domingo, 10 de dezembro de 2017

A PROFESSORA E A GELATINA

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Em alguns momentos da vida as lembranças do passado parecem bater forte e insistirem em trazer episódios inusitados. Seja para mostrar o quanto mudamos, seja para mostrar o quanto fomos leais a nós mesmos e aos nossos valores.
Certa feita, quando ainda lecionava para crianças - lá pelos idos de mil novecentos e bolinha, há  quase três décadas - estávamos às voltas com a famigerada festa do dia das crianças. Uma escola pública, numa área carente e conflituosa na periferia, da periferia da cidade do Rio de Janeiro. Numa época em que ainda não havíamos usufruído dos anos da política de inclusão social - hoje retornando como um Sith a amaldiçoar a galáxia - com tantas preocupações cabais, como: incentivo à criticidade naquela criançada sofrida; fomentos a questionamentos sobre diferenças sociais, culturais,  étnicas, e 'desdivinização' dessas diferenças; numa saga de mostrar que existiam outras realidades e que 'realidade' é uma coisa que a gente cria e que existiam tantas questões pelas quais lutar, estávamos preocupadas com a tal festa, e de através dela minimizar o sofrimento de quem tinha nada, de quem talvez nunca tivesse tido numa. Estávamos preocupadas em apresentar àquelas crianças mais uma dor inútil pela qual se frustrar. Apresentando um dia de alegria, segundo nossos conceitos e nossa realidade, através de guloseimas. Aquelas que as crianças não conheciam. Nada contra a festa e seu ritual quando ele não vem com uma forçação de barra. Não havia recursos na escola, todas as professoras moravam longe e teriamos que nos virar e tirarmos de nossos bolsos recursos para tal empreitada, e ainda,  complicar nossos percursos para chegarmos à escola com toda uma parafernália. Se esta viesse embutida numa embalagem de questionamentos, confesso que não teria me caído tão mal. Mas veio fantasiada de anestésico. Tive convulsões espirituais.
Dentre todas as guloseimas que apresentamos naquele dia àquelas crianças, a personificação de tudo o que sentia foi a gelatina. Não pela sua 'semgracisse', pois tem lá suas propriedades, é servida em dietas e tal. Mas, pelo discurso que veio com ela: "eles já passam por tantas coisas, já têm carência de tudo, um dia em que possam experimentar algo diferente, que NÓS possamos proporcionar, seria muito bom". E fiquei imaginando o patamar ao qual foi içada aquela guloseima, aguada, de dieta, que consta em cardápio de hospital. Não resisti e politizei a gelatina.
A cotização entre as professoras - éramos todas mulheres - para a realização da festa me indignava. Com tantos desvios de dinheiro público no nosso país (essa história não é de agora, vem desde 1500, nascemos com recursos sendo desviados - essa é a nossa História de país - ) não havia possibilidade da escola oferecer a tal 'celebração'. Éramos as sacerdotizas que não tinham uma profissão e sim uma missão de alento social e tínhamos que fazê-lo ( essa era uma forma de manipulação para conosco, afinal se não cedêssemos, as crianças eram colocadas contra nós, uma política feia, suja e pobre). 
