domingo, 8 de novembro de 2015

OS CÓDIGOS E A NOSSA ESQUIZOFRENIA

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Nota: este texto é uma romantização histórica.
Quando saímos do nomadismo e deixamos a era das cavernas, nos fincamos num pedaço de terra demarcado perto de tudo o que nos possibilitasse sobreviver, e começamos a instituir regras que nos interessasse: 1) a manter o controle sobre o outro; 2) que mantivesse a organização do que já havíamos instituído. (possivelmente nessa ordem). E percebemos então, que a pasmaceira nos alcançara. A vida não tinha mais a graça e aventura do nomadismo: uma paisagem a cada dia, os perigos da trilha, a bola de neve dos acontecimentos que nos mantinham ativos e desenvolvia nossas potencialidades, principalmente as do movimento, já não existiam mais. E começamos a fossilizar. Logo, atrapalhar a felicidade alheia se tornou um bom divertimento, principalmente quando a justificativa era a de proteção da gente mesmo e das instituições que criamos, com o mesmo fim, é claro. Aí inventamos as normas e regras sociais, os "não pode". Para preservar o patrimônio: monogamia (não somos monogâmicos); para punir os instintos: as leis; para manter o controle das ações alheias na convivência social: os protocolos comportamentais. Que, inclusive, permitem banir, sem ser criticado, qualquer um que não se encaixe. E ai estava cristalizada  e oficializada a hipocrisia e o abuso de poder.
Se livrar de milênios de construções de falseamentos e buscar a felicidade nos entre-lugares  das normas e das regras não é fácil. Isso para não ser pessimista e aventar a sua impossibilidade.
Todas as regras de convivência, os meandros de sobrevivência e os modos de produção que nos impulsionam para o 'progresso' são contra os nossos instintos, nossa natureza e, por conseguinte, contra a nossa felicidade. Depois não sabemos de onde vêm tantas doenças, somatizações, mal-estares e fobias.
Somos nosso próprio inimigo. Amamos escondido e nos casamos com quem convém. Ensinamos a solidariedade e praticamos o egoismo. Condenamos o prazer e o vivemos debaixo dos panos como se fosse algo torpe. Instituímos um hospício a céu aberto e construímos um para colocarmos quem não aceita esse paradoxo ou não consegue administrá-lo. Que, na verdade são os verdadeiros sãos, que diagnosticamos como loucos.
A imagem acima é bastante representativa disso. Compreendo que deva ser uma placa, possivelmente numa área de aeroporto (isso se ela existir, pode ser um criação gráfica) mas ela serve para pensarmos uma série de aspectos sobre a nossa maneira de ver normas e regras. Os códigos são direcionados para o sujeito que tem capacidade de decodifica-los e obedecê-los, o que não se aplica ao pássaro, é claro, mas a quem possa enxota-los. O que a torna desnecessária e fora da realidade, Mas, um signo fantástico para metaforizar o quanto somos abusados em relação ao uso do poder e, ao mesmo tempo, a nossa natureza livre.
Bem aventurados os que se mantém pássaros, não pelo ato político da desobediência dos disparates que designam abuso de poder, mas pela manutenção do estado de analfabetismo em relação aos códigos e de liberdade em relação à vida.

sábado, 31 de outubro de 2015

EM PARTE....

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Um garoto de rua, aparentando uns 10 anos, entra no saguão de um cinema na zona sul do Rio de Janeiro. É rechaçado, óbvio.
Em parte, o segurança tem razão.
Em parte, o menino tem o direito.
Em parte, ele constrange os 'outros' (nós).
Em parte, ele poderia entrar só para olhar...e ver como são os outros, como se comportam, o que fazem ali. Só para decidir se se deslumbra e sonha ser igual ou se odeia.
Em parte, um lado tem razão,
Em parte, o outro também tem.
Mas em qual  parte somos responsáveis pela divisão das partes?
A miséria não vem da natureza, não é desígnio divino, uma conflagração cósmica punitiva. Ela é produção humana intencional.
Em que parte da história nós decidimos que a existência do miserável nos serviria?
Em que parte da história percebemos que o incômodo acompanhava a serventia?
Em que parte da história criamos estratégias para separar o incômodo da parte que nos servia?
Em que parte passamos a ter prazer em separar esse incômodo como um selo de superioridade?
Em que parte dessa história a gente vai se dar conta de que essa brincadeira de mal gosto já não cabe numa mão e escorre pelos dedos...
Em que parte dessa história a gente se dá conta de que está perdendo o controle.
Em que parte dessa história a gente ganhou?
Em que parte dessa história a gente perde?
Experimente ouvir 10 nãos num dia e observe como você chega ao final desse dia. Só para termos um simples lampejo do ódio que nos aguarda.
Em parte, somos responsáveis, pela criação do exército de desvalidos, miseráveis, chamado exército reserva,  através do usufruto dos produtos produzidos que consumimos. A gente só não gosta do cheiro da vizinhança....
...Em que parte a gente muda tudo?!


domingo, 25 de outubro de 2015

PROCURA-SE

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Procura-se pessoas que tenham coragem...
Coragem de ser elas mesmas, de mostrarem suas fraquezas, fragilidades e protegerem-se com a boa administração do acaso e presença de espirito.
Procura-se pessoas que tenham  forças para descortinar hipocrisias, não tenham medo do que vão ver e saibam conviver com a dor.
Procura-se pessoas destemidas que olhem o caos que é a vida, não com vontade de doma-la, mas de vivê-la de acordo com suas potencialidades.
Procura-se pessoas sem correntes. Gente sem grilhões nem por dentro nem por fora.
Procura-se, urgentemente, loucos inteligentes, disfarçados de pessoas normais. Seres perspicazes que se misturaram, se imiscuíram e pagam os preços em silêncio.
Procura-se quem não quer agradar.
Procura-se o espirito que encarnou para viver e está conseguindo.
Procura-se aquele de quem todo mundo ri.
Procura-se aquele que caga e anda para o mundo, e pela fresta da janela goza com o mais bonito alvorecer.
Procura-se aquele para quem a neve que cai no escurecer do dia tem graça. Aquele a quem a chuva não insufla xingamento, Aquele que sabe apreciar os detalhes que ninguém vê.
Procura-se.....vivo.




