz cair e mergulhar num mundo de sensações que se exponenciam a cada segundo? Que poder é esse que nos põe insanes e nos faz retornar a era mesozóica? Que mistério espetacular é esse que nos envolve a ponto de nos tirar de onde estamos e nos levar a uma outra dimensão, literalmente, sem sair do lugar?
....o corpo do outro. A sensação de embevecimento pela permissão da proximidade, do toque, da contemplação da reação a cada movimento, a cada olhar, a cada investida. O cheiro, o calor, respiração....e o nirvana. Porque é nisso, que todo o mundo, com suas teias complexas, se transforma.
Tenho uma teoria....São deuses que se encontram para exercer o beneplácito encarnatório e ensaiam um balé de sintonia, em busca de uma única frequência. O gozo é uma comemoração dos deuses que celebram terem conseguido encarnar e lembram de sua condição de deuses através da interseção entre dois mundos.
Não há aventura maior que o corpo do outro. A exploração de todas as potencialidades das sensações. É por isso "que não é bom que o homem viva só" ...porque o gozo é prejudicado. E o criador de todas as coisas é safado! Que bom!.... Tô começando a gostar desse cara!
 
 


domingo, 25 de maio de 2014

INTRIGAR-SE, ESPANTAR-SE E MARAVILHAR-SE

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Existe uma santíssima trindade que faz parte do processo de viver. E existe um viver que se mistura com o processo de aprender, e que  é de ação aumentativa. Aumenta a sabedoria, o amor pela vida, a capacidade de pensar. E pensar é voar sobre o que não se sabe, é perscrutar o vazio e o desconhecido do não-saber a ser explorado pelas asas da curiosidade. E, talvez, esse seja o sentido dessa coisa sem sentido que é a vida.
Dizia Antônio Machado, "o caminho se faz caminhando". E, possivelmente, o mais importante não seja chegar, mas sim o que se aprende enquanto se caminha. O aprender é aprender o mundo. E o mundo é divertido, é um caldo de novidades sempre. E quem aprende ensina a aprender. O aprender e o ensinar deviam se juntar eternamente e formar um verbo só aprenderensinaraprender.
E o processo do aprender implica em intrigar-se. E isso deixa livre a curiosidade. Se intrigar com alguma coisa é confessar, sem precisar abrir a boca, que não se sabe daquilo que nos intriga. É permitir-se, é chafurdar no mundo, na vida, nos seus enlaçamentos, seus nós, suas ramificações, imbricações e interseções que são infinitas e que, jamais, em uma vida esgotaríamos essa diversidade e multiplicidade de possibilidades. Então, o intrigar-se, o franzir a testa, o ir pé-ante-pé em direção àquilo que salta aos olhos, é para sempre.
O espantar-se é descobrir que alguma coisa já sabíamos, sem saber que sabíamos, e/ou descobrir que, o que nunca havíamos pensado existir, está diante de nós. E que por causa disso, nos tornamos maiores, crescemos um pouco na escala do desenvolvimento de nós mesmos. Ser de espanto é ser aberto a proporcionar a nós mesmos a oportunidade daquela sensação de criança estupefata diante das coisas para o resto da vida. Ser de espanto é ser aliado da vida.
E o maravilhar-se?!.....Ah! O maravilhar-se é descobrir para que serve. Como podemos usar o que nos intrigou e nos espantou e começar a entender o mundo, torna-lo menor, mais compreensível, pelo discernimento do aprendido. Isso, provavelmente, se traduza como o uso da inteligência, o uso das potencialidades que são nossas intrinsecamente. A inteligência é intrínseca a nós como o voo o é para o pássaro, não precisa ser ensinado, apenas encorajado. O uso da inteligência, do pensar, do fazer conexões, do aprender a fazer perguntas, do uso da imaginação, da ação da tentativa, passa pela capacidade de intrigar-se, espantar-se e maravilhar-se.
Acordar pela manhã é uma infinita possibilidade dessa santíssima trindade atribuir sentidos vários às nossas vidas. Talvez, o nosso problema seja querer um sentido apenas, e mais do que isso, que ele seja o mesmo para todo mundo, e que existam respostas certas e certezas. Aí não dá! É deixar de ser águia para ser tartaruga.
 