Me deparei com essa discussão tosca num lugar onde havia tantas coisas importantes a serem feitas, fomentadas, trabalhadas, e num terreno fértil - crianças e necessidades básicas -  inclusive questionando a coação comercial de um capitalismo excludente. Quando percebi que não tínhamos moral para isso, que em nossas casas também cedíamos sem questionar, até porque, de alguma forma podíamos proporcionar com naturalidade o que ali era uma situação inusitada. Deixávamos esses tentáculos nos envolver e nos aprisionar sem questionamentos - nem pessoal, nem profissional - e obviamente, deixávamos tantos outros: a manipulação de políticas públicas que não investiam naquele segmento porque ele era menos importante; deixávamos que tratassem as crianças como cidadãos de segunda categoria; deixávamos que nos tratassem, não como profissionais de educação, mas como babás. E isso acontecia/acontece até entre colegas com seus níveis de atuação diferentes, mesmo que a formação do professor de crianças seja a mesma, ou até melhor. Quando púnhamos as mãos em nossos bolsos para amenizar uma dor de uma realidade social triste e fabricada (pois isso é produto de um modo de produção que precisa de um exército de desvalidos que sejam só braços) dizíamos amém a tudo isso, sem sequer nos darmos conta,  e mais,  servíamos como mão de obra a esse projeto. 
Se aquela festa viesse acompanhada de um discurso de questionamento, ensaiada em aulas anteriores e orquestradas pelas professoras (isso é possível) seria uma outra coisa. Mas, vinha companhada de anestesia. Então, para mim era doloroso. Como não se ganha uma briga no grito; como já sabemos - por experiência - que as engrenagens nos engolem e nos forçam a seguir o caminho traçado por um grupo, por uma política de alijamento, por um projeto de nação, ao qual nenhum de nós foi consultado (questionemos essa 'democracia'); como seguimos  por um caminho que nos enforma e nos encaixa, fiz a festa. Mas, uma vez por ano, com planejamento desde o início do ano letivo eu levava os meus alunos ao planetário da Gávea, como complemento das aulas das estações do ano - uma aula de rotação e translação na cúpula do planetário - essa era a minha desculpa, para tirá-los de uma bairro pobre da baixada fluminense e mostrar-lhes os prédios bonitos em que pessoas moravam e que tudo era possível. Que existiam/existem outras realidades e outras possibilidades, que quando a gente tem sonho a gente planeja, deseja, foca, busca. Mostrar-lhes todas (quase todas) as possibilidades que ali habitam, que existia um mundo imenso muito maior e mais bonito do que eles conheciam, era meu objetivo específico, dentro do objetivo geral, que constava no plano de curso, que virava plano de aula e ....vida real. Na ida íamos por dentro das ruas internas da Zona Sul do Rio de Janeiro, na volta vínhamos pela praia, acidente geográfico natural que os pequenos jamais haviam visto. Às favas, a rotação e a translação. 
Minha gelatina é essa, o fomento do desejo, do brilho no olho por alguma coisa. Envenenei docemente os meus alunos com fome de vida e de espaço de vida, com curiosidades para saber o que têm por trás da cortina do palco, insuflei a curiosidade pelos bastidores. Usei histórias infantis, notícias de jornal e afins, só fui vencida pela gelatina.
O que quero dizer com isso? Que escola sem partido alguma, que engrenagem nenhuma - quando se tem um professor politizado - é capaz de deter o poder que a educação tem na formação de um indivíduo, e por conseguinte, de uma sociedade. Sabemos, de acordo com um ditado popular que, 'andorinha só não faz verão', mas não precisa, o verão existe, independente da andorinha,é só saber usa-lo. O cerne da questão é a politização do professor, e essa não é dada pela universidade somente e seus níveis de formação, é responsabilidade do cidadão também, ao longo de sua vida, principalmente, quando ele decide que vai atuar na formação de uma nação. É isso que é educação. O que nos falta? Possivelmente, articulação sem o câncer dos interesses particulares. Mobilização de fato em nome de um objetivo maior, e no caso do Brasil, a cultura do amor a seu país como uma extensão de sua casa e a noção do poder que tem.
Abaixo a gelatina anestésica!