domingo, 6 de setembro de 2015

MACHISMO

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"Ninguém jamais vencerá a guerra dos sexos: há muita confraternização entre os inimigos"
(Henry Kissinger)

O machismo sempre existiu. Mas, ultimamente está em voga. Tudo é machismo, se um home ri de uma mulher que escorregou na calçada...é machismo. Não deu lugar a uma mulher no transporte público ...é machismo.  Roubou o momento de sucesso de uma colega de trabalho...é machismo. Estamos esquecendo que falta de educação existe, que mal-caratismo existe, que inveja existe e tantas outras mediocridades e mesquinhez da índole humana, e colocamos tudo o que vem de um homem em relação a uma mulher na conta do machismo.
Obviamente sempre haverá uma pitada de, mas isso não significa que o seja em essência. O machismo não é uma norma social instituída como o casamento e a monogamia. Ou uma classificação discriminada como adultério para fins de identificação e encaixe numa norma social. O machismo, entendido como o exercício de superioridade do homem em relação à mulher, é dado como natural. (Deus quis e assim instituiu através das diferenças naturais e não se questiona). Isso é engendrado em nossas vidas através da cultura, dos costumes, e principalmente, das religiões e inoculado em nossas medulas desde que nossos pais descobriram a que gênero pertencemos. E ali começam as diferenças sutis, carinhosas, imbuídas de proteção e aconchego: "proteja sua irmã, ela é menina"... "Isso não é para menina"...tire seu irmão daí...isso é coisa de mulher". As profissões de poder são para os meninos, as subalternas são para as meninas. E assim vão se acirrando as diferenças à medida que crescemos. Essas diferenças, além de serem anatômicas e fisiológicas, passam a ser morais, sociais e que se dispõem em superioridade e inferioridade, ao invés de serem simples diferenças que nos completam. E nossos pais, por mais que tentem, é impossível resolver essa questão no âmago de sua existência em, apenas, uma geração.
A celeuma da superioridade masculina é ontológica, vem de longa data e passeia pelos meandros históricos e religiosos como algo institucionalizado. Muita coisa mudou? Sim. Em 100 anos passamos de "Senhor, meu marido" para "Tá, fulano"; passamos de pessoas que não tinham inteligência para votar, em eleitoras; de 'entes' que não precisavam ler, porque a função era parir, em escritoras profícuas.Num interstício de 100 anos as gerações mais duras morreram e deram lugar a outras que mudaram seu comportamento a partir da memória de incômodo e desconforto do que era viver daquela forma, e ensinaram aos seus filhos, às gerações futuras, que farão o mesmo num ciclo de evolução lenta, que tem funcionado. Os avanços foram empreendidos através de  experiências dentro das realidades cotidianas, sem histerismos. E ainda acontecem e continuarão a acontecer, pois a vida é devir. A igualdade de direitos é necessária, e hoje, real, em pleno aperfeiçoamento. Mas, independente desses avanços todos, homens também têm inveja de mulheres de sucesso, e isso não é machismo, é mediocridade humana. Acomete a todos os que vão ao banheiro.
Quando nos ocorrer o afã de chamarmos  as situações mais gritantes do cotidiano de machismo, olhemos para o lado e vejamos e percebamos as silenciosas: o colega de trabalho que te trata bem, que te abraça e tira de você uma oportunidade de crescimento para a qual você tem cabedal (formação/títulos) e dá para um outro colega porque o salário é alto e mulher não precisa disso, tá de bom tamanho as migalhas que caem da mesa....isso  é machismo, e você continua sendo muito bem tratada pelo seu amigo. Salvo os casos de violência, em que o exercício de 'superioridade' é patológico, o machismo vem com carinho, subestimação de inteligência e usando o que temos de mais precioso, o afeto, e a condição de acreditar no ser humano e na sua, possível, nobreza e essência de bondade. O machismo é exercido dentro de casa, no trabalho, no meio de nossos amigos, hediondamente com um sorriso. Mas a isso não chamamos de machismo.
Vencemos o machismo estudando, trabalhando, pagando nossas contas, sendo felizes, sem precisarmos de histrionismos, sem precisar gritar. Afinal, o que é, é, não precisa de publicização. Houve épocas em nossa História - e falo de Brasil - em que uma mulher não tinha direto a herança de seus pais se não fosse casada. Hoje construímos nosso próprio patrimônio no nosso nome. Quando a gente não faz o caminho de volta, não percebe quanta coisa já foi  mudada,  continua mudando e vai mudar. Agora, gritar que TUDO é machismo, não dá. Isso só contribui para quebrar a coerência de um movimento que vem se fazendo forte e profícuo.
Se pensarmos bem, a histeria é tudo o que o machismo precisa para nos chamar de incoerentes. Não nos esqueçamos que quem gera os homens, decide se vão ou não nascer - tendo ou não legalização do aborto - e os educamos, somos NÓS. E isso é PODER. Mas chamarmos essa linha de raciocínio para o rinque a gente não quer, não é não? A corda puxa para o nosso lado, e  a responsabilidade pesa nos ombros e mudamos de assunto. É mais fácil nos fazermos de vítimas com a velha pecha do machismo para tudo.
Que machismo existe, existe. Mas ele se manifesta muito mais sutilmente do que a gente está querendo ver. Afinal, subestimarmos os machistas, de que seriam indiscretos e pouco inteligentes não é coisa que se faça. É interessante não confundir machismo com péssimo caráter, num contexto em que o indivíduo agiria da mesma forma em qualquer outra circunstância e com qualquer outra pessoa, inclusive de seu gênero; nem com inveja e outros adjetivos comezinhos que acometem a todos os que não são espíritos evoluídos como os serafins e os querubins.
Não somos vítimas coisa nenhuma. Somos senhoras de nossas histórias, só que isso tem preço, resta saber se a gente quer pagar. Até porque, poder a gente pode.
Em suma, a menos que o histrionismo e a vitimização seja parte de uma tática de distração para que olhem para o outro lado enquanto tomamos o poder, é interessante usar o bom senso. Senão até o que conquistamos se perde, e aí se está falando do respeito pela coerência.