"Como é diferente o corpo movido pelos sonhos, do corpo movido pelas certezas"
(Rubens Alves)


domingo, 11 de maio de 2014

SEGUIDORES DO TALVEZ

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Talvez é uma palavrinha mágica que abre caminho para tudo e não responsabiliza ninguém.
talvez  é uma janelinha aberta para "n" possibilidades que podem ser cogitadas sem serem contadas.
O Talvez nos oferece outros e variados caminhos, e nos dá de presente o maior dos patrimônios da sabedoria ....A dúvida. Essa é uma outra janela espetacular para o crescimento e expansão.
Na minha imaginação, o talvez e a dúvida são janelas porque são furtivos e fugidios. São escapes marginais, tangenciais e oficiosos. Diferentes das portas que simbolizam as certezas e o oficial.
Gosto do talvez, ele é sempre sinalizador de saídas inteligentes, espetaculares ou pequenas escotilhas para considerações que não podem nem devem ser ignoradas.
O talvez fomenta vida, movimento e nos livra do engessamento e da fossilização das ideias. O Talvez é um remédio divino que lubrifica as articulações do modo de ver, e nos possibilita uma perspectiva de trezentos e sessenta graus. O Talvez nos joga num espaço infinito de "tudo". Não existe limite de cogitações quando o santo talvez está presente.
Sou seguidora do Talvez, do provavelmente, do possivelmente...são meus ídolos e protetores. Me dão possibilidades de aventar os caminhos que eu quiser ou por onde meus pensamentos e fabulações puderem alcançar. Me eximem de compromissos, de confrontos e me livram do é/são e me põem de cara com o está/estão. Viabilizam mudanças, deixam uma brecha para o desejo, para o extraordinário, para a metafísica, para a criatividade e para a evolução, seja lá do que for.
Se vou mudar?... talvez.
Se estou certa? ...provavelmente.
Se estou errada?...possivelmente.
E não é isso aí.....está isso aí!

sábado, 3 de maio de 2014

PENSAMENTO: UM RASTRO DE EXISTÊNCIA

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Há duas semanas cumpriu sua missão e voltou para casa Gabriel Garcia Marquez. Um colombiano que viveu oitenta e sete anos entre nós. Um devoto da palavra. Um dos tantos e, nem por isso menor, escritores latinos que nos agraciou, quiçá, nos honrou com suas ideias, devaneios e histórias de mundos imaginados. Umas com o pé na realidade e outras com eles completamente suspensos, mas que encontrava dentro de nós um lugar comum, uma identificação de sonho, de desejo e de imaginário de nós mesmos.
Editor, jornalista, escritor, poeta, contista, prêmio Nobel de literatura (1982), cineasta por um tempo (não necessariamente nesta ordem), mas acima de tudo gente, muito gente, orgulhosamente gente como todos os mortais do planeta. Sua paixão era o cotidiano do povo, o povo, os movimentos do povo, através da política e do seu grande laço com a vida, a escrita.
Instigou-nos com seu veneno abençoado, nos levou às árias do fantástico/poético/político. Gabriel fez literatura como poucos. Em Cem Anos de Solidão nos brindou com a cidade imaginária de Macondo, um nome tirado de uma plantação de bananas avistada em uma viagem com a avó, na infância, e a saga dos Buendía com uma jornada que misturava o extraordinário com o ordinário e transformava discrepâncias em lugar comum. Em Amor nos Tempos de Cólera conta, nada mais nada menos, que a história de amor dos próprios pais e nos apresenta uma forma espetacular de reinventar a vida cotidiana, uma perspectiva diferente de ver. Em Memórias de Minhas Putas Tristes ousa falar do amor aos noventa anos, só para citar algumas das vidas extraordinárias que habitavam a mente e alma de Gabriel.
Mas seu grande feito foi tê-las dividido conosco, se libertar desses mundos imaginados/inventados/criados a partir do vivido e apostar que alguém leria, que em alguém teria ressonância. Pertencia ao grupo seleto dos que driblam a barreira da ignorância, dos que socializam o saber, dos que fomentam no outro o desenvolvimento de suas potencialidades, dos que provocam a reflexão e que tocam na alma alheia à distância.
Quando se foi todos sentimos, todos lamentamos, mas pensando bem ( e gosto de crer assim, me conforta) Gabo foi ao encontro da total liberdade, despojado da vestimenta que é mais esponja de interferências do que veículo de exercício de potencialidades....se foi Gabriel...pra Macondo... depois de ter nos embebedado com seu mais puro néctar da existência: o pensamento.
Morrer?!! Quem se desdobra, se expõe, ousa e deixa seu rastro, não morre. EL GABO está mais vivo que nunca e pode ser revisitado através de sua extensa e magnífica obra que se impõe como um registro de existência e de missão muito bem cumprida e que continuará inoculando esse vírus altamente contagioso nas futuras gerações.
Para qualquer ser humano que tem como prazer da existência e do viver o pensar, Gabriel se libertou de uma roupa que não servia mais. Mais do que dizer vá em paz urge dizer MUITO OBRIGADA!