domingo, 12 de novembro de 2017

CASULO

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Todos sabemos, ou deveríamos saber, o que é um casulo. Aquele lugar escuro, apertado, de isolamento, de hibernação e de transformação. Quantas ilações podem ser feitas através da metáfora da transformação da lagarta em borboleta. Das filosóficas às espirituais. Porém, quase todos nós, senão todos, só nos detemos nos resultados. Todos, basicamente,  observam somente o final, o que é bonito, o que já está pronto. E, assim, não comparamos a beleza e a majestosidades da borboleta ao seu primeiro estado, o malemolente, asqueroso estágio de lagarta. Mas, quase nunca, ou nunca mesmo, pensamos no processo. Na dor, no escuro, no medo, na necessidade de solidão, na proibição de ajuda, isso quando não se fala na real impossibilidade de ajuda, em um processo que é individual e intransferível pelo qual passa o ser disforme e asqueroso, que nem sabe o que vai se tornar. Não sabe se conseguirá chegar ao final do processo, se o entorno e as intempéries vão deixar essa jornada terminar. Sim porque neste caso a casulo está entregue ao ambiente e a seus imprevistos, e está completamente indefeso.  A empreitada  é solidão pura, o espaço é apertado só dá para arfar e 'desarfar', porque respirar é preciso. O medo é imensurável (que é isso? o que está acontecendo? O que que faço? Para quê isso? No que vai dar?) a transformação é um vale o qual se atravessa sozinho, torcendo para alguém não nos esmagar, não vir uma vassoura e nos retirar do lugar, não sermos pisado ou, pior, na melhor das boas intenções, não vir alguém nos ajudar, por solidariedade ou por pena  e abrir o casulo antes da hora e nos tornar aleijados... uma borboleta fosca e que não voa. A força empreendida para abrir o casulo é necessária para o fortalecimento dos músculos das asas. Ou seja lá como são chamados.  Logo, tudo tem sua hora certa.


Cada dor é necessária, cada pressão tem sua função, cada medo constrói um aprendizado, cada minuto nos aproxima mais de nós mesmos. Nos faz prestar atenção nos resultados do processo, as asas que surgem, sem nem sabermos que são asas. Cada coceira insuportável é um cor fulgurante que se imprime no novo corpo. Mas que não sabemos o que será, e sequer sabemos o que é cor.
O processo de mudança em nossas vidas, que nos oprime, que nos machuca, nos acua, nos transforma temporariamente em impotentes e à mercê do desconhecido é um turbilhão assustador mais do que necessário para nos tornarmos quem devemos ser, quem vamos ser. um 'nós' melhorado. Todo processo de mudança é um tsunami, um terremoto avassalador em toda a nossa estrutura. Mas como somos cognitivos, seres superiores, designados em alguns escritos ditos sagrados como 'coroa da criação' (no que tenho lá as minhas dúvidas) não nos comparamos à lagarta. Mas esquecemos que não temos como nos compararmos à borboleta se não estivermos nos remetendo à sua 'lagartice'. Quando falamos do processo de mudança em nossas existências chamamos elegantemente de hiato. Porque preferimos esconder ou esquecer a dor do processo e dar uma ideia de suspensão dos contatos e do social. Isso sim é uma lagartice só. Só percebemos o quanto alguma coisa foi útil para nós quando prestamos atenção no que passamos, na dor que suportamos e assim percebemos o quanto crescemos, temos a, possível, real dimensão de quem éramos e de quem nos tornamos. Quem suprime isso, não aprendeu nada. E aprender é, provavelmente, o principal objetivo de nossa existência. Só curte o estado de borboleta quem se lembra do de lagarta e prestou atenção ao processo.
Tudo isso é só licença poética para o ditado popular que diz que devemos fazer dos limões uma limonada. Eu, particularmente, prefiro uma caipirinha. Os mais eruditos chamam tudo isso de  resiliência. Mas depois de tanta caipirinha só que sei fazer é olhar para mim mesma e dizer....muito prazer em conhecê-la!