domingo, 30 de agosto de 2015

PEDRA-SABÃO

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Descubro que escrever textos não é fácil. Escrever textos? É, a expressão textos traz várias modalidades em si, podemos escrever textos nos outros, com ações, olhares e quereres, podemos escrever textos na forma mais corriqueira que conhecemos, o registro idiomático em suporte com signos blindados, codificados e que seleciona público. Nesta última modalidade existem outras subcategorias: formatos, nichos e modos convencionados de se dizer alguma coisa. Escrever para cinéfilos é uma coisa, escrever para academia é outra coisa, escrever para se deixar um rastro no mundo, é ainda outra.
E nesse ínterim comparo o mundo das letras à pedra-sabão, aquela macia, que em bloco espera o escultor que saiba trata-la para adquirir a forma que a inspiração mandar. O texto, metaforicamente, é a mesma coisa. Uma infinidade de possibilidades, a quem a inspiração ou a vontade de discurso, decide a coluna vertebral e o enxerto vem com as anotações de ideias, lembranças e insights. As anotações que se faz enquanto se prepara um jantar, o pensamento de beira de página enquanto se lê um livro que contribua, ou mesmo durante uma sessão de cinema em que o filme seja um fornecedor de subsídios. Deixamos descansar e depois é só fazer a cola do patchwork e aparar as arestas, lapidar o grosso do conteúdo, dar uma lasca aqui, um corte ali, uma lixada acolá e começa-se a dar forma àquilo que até então era uma ideia perdida, sem pai nem mãe, sem eira nem beira.
Escrever não é transmitir, a gente nunca sabe o que o outro vai ler, como vai receber, nem se aquilo que se queria dizer é o que o outro vai entender, seja porque não houve uma expressão competente, seja porque as redes do outro não são as nossas e ele não passou pelos mesmos lugares, não viu os mesmos filmes, não viveu as mesmas emoções, enfim, é outro. Escrever é se jogar, é se livrar de uma ideia que estava na fila atrapalhando a passagem.Ver a escultura pronta é um prêmio, é o momento em que atesta que a ação é tão importante quanto a ideia, que se não for posta em prática cai no vazio e frustra.
Escrever para o vento e a vida, sobre o vento e a vida exige silêncio de alma. Escrever é deixar um rastro de pensamento e existência, exige coragem. Coragem para falar o que não se fala, coragem da possibilidade de cair no ridículo, ousadia para se libertar como poucos conseguem, deixar os ranços e os momentos de inspiração registrados. Escrever é esculpir, é se expor, é ser subversivo, é usar uma arma. E hoje numa sociedade que pouco lê, e quando lê prefere alguma coisa sem qualidade, ou seja lê mal e por conseguinte não escreve, é uma afronta.
Escrever é como esculpir em pedra-sabão. Talvez, a diferença consista no fato de que o escultor vê sua obra pronta, o escritor nunca. Se alguém não se apossar e disser chega, ela precisa sempre de um enxerto, de uma revisão, de uma frase a mais, de uma frase a menos...e o que sobra vira obra-prima para o outro filho, nunca vai para a lata de lixo. As sobras e as reminiscências contam. O que sobra das "aparações" e dos "lixamentos" são reaproveitados. Escrever, talvez ,seja a melhor forma de reciclagem da vida e do pensamento. Escrever é talento? Pode ser. Mas também é válvula de escape, carma e terapia.
Minha pedra-sabão é um papel e meu entalhador é minha caneta (ainda sou dos que escrevem a mão, como num exercício de caligrafia e que gosta de ouvir o ranger da caneta no papel e curte o deslize que a grafia proporciona, como uma forma de prazer), enquanto isso vejo ao vivo minhas ideias se materializarem. No meu mundo esquizofrênico-beleza me sinto um escultor de ideias admirando o meu exorcismo de mim.
Minha escultura, meu registro de alma, meu rastro...escrever para mim é esculpir sentidos.