 Saiba mais sobre o processo de escrita de Gabriel Garcia Marquez. (Aqui!)

Principais obras:
A revoada(1955); Ninguém escreve ao coronel(1961);  A má hora: o veneno da nadrugada (1962): Os funerais da mamãe grande (1962); Cem  anos de solidão (1967); Um senhor muito velho com umas asa enormes (1968); Relato de um náufrago (1970); A incrível e triste história de Cândida Erendira e sua avó desalmada (1972);  Olhos de cão azul (1972); O outono do patriarca ( 1975); Crônica de uma morte anunciada (1981); O verão feliz da senhora Forbes (1981); O amor nos tempos do cólera (1985); O general e seu labirinto (1989); Doze contos peregrinos (1992); Do amor e outros demônios (1994); Como contar um conto (1995); notícias de um sequestro (1996); Memória de minhas putas tristes (2004).


domingo, 20 de abril de 2014

AUTOR E PERSONAGEM - A INVENÇÃO DE NÓS MESMOS

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Inventar pessoas é uma das atividades, quando da ociosidade, mais divertidas e profícuas que pessoas inteligentes,  ávidas por coisas novas e exercício de criatividade,  podem experimentar.
Olhar um outro, estranho, que talvez você nunca mais vá ver de novo e criar uma historia, é bárbaro.
Pelo brilho do olhar, devanear sobre a tristeza, a alegria, as dores, os amores e as superações.
Pelas ações, movimentos do corpo, se leves, pesados ou bruscos, criar um tratamento recebido, uma jornada inusitada, ou mesmo comum, mas com bastante ventura. Se é para inventar vamos inventar direito.
Pela maneira de falar, imaginar os lugares onde esteve, os livros que leu, os tipos de estilos de pessoas com quem conversou, conviveu e que ajudaram a montar a colcha de retalhos que somos todos nós.
Pela forma de tocar, o aperto de mão, o abraço, o beijo, viajar pelas possibilidades mais recônditas na vida de um indivíduo, as mais escondidas, possíveis e impossíveis.
Pelos assuntos que escolhe, o que, provavelmente, o constituiu , o que possivelmente espera de si, da vida, de nós....insanes observadores....como administraria imprevistos e sustos do destino e etc...etc...
Quer saber? Quem inventamos a partir de tudo isso somos nós mesmos. Nos espelhamos no outro, nos projetamos, no que fomos, no que somos e no que queremos ser.
Para além de tantos outros aspectos concernentes ao outro e a nós, com essa experiência, talvez descubramos, que só existimos e nos damos conta disso, através do outro. Porque como o vemos, o somos. E o que ele vê em nós ou de nós, também é através de suas significações e isso também nos faz existir de outra forma que não a que, de fato, somos ou achamos que somos.
Como dizia Bakhtin, em relação autor e personagem, no mínimo somos três: o que nós achamos que somos; o que o outro acha que somos e; o que achamos que o outro acha que somos...Êta vida doida!!!!!!!!