domingo, 11 de junho de 2017

IGNORÂNCIA

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Tudo é relativo e multifacetado, a ignorância também. Há aquela de que somos todos reféns e ela é boa, é aquela que nos diz que  não  sabemos de tudo e que temos sempre algo a aprender. Mas o texto de hoje se refere a outra, a nociva, àquela de que é vitima quem acha que sabe de tudo, que já viu tudo, que entende de tudo.
Aquela que é aquele escudo confortável dos que desistiram de crescer.  Aquela proteção burra que nos engana achando que somos melhores que o outro, dando um gostinho falso de deus. Aquela película transparente que tolos usam para se fingir de sábios subestimando a inteligência e a leitura de mundo alheia. Ignorância nem sempre é sabida por quem a porta, mas tem efeitos colaterais. 
Uma das coisas que me espanta são as lideranças ignorantes, aquelas autoritárias, fechadas, que sabendo-se limitados limitam os outros de crescerem e, possivelmente, saberem mais ou serem mais competentes que seus líderes. Vemos isso em religiões, partidos, clubes, grupos de escolas, de faculdades e em todos os lugares onde o ser humano habita. 
Mas a mais dolorosa é aquela que é usada como filtro para mensurar o outro. A vida e o mundo vistos pelo buraco de uma fechadura em que todos têm que caber nela. E se não couberem, força-se a barra até caberem. Esses filtros parcos são responsáveis pelos grandes equívocos de leitura do outro, de 'interpretação de texto', contexto , de ações e atitudes.
A padronização de leitura de mundo a partir de uma vertente rasa, a interpretação obtusa de algo tão complexo, cheio de camadas e multidimensional em produto planificado e em  2D é o cúmulo do absurdo. É a negação da possibilidade de evolução do outro. A ignorância associada a autoridade é um dos males do mundo. Mas existe pior: o amor a ela.
E hoje vivemos momentos, no mundo inteiro, em que isso é uma verdade quase palpável. Parece que se abriu o porão dos zumbis da ignorância nociva e eles estão invadindo as ruas, as instituições, a política, as religiões, as escolas, as nossas vidas. Não se sentir à  vontade na sociedade, hoje, é estar saudável.


segunda-feira, 5 de junho de 2017

O MAL DO MUNDO

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Há que se considerar prepotente aquele que se aventura a pôr o dedo na ferida do mundo, quase como se tivesse acima dele e com condições de emitir juízo de valor.  Mas alguém tem que fazê-lo. Não se muda nada se não se pensa a respeito, e dar a cara a tapa também faz parte da vida e de estar no mundo.
O problema do mundo é a falta de amor. Pode parecer conversa de bêbado, de iletrado, de gente miúda no enxergar o mundo. Mas o problema dele é esse: a falta daquele que não custa um centavo na atitude cotidiana, que não dispende tempo, e se o faz, é altamente compensador à alma. Que não nos arranca nenhum pedaço e ainda nos deixa leve. A falta desse sentimento em relação ao outro é sempre, em maior tom, na seara da fraternidade. Normalmente é a essa  que se refere qualquer um que fala sobre o amor na humanidade.
O exercício do amor nos traz felicidade. Parece que as pessoas não gostam de felicidade, não sabem o que fazer com ela. E usam a premissa de que ela não existe para não receber alguma coisa que existe para não proporcionar ao outro aquilo com o qual não sabe receber, A felicidade  é rara, para poucos, é momentânea e nos deixa com água na boca depois - a famosa decepção- por não durar eternamente.  Imaginemos uma felicidade eterna!!! que chatura. Perderia mais da metade de seu valor. 
Quando se chega perto da felicidade dá medo. Medo de não saber usufrui-la, medo de não saber administra-la, medo de que se vá e que depois não saibamos lidar com isso. Aí a gente prefere não ser feliz. Escolhemos o limbo e as aparências, Escolhemos diminuir o outro por prazer, escolhemos subestimar, escolhemos ignorar, e o fazemos até com um certo prazer mórbido. Depois reclamamos das somatizações.
Tem algum ser no universo mais paradoxal e sem lastro do que o ser humano? Dá para entender tamanha ciranda? Escolhemos nem uma coisa nem outra. Receita para a felicidade ninguém tem, não existe, somos diferentes. Mas estaríamos a um passo dela se exercitássemos o amor.
Palavrinha pequena,  pronúncia simples, extensão infinita e abrangência universal. O dia que ousarmos exercita-la o mundo muda. Parece chavão, não?! Mas as grandes soluções estão sempre debaixo de nossos narizes. O mal do mundo é não enxergar com olhos de ver.  O mal do mundo é ter inveja de quem vai receber o que vamos dar, pensando no quanto aquilo pode ser utilizado melhor pelo outro do que por nós mesmos. O dia que nos livrarmos - dentro de nós e para conosco mesmos - dos pequenos vícios comezinhos que nos assolam (a inveja, a mediocridade, a pobreza de espírito mal aventurada) a gente muda o nosso entorno e assim, sucessivamente, mudamos lentamente o mundo. O mal do mundo é a falta de amor e viver de mentiras e ilusões, achando que substitui alguma coisa tão nobre por fingimento e consumo. O mal do mundo é a falta de amor.