domingo, 19 de julho de 2015

O TREM DA VIDA

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Como não aproveitar a vida? Como não se sentir parte integrante de tudo o que nos cerca, principalmente da natureza? Dessa seiva que nos re-energiza, desse caldo mexido de verdes, de sol, de chuva, de vento, de sons de sensações? O mato, a rocha dura, a terra masserada, a montanha, crianças que acenam com tchau para desconhecidos, as flores vívidas no meio do mato seco.
Como não ver isso? Não sentir isso? Há que se fazer muita força, há que se desviar muito o olhar, há que se esconder demais, que se tapear muito a si mesmo. Há que se ter muito trabalho para sentir nada.
Viver dá menos trabalho do que não viver. Para não viver há que elaborar elucubrações intrincadas e difíceis para se convencer de que o que se sente não é o que se sente. De que o que se vê não  é o que se vê. Para não viver há que se ser um inventor muito bom. Inventar um porquê estar aqui, depois criar uma tabela de certezas e convencer muitas pessoas, fazer um clube de não-viventes.
Viver, não. Viver é para qualquer um, para os que têm um corpo e não tem medo das sensações que ele alardeia. É captar sinais, arrumar percepções na alma, enfileirar as sensações e embolá-las todas de novo, deixar-se sentir. Viver é para os que sentem e usam os sensores que têm, os que deixam a vida entrar pelos olhos, pela pele, pela alma e pelos ouvidos e aproveitam cada momento, cada brecha de um momento. Viver é estar ligado, sempre presente e perceptivo. Viver é para qualquer um. E é um dos fóruns em que é maravilhoso ser qualquer um. Estar aqui é mais do que estar aqui, é prestar atenção ao aqui.
Se somos imperfeitos, o lugar que estamos é perfeito para refletirmos sobre o conceito de perfeição, ou, pelo menos,  o que a gente consegue alcançar dele. Perfeito para a gente se conhecer e  evoluir, com paisagens que nos inspiram e situações que nos incentivam, perfeito para nos lapidar.
A vida é curta, mas é lenta. Passa devagar, uma hora por vez, é a gente que vive por atacado. O varejo da vida é muito melhor. De pouquinho em pouquinho, de pastilha em pastilha. Deixemos os blocos grandes para os deuses, que são eternos. A vida é um trilho numa montanha, tem partida e chegada, com subidas e descidas, no meio das pedras, do mato, com floresta densa e clareiras, muitos rios, alguns caudalosos outros mais mansos, mas sempre com muitos afluentes, com túneis escuros e grandes momentos de luz....mas sempre com uma vista espetacular, basta ligar os sensores e querer  usa-los.
Vista de trem entre as  cidades de Mariana e Ouro Preto - MG- Brasil - lugar das paisagens que inspiraram este texto.
 
 
 

domingo, 5 de julho de 2015

NOSTALGIA

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Dizem da nostalgia que é saudade do que passou. Que quem tem nostalgia vive no passado. Pode ser. Mas, como somos seres de invenção, nostalgia pode ser uma  forma de voltar no tempo e com a experiência de hoje e o olhar mais apurado, enxergarmos aquilo que não vimos na época.
Seres inteligentes usam suas potencialidades, e até a falha delas, a seu favor. No sentido da otimização da aprendizagem de vida, de acréscimo de experiência e de acúmulo da saber útil.
A nostalgia, às vezes, nos faz voltar a momentos da vida em que fomos melhores, mais úteis, funcionávamos de outra forma, acreditávamos em outras coisas, que hoje podem nos ajudar a compreender outras de uma maneira melhor. Ou, a uma época em que éramos tão incipientes e parcos, que  dá orgulho de atestar o quanto crescemos e melhoramos em tão pouco tempo.
Nostalgia é oportunidade de vasculharmos o baú de memórias e descobrirmos lá, coisas que não vimos antes e encontrarmos outras utilidades para elas que sequer cogitamos algum dia. Viva a Nostagia!

domingo, 14 de junho de 2015

SÍNDROME DO "PRIMEIRO EU"

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Acabo de assistir ao mais recente documentário sobre Kurt Cobain , um jovem talento do rock que viveu entre nós apenas vinte e sete anos e cuja jornada de sofrimento pareceu ter um século.
O fio que costura essa encarnação tão insólita foi a falta de amor, de atenção, de olhar, de toque. Aquilo que não nos custa um centavo (para usar a premissa do nosso glamouroso modo de produção e, quiçá, filosófico).
Não se trata de culpar alguém pela trajetória do outro, mas de analisar o que fazemos conosco e com o outro. Afinal, enquanto estamos na ação, atuando na vida, não vemos. E não vemos que não vemos. Mas, isso não nos impede de refletirmos sobre o quanto a falta de amor, de olhar o outro, de prestar atenção ao entorno, de nos vermos no outro é repetitivo e reincidente. Quase um comando e, por que não dizer, um prazer mórbido.
O que nos custa a atenção ao outro? tempo? O mesmo que gastaríamos com uma novela tola, ou falando de mal de alguém, ou remoendo dores (porque o opressor também tem dores). Quanto custa olhar para o outro e tentar entende-lo? não se trata de compreendê-lo, mas de tentar nos colocar em seu lugar, a famosa empatia. Quanto custa um sorriso? Um bom dia, mostrando que  viu alguém ali? Um aperto de mão? Um abraço?.... Isso é humilhante?
O que a gente não administra a gente tacha com rótulos: hiperativo/TDAH ou com problemas de sociabilidade, ou esquisito, ou estranho...sempre com problemas, e esses nunca são nossos, são do outro (nesse momento enxergamos o outro). Resolvemos os problemas com Ritalina e Rivotril (para falar só de dois). Encarar a situação é mais difícil, somos a espécie do caminho mais fácil.
Com nossas posturas rotuladoras e fossilizadoras do outro, matamos criatividades, sufocamos idéias brilhantes, colocamos debaixo do tapete pessoas que poderiam trazer melhoras para esse "mundo estranho"  em que vivemos. Asfixiamos as pessoas que se negam a se coadunar com a hipocrisia institucionalizada, os que remam contra a maré desse hospício a céu aberto em que transformamos o nosso mundo E a esses que se negam a dançar a mesma música doente chamamos de desajustados e de loucos. É saudável ser ajustado a um mundo insano? 
O que resolverá os casos de "desamor"? Essa doença grave, pandêmica, que atinge bilhões todos os dias - a cada nascimento. Enquanto não encontramos a resposta a essa pergunta, a anestesia para aguentar tudo isso é chamada a atuar no perímetro da dor - a consciência -  e classificamos o anestesiado de drogado, covarde e fraco. A morfina da alma ausenta o ser "desamado" da cena da tortura. E tortura de "desamor" é como fantasma, acompanha o "desamado" a encarnação inteira. Há que se ter estômago.
Quando percebermos que só somos o que somos em resposta ao que a gente vê no olhar do outro sobre nós, e que nessa relação referenciada criamos nossa identidade, então, o outro passará a  ter importância. Ter um outro feliz para nos enxergar, e percebermos o que ele vê em nós é muito melhor do que termos um triste. O outro feliz nos faz feliz, nos 'cria' felizes para o mundo .  Quando entendermos que um ambiente (familiar, de trabalho, entre amigos, na escola) com uma energia boa nos dá saúde e evita somatizações...Quando nos dermos conta de que toda essa utopia começa com o respeito a dor que o outro tem (todos têm) e que não sabemos qual é, e que, por isso, não devemos sapatear em cima do outro...Que amar não implica em responsabilidades sociais nem econômicas com o outro ( já que somos regidos por esses medos), que isso não me traz prejuízos, não arranca pedaços e faz bem para mim/para você/para todo mundo, a gente muda. E se a gente mudar, o mundo muda porque na mudança já percebo outra coisa, outro mundo, quando o outro percebe nossa mudança na maneira de atuar, muda também....E que assim estaremos mudando o mundo devagarinho, a gente progride.
O incrível é que é simples e a gente faz disso um cavalo de batalhas. Quando conseguirmos fazer isso, talvez evitemos a criação de outros Kurts Cobain, Robins Willians e Michaels Jacksons.
Até porque,  para dizermos "primeiro eu" só o fazemos porque tem alguém a quem nós temos como referência para competirmos, ninguém diz isso na solidão. Logo, enquanto houverem suicidas os homicidas somos nós. Mudemos para "PRIMEIRO NÓS".