domingo, 6 de abril de 2014

AMOROSO CANGAÇO

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A semana passada na mídia impressa, televisada, eletrônica e nas redes sociais a celeuma era sobre estupro. Uma pesquisa do IPEA ( Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre a tolerância social à violência contra as mulheres divulgou resultados alarmantes, que causaram um reboliço geral e em seguida voltou atrás alegando erro nas pesquisa (essa manipulação merece um outro texto) Saiba mais. A pachorra já estava feita e o assunto foi exaurido até a sua última gota e desembocou numa convocação para uma manifestação contra o estupro em Copacabana numa rede social. (hoje)
O que a gente  precisa colocar na conta é que existem outras modalidades de violência contra a mulher que não saem no jornal. É aquela de dentro de casa, silenciosa, que ninguém vê e sobre a qual não cabe protesto nem passeata e, muitas vezes, consegue ser pior do que qualquer outra. Existem mulheres que têm verdadeiros algozes em suas vidas.
Algoz é um carrasco disfarçado de parceiro. Uma alma que se fez gêmea, que ganhou confiança e que enxerga a gente por dentro, para manipular melhor. Tem olhos grandes para enxergar melhor, tem mãos grandes para fechar melhor as portas, tem pés grandes para nos fazer tropeçar melhor, e tem cérebro....um que funcione para o mal.
Algoz é quele "quem" que a gente confia, que a gente gosta, que nos mantém reféns e faz cara de manha. Algoz é aquele "ninguém" que se faz respeitável para os outros para nos desacreditar. Algoz é aquele nos leva para a festa e nos põe embaixo da mesa.
Algoz é aquele doente que a gente ainda não entendeu que não pode curar. Algoz é aquela "alguma coisa" que a gente faz questão de fingir que é alguém. Algoz é o cara que tem a chave da sela porque a gente deu. Algoz é o cara que reina absoluto conosco por platéia.
Quer se libertar de um algoz? Saia pela porta da frente, não olhe para trás e deixe o espetáculo para os fantasmas. Sem ódio, sem rancor, sem raiva, sem vingança...isso dá câncer.
A maior vingança é viver a própria vida e ser feliz e não tem protesto mais eficaz, se todas nós o fizermos  a gente muda tudo.

domingo, 30 de março de 2014

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR....