domingo, 28 de maio de 2017

PARA O ALTO E AVANTE

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Dizem que fugir é próprio dos covardes. Nem sempre. Se a correlação de forças é desproporcional é o melhor a se fazer. Neste contexto, fugir é para os ousados. Para os que acreditam em si, para os que ainda tem esperança,  Que o diga os refugiados.
Seguir em frente é para os que olham para o horizonte e dizem, ali é o meu lugar. Com conforto, sem conforto. Com risos, com lágrimas, com gente boa, sem gente boa, por lugares bonitos ou por lugares inóspitos sair do lugar é a ordem da vida .
A decisão de levantar acampamento nasce na gente, antes da gente saber que é isso. A saída estratégica pela direita ou esquerda (hoje é temeroso dizer isso) nasce na gente depois de se examinar todas as prerrogativas de possibilidades (ao menos as mais óbvias). A saga sem destino como opção só vem quando é a única possibilidade inegociável, cujas premissas foram analisadas e não tem jeito, ou se vai ou não fica nada.
O dia um do movimento de vida é o mais importante, é o da decisão. É aquele dia que você escolhe o que vai com você: Você. O dia um é o mais difícil, pois estando parado já se está em movimento. 
Não há nada mais assustador que o amanhã. E como é um prisma com mil lados, também não há nada mais esperançoso. É, também,  metáfora de fé. O amanhã  é tudo o que se sonha e o que se teme. O amanhã é o depositário quase que material de movimento. Do movimento da vida.
Viva o amanhã com tudo o que possa trazer!

Cena do filme: "Livre" (2015) de Jean- Marc Vallé

domingo, 21 de maio de 2017

O ÊXODO DE UM

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Assisti a um filme, certa feita, chamado "O Abraço da Serpente". Um apanhado de relatos de experiências de dois antropólogos em épocas diferentes que, do alto de seu cabedal científico não conseguiam perceber o quanto de conhecimento estava espalhado ao seu redor, sem catalogação nem categorização, pelo simples fato de operarem de formas diferentes.
Ali o que mais me chamou atenção foi a metáfora da bagagem. Um homem doente, semi-morto, procurando a cura para seu mal ou seus males, que não desgrudava de seus escritos, sua produção de conhecimentos científicos quase que se trocando por eles  sob as risadas de seu cicerone. Um índio tido como xucro - segundo seus ditames - mas que em relação àquele contexto tinha muito mais conhecimento.
Esse filme para mim, além de todos os atravessamentos que contém me impressionou aí. Naquilo para o qual fechamos nossos  os olhos, mesmo tudo estando diante de nós: a vida, as possibilidades, a natureza, a comunhão com ela, a integração com tudo o que também faz parte de nós para darmos crédito ao recorte: àquilo que uma sociedade nada saudável diz que é importante.
A preferência voluntária pela parte esquartejada e sem vida e, por vezes, equivocada em detrimento do todo também produz doentes. A negativa espontânea de não enxergar nos transforma em criadores de moinhos e inventores de um mundo sem conexão. Creio que seja esse o mecanismo usado por nós em nosso cotidiano, construindo nossas vidas, nos relacionado com as pessoas.Impingindo uma digital de alma ao mundo que, possivelmente, não é das melhores. 
Sempre fiz dos meus momentos de dor, aflições, perigos e incertezas o meu maior celeiro produtivo. O cosmo deve me odiar por impor tantas agruras. Deixar o que foi e seguir adiante produzindo outras bagagens é inteligencia. Produzir bagagens mais fáceis de carregar é sabedoria. Que Venham!