domingo, 7 de junho de 2015

VACINA DA VIDA

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Tem certas dores que são para serem vividas, são para existir. São iguais ao esforço que a lagarta faz para sair do casulo e se tornar/virar borboleta. Em que o impedimento da saída proporciona a força necessária que fará toda a diferença para o resto de sua vida.
Os episódios de perdas de inocência dos diversos aspectos de nossas vidas, que são registrados na literatura, na música, nas artes plásticas, nos filmes, no teatro, não são inventadas por esses nichos. Elas existem, essas são as formas de  materializa-las através dessas distrações subjetivas, que falam mais de nós mesmos do que imaginamos.
Fugimos das dores, mas somos criaturas fisiologicamente moldadas para o sofrimento. É ele quem nos formata, apara as arestas e nos ensina. É o princípio ativo de nossa modalidade de existência, por causa disso é que devem  chama-la  de primitiva.
Doloroso ver alguém sofrer com uma dor que sabemos ser necessária para seu desenvolvimento e termos que assistir sem fazer nada. Porque, do contrário, o aleijaremos por toda uma vida. Como o caso da borboleta que recebe ajuda para sair do casulo, e que por conta disso, jamais voará. Os pequenos dispositivos fisiológicos responsáveis pelo voo se ativam ali, naquela força empreendida para a saída do casulo.
Mas não é porque não podemos ajudar que vamos jogar pedra. Isso já é uma outra história....Aquela dor que nos fortalece, em contrapartida, não pode/deve nos endurecer ao ponto de sermos cruéis com os demais, e consequentemente, conosco. Mas, nos  vacinar para os processos secos e dolorosos da vida e nos preparar para outras dores, além de nos ensinar que as dores passam e que sobrevivemos a elas e saímos muito melhor (pelo menos é o objetivo).
A vacina para a vida é inoculação do germe da tristeza, da dor, da raiva, do ódio, do rancor para que os reconheçamos.E, possivelmente,  para que os rejeitemos quando se postarem diante de nós como hóspedes permanentes.
Viver sem dor é impossível mas o que a gente faz dela/com ela é que vai decidir a vida que teremos. É, é difícil assim, mas é possível. E é nisso que consiste nosso poder e só.

domingo, 3 de maio de 2015

DIAMANTE

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Diz-se do diamante que foi grafite. Diz-se do diamante que é a mais rija das pedras. Diz-se do diamante que tem muitos prismas e quanto mais os tem, mais precioso é. Diz-se do diamante que não tem uma cor única, tem uma predominante. Por dentro ele é furta-cor. Que sua limpidez refrata lentamente as outras cores e as separa. Diz-se do diamante que quanto mais polido, quanto mais límpido, quanto mais puro, maior é o seu valor. Diz-se do diamante que é o rei de todas as pedras.
Do diamante diz-se o que se quiser. Mas, e o diamante o que diz de si mesmo?...já fui turvo, desinteressante, impuro. Passei por eras e eras me tornando mais valoroso, sofrendo a ação do tempo, escondendo o meu processo de mudança. Calado, no escuro, misturado a um sem fim de minerais sem valor. Nunca vi a luz, nunca senti o calor do sol, nunca respirei. Mas insisti! O tempo me cristalizou, homogeneizou meu interior, me apaziguou, me purificou. O tempo me deixou mais límpido, transparente. O tempo me redimiu, as mudanças sofridas foram internas... Até me acharem. Quando os olhos dos outros foram postos em mim começaram as minhas mudanças externas. Fui polido por fora, limpo por fora, fiquei o que os outros queriam,  mantive minhas qualidades internas, elas são minha identidade - dão o valor que imputam - Mas por fora, mudei muito. E fiquei do jeito que me aceitam, que me moldaram: brilhante, furta-cor e valoroso;  para enfeitar colo alheio, dar poder aos outros, ser admirado no papel que me ofereciam, no lugar que me puseram.
Como vêem, até os diamantes "sofrem" e são desrespeitados em sua natureza e só são úteis se sevirem em silêncio. Talvez o diamante preferisse ficar no seu lugar, crescendo por dentro, do que enfeitar colo alheio. Talvez, a glória que damos ao diamante - a de exibi-lo - seja glória nossa, para nós. Talvez tudo o que seja precioso seja uma bela invenção, um lastro criado para territorializar a diferença e "importantizações" falsas entre pessoas. Se não fosse o diamante poderia ser uma noz. Mas o que dá ao diamante essa preferencia é a sua raridade, o quanto é difícil encontra-lo. O quanto significa ser especial encontrar um e possuir um - noz tem em todo lugar.
E aí o prisma da análise muda de novo. E ser um diamante, metaforicamente? E ser raro? realmente é valoroso ou é uma condenação à solidão, ao isolamento e ao ostracismo?
Olhem o que podemos ter de reflexões e divagações a partir de uma pequena pedra. A diferença entre os vários tipos de abordagens é o lugar de onde se olha. Não existe uma só visão/versão sobre alguma coisa, existem várias. Assim como os diamantes, somos compostos de prismas mil, temos vários lados, e dependendo de qual deles se olhe vemos uma coisa, se mudarmos a angulação somos outro e vemos outra coisa....E você aí cheio de certezas.
 