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Essa semana foi publicada uma nota na Revista Contra-Relógio, uma revista desportista, sobre a morte de dois  meio-maratonistas amadores  (Aqui!). Notícias como essa são cada vez mais frequentes em corridas de média/longa distância, eram "comuns" em corridas de longa/longuíssima distâncias como de  42Km pra cima. Fatalidades acontecem, quando chega a hora, não adianta, pode estar em casa, na padaria, no shopping, onde for, o que tem que ser é  e pronto. Mas essa  incidência  frequente de mortes e atendimentos médicos sérios a partir das corridas de 10Km nos leva a uma reflexão pertinente.
Sempre houve quem fizesse seu "cooper" pela manhã ou à noite e ficasse feliz com isso, mesmo sendo um em um milhão. De repente temos a notícia de que atividade física faz bem à saúde e as marcas desportistas resolveram investir pesado nisso. Surge, então, o "boom" de corridas. Há dez anos atrás, caminhadas e corridas de 5Km foram o chavão para uma nova era na chamada "geração saúde", ate aí, tudo bem!
A questão é que coisa foi tomando uma proporção sem controle, e hoje, um indivíduo sem a menor noção do que seja correr calça um tênis e faz  uma inscrição para 21Km. Estar em atividade intensa por mais de duas horas (é esse o pace  de um amador para uma meia maratona) com o dobro do próprio peso sobre as articulações e a coluna vertebral ( é essa a lei da física) sobrecarregando o músculo cardíaco sem preparo específico e nenhuma seleção mais rigorosa, como é feito nas maratonas (42Km),  não é para qualquer um. Exige preparo adequado, planilha de treino, disciplina, cardiologista, nutricionista, fisiologista e tempo para administrar tudo isso. Não é uma atividade que se faça quando puder, se puder ou se der. Isso exige trabalho, dedicação e consciência.
Ambulâncias são necessárias, proporcional ao contingente da corrida, de acordo com a legislação vigente, e as corridas de boa estrutura - e só essas são recomendáveis - sempre mantiveram-se  além do que é exigido. Há cinco anos atrás as corridas de 10Km tinham atendimentos bobos, tombos, torções e afins, o  contingente era bem menor. Hoje, depois dos cinquenta minutos de corrida é um vai-e-vem de ambulâncias e sirenes, para atendimentos sérios, que o corredor preparado, que está curtindo sua corridinha, ouvindo sua playlist e nos braços de Apollo, tem que prestar atenção para não ser atropelado. Já testemunhei (conversei/acompanhei) um corredor que estava participando de uma corrida de 10Milhas (16.090 Km) pensando que eram 10Km e terminou a corrida vomitando. Quem não sabe discernir essas distâncias, obviamente, não treinou nem para uma nem para outra.
Mas, Correr hoje é fashion. Ser atleta, e corredor frequente de média e longa distância, não é um modismo, um título, é um estilo de vida. Atinge tudo. Correr não é para quem quer é para quem pode (certifique-se) . A diferença é fisiológica. Esse "boom" irresponsável de corridas sob a alegação da saúde, com objetivos claros de lucro(nenhuma corrida sai a menos de cem reais) deveria ser no mínimo ético e dizer que corrida envelhece (Confira!) e, por conseguinte, diminui sensivelmente o tempo de vida do indivíduo, que vai morrer com saúde  e saudavelmente, é claro. Tudo tem sua contrapartida, a corrida é uma atividade maravilhosa para a saúde mas, é esse o seu lado negativo. Essa coisas ninguém diz.
Corrida de longa distância,  é pra louco que tem tesão por cada etapa, do preparo físico, do condicionamento, da disciplina e do sofrimento (porque a partir de 21Km é sofrimento) e se avalia, se analisa, se desafia e presta atenção no que o corpo dá como resposta a tudo isso. Correr longa distância é uma odisseia interna, pessoal, intransferível e inalienável. Só serve para quem tira prazer disso e sabe o que está fazendo. Imaginemos uma chamada ética para corridas, assim:

Venha correr conosco!
Fazer uma atividade física, fabricar radicais livres!
Ficar em forma e mais velho.
Você vai ter um fôlego de criança por muito menos tempo do que você imagina.
Gaste-se conosco!
Participe!

Porque é por aí. E se assim fosse, não iria ninguém, só a galera de sempre, os loucos de plantão que fazem isso a tempos e com o aparato e responsabilidades devidas.
Posturas de alerta, como esse texto não são bem-vindos, mas são necessárias. Esse tipo de conscientização deveria contribuir para que as pessoas medissem suas ações e consequências. Correr sem preparo, além de atrapalhar quem se preparou, MATA ou deixa sequelas.
Quer correr? Corra 5Km dá pra fazer andando, conversando com os amigos e depois exibir aquela camisa bacana no churrasco  regado a cervejinha e uma medalha para tirar onda com os familiares e postar nas redes sociais. Lembre-se, mais vale um corredor de academia (5K)vivo do que um meio maratonista morto.
E reitero que as mortes ocorridas, tanto na semana passada, e em outras tantas, noticiadas ou não, são apenas catalisadores para nos fazer refletir sobre a questão desse massa enorme de atletas que surgem da noite para o dia.
Em tempo: Meus sentimentos para com as famílias do atletas.