domingo, 14 de maio de 2017

A LUZ DOS OUTROS

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Todos os imbróglios da vida estão nas relações com os outros. A vida são as relações que temos com os outros. Quando conhecemos alguém, tudo o que a gente não faz é conhecer. A gente inventa, a gente imagina, fantasia, cria e, veste a carapuça no outro. As vezes disfarçamos lobos de ovelhas, as vezes raposas de galinhas. A vida e suas relações são um grande mistério. É ali que habita o que temos que aprender. E não nos enganemos, aprender poder ser prazeroso, mas também extremamente doloroso.
É um processo de descasque, de esfolamento do que a gente pensa que é. De descortinamentos dos véus que estão sobre o que se vê ou se acha que se vê. Uma lufada insuportável de luz nos olhos de quem estava acostumada à caverna. E não há nenhum lugar mais profícuo para o aprendizado do que  as relações que a gente faz ao longo da vida.
À medida que nos relacionamos vai caindo a ficha. Percebemos dissonâncias - mas nós também as temos - incompatibilidades, compatibilidades, psicopatias, domínios excessivos e 'largações' desprezíveis. Até que a gente se depara com o uníssono de incômodo que está presente em todos os humanos: a luz do outro. A luz do outro incomoda. Ela pode ser até menor que a nossa, mas incomoda. Quando não se consegue apagar, então?! Que pedra no sapato.
Os maiores problemas da humanidade em todas as esferas desde as mais importantes e poderosas  até as mais medíocres e corriqueiras são as luzes dos outros. Todas as travas que são criadas  para a nossa felicidade tem como objetivo limitar. Seja o progresso, o crescimento, o conhecimento, o prazer.... tudo, na humanidade, nesse nível evolução no qual nos encontramos tem como objetivo podar. Vivemos a era mesozóica da poda.
Quem tem coragem, foge e cultiva sua luz. Porque amor mesmo, é o amor próprio. Aquele que usamos como medida para percebermos o que recebemos e para mensurarmos o que vamos dar. Mas isso só acontece quando temos a nossa cota de estima de manutenção de nós mesmos, de nossos talentos e de nossos limites. Sejamos luz, sempre! 


domingo, 23 de abril de 2017

LATÊNCIA

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Desejo é um lampejo de ânsia que acende,
ascende, brota, reluz de repente.
Desejo é luz, fogo, é empolgação sem sentido.
É como uma semente vinda do nada, mas, cheia de vida.
Desejo chama desejo. Somos terra de desejos. Pastos de desejos, aragem de desejos
Não há nada mais vivo em nós do que o desejo.
Desejo que se satisfaz, reproduz-se, multiplica-se.
Desejo tolhido entra em latência.
Latência é o nome científico para manutenção do desejo no estado de dormência,
A palavra  tem cheiro sexualizado,
tem jeito elástico, tem cara de limbo do desejo.
Desejo congelado para ser despertado quando tiver contexto,
Um stop na tensão que não frutificou
A manutenção silenciosa à espera da hora certa,
A manutenção da água na boca com cara de sepultura
Vontade com muro na frente
Grito silencioso de olhares
Latência é um nome pomposo para descrever fome forçada.
Latência é brincadeira de estátua com coisa séria.
Desejo não morre, não se cansa, entra em modo stand by,
escondido, à espreita, como olhos brilhantes na noite escura.