domingo, 26 de abril de 2015

FORA DA CAIXINHA

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O mundo da gente é o da gente. Aquele que criamos com nossas redes, onde nós, obviamente, somos o centro e reinamos absolutos. As impressões que temos dos outros, dos acontecimentos a nossa volta, são todos lidos com nossos sensores dentro do quadradinho de nossas experiências. Não seria nada demais se não o estendêssemos ao resto do mundo. Como se todos  vissem as mesmas coisas que nós e as interpretasse da mesma maneira.
Somos, cada um de nós - sete bilhões de pessoas - um mundo particular. Ninguém vê a mesma coisa, mesmo que esteja olhando do mesmo lugar para a mesma cena. Ninguém vê do mesmo jeito que o outro. Logo, somos sete bilhões de mundos que se tocam que se esbarram. Sete bilhões de olhares diferentes que são criados a partir de culturas diferentes, costumes diferentes, experiências diferentes, que por sua constituição são a identidade de um indivíduo. Sua ação no mundo constitui-se numa digital única de intenção e de rastro de sua história deixado no mundo maior, o de todos nós.
Talvez, por isso, quando falamos sobre o outro falamos de nós. Quando olhamos para a cultura do outro o fazemos a partir da nossa. Para onde vamos, se não nos desprendermos do nosso pequeno mundo - a caixinha - não conseguimos entender o outro, o ambiente, suas ligações, suas criações. Se nos desapegarmos de nossas "verdades" teremos sempre espaço para aprender com "as verdades" do outro. Aprendemos, inclusive, que as "verdades" são muitas. Que os costumes alheios instituem regras que, muitas vezes, são opostas as nossas e eles vivem felizes (quando só achamos que felicidade é viver da nossa maneira) e o fazem com a mesma "certeza" de "verdade" que achamos que só pertencia a nós. As vezes, ainda rimos, como se eles estivessem enganados e nós "certos".
O mundo é uma diversidade de "verdades" e crenças que nos põe  numa babel de seres dando voltas em torno de ideias de mundo tornados realidade pela quantidade de pessoas que conseguimos arrebanhar para segui-las, seres que criam seus nichos de "certezas" para se protegerem e impingirem uma marca no mundo, um rastro ou uma identidade.
E nós, nos fechando em nosso mundinho ovo de codorna, achando que tudo acontece de acordo com nossa crença, nossa educação, nossa cultura, da maneira com a qual a moldagem de nossas experiências nos faz enxergar e que, na realidade, é só nossa.
Talvez o pulo do gato que nos liberte dessa casca pequena seja o ...e se...
E se...as coisas não fossem como eu vejo, como elas seriam?
E se ... alguém não tivesse a educação que eu tive como pensaria? como agiria? quem seria?
E se ... um indivíduo não tivesse vivido as experiências que eu vivi (lembrando que, mesmo se vivesse , o tal não sentiria as mesmas coisas do mesmo jeito e não pensaria da mesma forma que você) como seria?
Teorizamos o caos e vivemos nele, literalmente, sem percebermos. Sair da caixinha, do lugar comum do ovo de codorna, parar de olhar para o nosso próprio umbigo e deixarmos de ser (para nós) o centro do universo - porque na realidade não o somos - e tentarmos pensar de outra forma faz toda a diferença.
 


sábado, 25 de abril de 2015

O CONVERSA AFINADA

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O Conversa Afinada em seus quatro anos de existência vem sendo um  mural de assuntos subjetivos. Aqueles que nem sempre se consegue abordar em conversas cotidianas, nem em mesa de bar. Falando sobre o movimento do mundo (ou como eu o vejo), a percepção humana de momentos e suas diversidades, dos entre-lugares de aspectos de nossas vidas que, de vez em quando é bom expressar ou pelo menos expurgar para não somatizar.
Sendo assim, o Conversa Afinada  se instituiu como um espaço de exposição de subjetividades e por que não, num portal de expurgação de dores, de sensações, de sentimentos, e para além disso, um legado. Pretencioso? Talvez não.
Todos nós deixamos um rastro nessa existência, uma história, um painel de ideias e ideais através de nossas obras, nossos feitos, do que deixamos de sentimento no outro e de tudo o que fazemos enquanto estamos aqui, inclusive escrever. Uns deixam os filhos, outros livros escritos, outros arvores plantadas, obras de caridade, amigos que os admire, feitos históricos (alguns), exemplos éticos (pouquíssimos). Salvo algumas lembranças em milhares de alunos ao longo dessas mais de duas décadas de magistério, vou passar minha encarnação vívida, intrincada e pensativa em branco, em relação ao consideramos legado de alguma coisa. Como nunca fui adepta de materialidades, encontrei um jeito de dizer ....passei por aqui.
Minhas ideias, meus escritos, minhas conexões, minhas fabulações, ilações e considerações sobre assuntos que me engasgaram. O que vai ser feito disso? Não faço a menor ideia, nem sei se terá alguma importância para o outro, só vejo, no momento, a importância que tem para mim....não enlouquecer, me livrar do que incomoda, me fustiga, no melhor estilo terapia em público.
Mas uma coisa é certa. Jamais passaria 50, 60, 70, 80, 90 ou 100 anos em silêncio. Aí sim, eu estaria morta. As pausas são as férias da inspiração em relação à forma com a qual esse registro vai se dar. Mas ainda bem que são curtas e a tal inspiração sente falta desse canal disposto que me proponho ser e que tem um prazer inenarrável por expressar-se e dizer ao mundo Eu penso, eu existo, e esta...sou eu.
Silenciar Jamais!




sábado, 7 de março de 2015

SER MULHER...

