domingo, 14 de junho de 2015

SÍNDROME DO "PRIMEIRO EU"

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Acabo de assistir ao mais recente documentário sobre Kurt Cobain , um jovem talento do rock que viveu entre nós apenas vinte e sete anos e cuja jornada de sofrimento pareceu ter um século.
O fio que costura essa encarnação tão insólita foi a falta de amor, de atenção, de olhar, de toque. Aquilo que não nos custa um centavo (para usar a premissa do nosso glamouroso modo de produção e, quiçá, filosófico).
Não se trata de culpar alguém pela trajetória do outro, mas de analisar o que fazemos conosco e com o outro. Afinal, enquanto estamos na ação, atuando na vida, não vemos. E não vemos que não vemos. Mas, isso não nos impede de refletirmos sobre o quanto a falta de amor, de olhar o outro, de prestar atenção ao entorno, de nos vermos no outro é repetitivo e reincidente. Quase um comando e, por que não dizer, um prazer mórbido.
O que nos custa a atenção ao outro? tempo? O mesmo que gastaríamos com uma novela tola, ou falando de mal de alguém, ou remoendo dores (porque o opressor também tem dores). Quanto custa olhar para o outro e tentar entende-lo? não se trata de compreendê-lo, mas de tentar nos colocar em seu lugar, a famosa empatia. Quanto custa um sorriso? Um bom dia, mostrando que  viu alguém ali? Um aperto de mão? Um abraço?.... Isso é humilhante?
O que a gente não administra a gente tacha com rótulos: hiperativo/TDAH ou com problemas de sociabilidade, ou esquisito, ou estranho...sempre com problemas, e esses nunca são nossos, são do outro (nesse momento enxergamos o outro). Resolvemos os problemas com Ritalina e Rivotril (para falar só de dois). Encarar a situação é mais difícil, somos a espécie do caminho mais fácil.
Com nossas posturas rotuladoras e fossilizadoras do outro, matamos criatividades, sufocamos idéias brilhantes, colocamos debaixo do tapete pessoas que poderiam trazer melhoras para esse "mundo estranho"  em que vivemos. Asfixiamos as pessoas que se negam a se coadunar com a hipocrisia institucionalizada, os que remam contra a maré desse hospício a céu aberto em que transformamos o nosso mundo E a esses que se negam a dançar a mesma música doente chamamos de desajustados e de loucos. É saudável ser ajustado a um mundo insano? 
O que resolverá os casos de "desamor"? Essa doença grave, pandêmica, que atinge bilhões todos os dias - a cada nascimento. Enquanto não encontramos a resposta a essa pergunta, a anestesia para aguentar tudo isso é chamada a atuar no perímetro da dor - a consciência -  e classificamos o anestesiado de drogado, covarde e fraco. A morfina da alma ausenta o ser "desamado" da cena da tortura. E tortura de "desamor" é como fantasma, acompanha o "desamado" a encarnação inteira. Há que se ter estômago.
Quando percebermos que só somos o que somos em resposta ao que a gente vê no olhar do outro sobre nós, e que nessa relação referenciada criamos nossa identidade, então, o outro passará a  ter importância. Ter um outro feliz para nos enxergar, e percebermos o que ele vê em nós é muito melhor do que termos um triste. O outro feliz nos faz feliz, nos 'cria' felizes para o mundo .  Quando entendermos que um ambiente (familiar, de trabalho, entre amigos, na escola) com uma energia boa nos dá saúde e evita somatizações...Quando nos dermos conta de que toda essa utopia começa com o respeito a dor que o outro tem (todos têm) e que não sabemos qual é, e que, por isso, não devemos sapatear em cima do outro...Que amar não implica em responsabilidades sociais nem econômicas com o outro ( já que somos regidos por esses medos), que isso não me traz prejuízos, não arranca pedaços e faz bem para mim/para você/para todo mundo, a gente muda. E se a gente mudar, o mundo muda porque na mudança já percebo outra coisa, outro mundo, quando o outro percebe nossa mudança na maneira de atuar, muda também....E que assim estaremos mudando o mundo devagarinho, a gente progride.
O incrível é que é simples e a gente faz disso um cavalo de batalhas. Quando conseguirmos fazer isso, talvez evitemos a criação de outros Kurts Cobain, Robins Willians e Michaels Jacksons.
Até porque,  para dizermos "primeiro eu" só o fazemos porque tem alguém a quem nós temos como referência para competirmos, ninguém diz isso na solidão. Logo, enquanto houverem suicidas os homicidas somos nós. Mudemos para "PRIMEIRO NÓS".

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