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Ser Mulher, ao contrário do que se possa dizer por aí, é bom. Não só pelo fato de podermos gerar, de termos a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo engendrada em nossa fisiologia, de prestarmos atenção a subjetividades e nuances que passam batidos para o sexo oposto. Mas, simplesmente, por ser.
Ter um corpo longilíneo, delicado, sinuoso e frágil - a fragilidade também tem seu charme. Uma sensibilidade mais apurada. Uma constituição direcionada à proteção da cria, que mesmo que não a tenhamos, nos faz pessoas mais voltadas, naturalmente, para a alteridade.
Ser um ente de olhares múltiplos, nos faz ver camadas de uma mesma coisa num piscar de olhos, como numa visão devassadora. Ter um feeling aguçado nos faz sermos quase que bruxas, a gente tem sempre uma cigana que avisa as coisas.
Ser Mulher não é vestir vestidos, usar maquiagem, e ter formas erógenas típicas do sexo feminino, é mais que isso. É uma marca D'alma e uma digital de existência bem encrustada no espírito.
Ser Mulher é uma maneira de olhar, de ver a vida, é um jeito de sentir, de existir, de querer e de atuar.
Ser Mulher é um dos melhores dons existenciais que nos é concedido, ou que nós escolhemos, sei lá!
Ser Mulher é mais do que uma designação de gênero na matéria. É fazer parte de uma cepa muito especial de seres. Ser Mulher é ser tudo, em forma de gente.
Ser Mulher é não se encaixar em canto nenhum, porque sobra.
Ser Mulher é ser um humano na ante-sala dos deuses.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

O "TUDO PODE" DO CARNAVAL

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O carnaval é uma festa mundial, que no Brasil tem suas peculiaridades. Foi aculturada aos nossos costumes ou à falta deles (rsrsr). É um período em que todos os muros e cercas de nossas normas comportamentais estão abertos e liberados. As sentinelas de vigilância do nosso verniz social tiram férias e o consentimento para chutar o pau da barraca e fazer em quatro dias o que não se pode fazer um ano inteiro, é oficial.
Multidões desfilam pelas ruas. Saem em blocos, escolas de samba, vão atrás do trio elétrico, sobem as ladeiras de Olinda e estão do jeito que "aquele" gosta. Se soltam, saem de suas gaiolas/casas, gaiolas/cascas e se permitem mais do que em outras épocas. No figurino pode tudo. Qualquer cor com qualquer cor, muito brilho, purpurina e muita alegria. A ordem do dia é, esquecer os problemas, o cotidiano de obrigações, as regras sufocantes e transgredir.
O exercício sadio da transgressão é excelente para a alma, bom para a sociabilidade e melhor ainda para os nossos grilhões internos, que tiram folga e param de atrapalhar. Mas o que não é de bom tom é transgredir o direito do outro. Transformar transporte público em lugar de afronta, banheiro, praça de guerra. Fumar em metrô, e com crianças de colo no vagão, subir em cima de patrimônio alheio (carros estacionados nas ruas), quebrar patrimônio público. Ser acintoso com quem está quieto e não gosta de brincar o carnaval. Quem não curte a festa sai de casa para fazer sua atividades cotidianas e seus direitos civis não foram suspensos para que fiquem confinados em seus lares como se em prisão domiciliar, tem o direito de ir e vir.
Nesse período as tragédias dobram em quantidade de ocorrências e em nível de gravidade, em todos as categorias, dos mais banais furtos e desentendimentos até mortes. A culpa é do carnaval? Não. A culpa é do indivíduo que se aproveita da liberação das rédeas para se exceder em todos sentidos e cometer seus delitos. Colocamos na conta do carnaval, quando na verdade, essa radiografia fica na conta da falta de educação para o convívio social sem as normas de repressão e com um conceito equivocado de coletividade.
Esse mesmo folião que não respeita seu igual, entra e sai dos lugares durante os outros 360 dias do ano, integrado ás normas. Preso a elas, algemado a regras que não entende, não compreende, não aceita e as cumpre por puro adestramento. São pessoas acuadas por trás do "não pode", com raiva engasgada e jogando para debaixo do tapete todos os sapos que não conseguem engolir, todos os dias, fingidos de virtuosos e com vontades trancadas à sete chaves. Aí vem alguém é diz..."daqui até quarta-feira a porteira esta aberta e pode tudo!!!!" ...ferrou! A galera sai desembestada para fazer em quatro dias o que não consegue fazer o ano inteiro, comemorando a queda da bastilha de todos os pudores, a liberação das repressões criadas a pão de ló e em cativeiro.
Em contrapartida, tem folião que sabe brincar, que está sempre ligado ao seu entorno, respeita o outro e se desvia de confusão, vai e volta, construindo um carnaval melhor para amanhã.
Quiçá, tenhamos um dia, um carnaval em que tudo seja só samba, alegria e o colírio das artes plásticas dos desfiles para os nossos olhos, com pessoas brindando a vida e a existência, e que seja mais uma data de reunião com os amigos e familiares para se brincar de verdade. Desarmados de todos os medos, e desinstitucionalizando todas as práticas violentas, convivendo com o desagradável na medida do aceitável. Sonhar demais?! Não. É disso, e assim que são feitas as realizações.
 
Muita alegria e BOM CARNAVAL! para quem é de carnaval.
Para quem não é, BOM DESCANSO!


domingo, 8 de fevereiro de 2015

FASCINAÇÃO

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A palavra fascínio ou fascinação está para o pobre mortal como a água está para o óleo. Talvez, por ser de uma pronúncia elitista, que beira o chique, o inalcançável, e propor um estado de êxtase por algo imensamente maior. E por  quase  não existir no dicionário cotidiano de todos nós.
Depois de eternizada em nome de música então....a gente se distanciou de vez. E colocamos o fascínio no altar dos elevados, ele ganhou status de nobreza com poesia, e é como se a nós não pertencesse mais. Como se, o tal, tivesse dono, tivesse sido arrendado, e sob o qual não temos mais o direito da apropriação.
O fascínio foi institucionalizado. E a nós, somente, cabe os chinfrins "encantamento" e "deslumbramento". Ambos dão uma noção de sermos possuídos, uma sensação de que perdemos o poder sobre nós, uma impressão de que sofremos de "abestalhamento" O "encantamento" é papo de bruxa de contos de fadas, e o "deslumbramento" parece estado de quem se queda de boca aberta por qualquer coisa. O fascínio não, se impõe como um poder de envolvimento com inteligência, cheira a conquista negociada, em que os vencidos se dão por vencedores. O fascínio é um processo de engendramento de nós com a coisa fascinante, e com consentimento. Como se decidíssemos ficar ali, de livre e espontânea vontade, se deixando embeber pela energia que nos envolve, prestando atenção ao que sentimos e gostando do que sentimos. No fascínio o que brilha aos nossos olhos recebe o nosso consentimento depois de passar pelo nosso filtro de inteligência.
Desinstitucionalizar a fascinação, usar e abusar dela, é viver melhor. As receitas médicas deveriam prescrever: "fascinação 3x ao dia de 8 em 8 horas durante toda a vida".
 
FASCÍNE-SE!
E o resto deixa pra lá!
 
 
 


sábado, 31 de janeiro de 2015

LÁ SE FORAM, LÁ SE VÃO, LÁ SE VEM...

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Ah! Lá se foram os dez anos. Bonecas, joguinhos, livrinhos de literatura clássica juvenil, corda, pião, pipa e bola de gude. (já disse que nunca fui normal)
Ah! Lá se foram os quinze anos, bonecas na caixa, batom à mão, roupas mais "mulherzinha", interesses que mudam. Agora é oficial! Bem-vinda ao mundo dos que são vistos, observados e vigiados.
Ah! Lá se foram os vinte anos. Faculdade, engajamento político, arrumar emprego, cheiro de independência. O resto é bobeira. A vida adulta é salão principal. O lema do momento é: Arfar o peito, levantar a cabeça e o nariz (isso é importante nessa idade) (rsrsrs), e lá vamos nós! Responsabilidades, trabalhos, impostos. Essas dores que jamais nos deixarão, e que nessa idade é o que nos dá o nível de importância que buscamos.
...E lá se vão os trinta anos. A idade da maturidade. Já conseguimos enxergar bastidores, já conhecemos os cheiros da vida, já prevemos coisas, pois as conhecemos. Amadurecemos sexualmente, espiritualmente, moralmente (relativo a ética), profissionalmente, politicamente etc...
....E lá se vão os quarenta...o filósofo interno invade o pedaço. O ensaio acabou. Agora, a peça é pra valer. Algumas coisas já são inegociáveis, outras toleráveis, mas abrimos uma cota de vislumbre para a esperança, para possibilidade de não termos visto alguma coisa, de não termos aprendido outras....e passamos a viver à espreita da vida. No cotidiano não há mais grandes novidades, como quando tínhamos 17 em que tudo era  aventura. Mas sempre esperamos que alguma coisa brilhe diante de nós e nos capture. O olhar é seletivo, o falar é seletivo, as amizades, os Sims, os Nãos, então, nem se fala...Tudo passa por um crivo, uma triagem. Ainda temos vigor, embora já nos demos conta de nossa mortalidade. E cansados de lá se foram, e de lá se vão...partimos para o lá se vem.
Ah! Lá se vem......

domingo, 11 de janeiro de 2015

ENERGIA NOVA

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Essas fazes de início de ciclo são preciosas. Fomos nós quem as inventamos, para fingir que as coisas começam de novo, e de novo. É um mecanismo coletivo de esquecimento.
Amo essas fases inventadas, porque funcionam através de suas personificações...o "destralhar" é uma delas. Adoro  "destralhamentos" (acho que já disse isso aqui).
Sabe aquela papelada inútil do ciclo velho?Jogue fora!
Aquele sapato velho, gostoso de usar, mas que já está roto, puído e que traz uma energia mesquinha para o ciclo novo? jogue fora!
Aquela forma de bolo, que você comprou para aprender a faze-lo, mas que nunca teve tempo, nem talento (rsrsr), jogue fora!E compre bolo de padaria, convença-se de que tudo o que é feito pelo outros é mais gostoso, funciona.
Sabe aquela tralharia que a gente guarda para lembrar do fulano, do sicrano e do beltrano? Jogue fora! Lembrança a gente guarda na alma.
Abrir espaço físico para a entrada de novos ares, de luz, de vida, em suma, de circulação de energia é uma metáfora para o que devemos fazer com a nossa alma...destralhe!!!
Jogue o amigo que não era amigo no limbo do esquecimento, o amor que machucou na caixinha do aprendizado e as decepções, no incinerador. As próximas pessoas serão melhores.
Limpar-se por dentro é muito importante. Pois como dizia Pitágoras: "purifica o teu coração antes de permitir que o amor entre nele, pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo". Tomemos um banho de vida nova, a água é o querer e o sabonete, o acreditar.