domingo, 30 de novembro de 2014

ESTRANHAMENTOS

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Encontros e desencontros na vida nem sempre se dão pelo viés da harmonia, da sintonia e simpatia. Ás vezes, se dão pelo estranhamento, pela dissonância que chama a atenção, pelo desafinar que atrai. Estranhamentos são pequenas luzes que nos seduzem pela diferença, que por serem incompreensíveis oferecem desafios, oportunidades de aprender, de ensinar, de viver, de aumentar o repertório de conhecimentos sobre tudo, mas principalmente, sobre nós mesmos. Como reagimos, do que gostamos, quem somos e tal.
E nesse contexto vaticinamos..."os opostos se atraem". Possivelmente, não. Os diferentes em um ou outro aspecto o fazem, mas no bojo de suas personalidades e essência, provavelmente, sejam iguais. Iguais com arestas diferentes que se encaixam, que se completam, se olham, se estranham, se provocam e se rendem. E para economizar pensamentos, reflexões e termos menos trabalho para entendermos as coisas da vida, nossas relações, proximidades e distâncias, vamos no  mais fácil de atestar.
A vida é uma ciranda doida que a gente acha que entende. Talvez, a raiz da manutenção do frescor da vida esteja no diferente, no desconhecido, no estranho, no que oferece um território de exploração e descobertas, no que faísca a necessidade de entendimento.
Estranhamentos, sinal de que alguma coisa está torta e certa ao mesmo tempo. Se tudo fosse conhecido e perfeito, sem novidades, sem aventuras, sem graça, sem desafios, sem frisson, sem borboletas no estômago, sem "ofegâncias"e sem medos, a vida, talvez, fosse um marasmo só, uma verdadeira pasmaceira.
Estranhamento é o encantamento com areia, precisa só de um pouco vento e um pouco de tempo.

domingo, 23 de novembro de 2014

PELE SENSÍVEL

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A semana passada aconteceu mais um suicídio na UERJ. Há muito que é lugar comum esse acontecimento no espaço em questão, e um mistério, quase espiritual, o porquê os que se encontram nesta vibração escolhem, justamente ali. Por que falar disso?! primeiro porque o "Conversa Afinada" foi criado para desopilar a alma de tudo o que não se conversa normalmente no dia-a-dia, segundo porque me recuso aceitar isso como banalidade, lugar comum, rotina. Me recuso a me acostumar com o que pode ser mudado, conversado, pensado, refletido....
Dizem que se matar não pode. Pode, só não se deve. Dizem que é pecado. Roubar também é. Crescemos ouvindo "bistuntices" acerca do assunto ou, simplesmente, não ouvindo nada.
Somos levados a acreditar que a vida é uma dádiva, é linda e rara. Só nos esquecemos de avisar no meio do discurso, que isso é para quem consegue enxergar pelo buraco da fechadura da porta das tribulações. Tem gente que não consegue.
E a vida vira um pesar, um castigo, uma maldição a ser vivida dia após dia. Até o dia em que alguém de fora (deus) dizer que é a hora. Às vezes esperar esse alguém de fora vira desaforo, vira humilhação, significa passar a vez do poder de decisão.
E o caro leitor pode se perguntar..."E o que eu tenho a ver isso? Também tenho os meus problemas, minhas questões e minha cruz. Devo me preocupar com a vontade de morrer do vizinho?"...Possivelmente, não. Isso não é preocupação que se tenha. Nem saímos por aí, perscrutando os possíveis candidatos. Mas o mundo não anda sozinho, ele vai no caminhar de todos nós, com nossa energia e  atuação.
Sabendo-nos incapazes da onisciência e, menos ainda, de conhecer o abismo profundo que é o nosso ser, e muito principalmente, o alheio, não custa cautela. Nunca saberemos o quanto um desprezo é a gota do balde. O quanto uma zombaria era só o que faltava, ou o quanto virar as costas é o fim de tudo.
Um sorriso não custa nada. Um bom dia acalorado, também não (fingimos coisas piores). Nunca vamos saber o quanto isso é importante para alguém. Nunca vamos saber o que os nossos atos evitam ou catalisam. Nunca saberemos o tamanho da intensidade da força com a qual uma decisão como essas é tomada.
Então, se é para dormir bem e inventar que salvamos uma vida, e quiçá, o mundo. Distribuamos sorrisos, beijos e abraços...mas principalmente abraços. Provavelmente, ele é um "só por hoje"  de um suicida.
 
 



domingo, 16 de novembro de 2014

IMPOTÊNCIA

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O que eu faço para acabar com a fome no mundo? O que eu faço para evitar guerras? O que eu faço para incutir na cabeça e na alma das pessoas, que o que não custa nada é que tem valor? O que eu faço para parar o choro de uma criança? O que eu faço para ser o bálsamo da dor de alguém? O que eu faço para convencer alguém de seu próprio valor e de sua força em relação a si mesmo? O que eu faço para definir o amor, para além da mesquinhez da carne e das ovações de glórias por bons feitos? O que eu faço para fazer com que a humanidade entenda que todos os seres vivos querem a mesma coisa, e que nisso somos uníssonos e unos?....o que eu faço?...
O caminho da impotência tem mão dupla. Há os que trabalham fazendo a sua parte, seu caminho de formiga, sabendo que sua ação é pequena e insignificante, e continuam a fazê-lo, sem se deter nestas perguntas para não caírem em desânimo e continuam atuando da maneira que acham adequada para se melhorar o mundo. São gentis, não julgam, procuram amar de acordo com seus conceitos e suas capacidades, procuram o caminho do conhecimento, fazem caridade em silêncio, fogem dos aborrecimentos, e de conhecerem seu lado vil, se desviando de tudo o que o catalise.
E há os que se rendem. E dizem consigo mesmo: "Se não posso fazer nada, então nada será" . E nesse caso, vence o individualismo, as certezas, os mundos circunscritos com muros, muralhas e portões de proteção. Ganha a competição por espaço, poder, território e vaidades vãs que ficam por aqui assim que partimos. E o mundo fica pior. Por que? Porque nos ajustamos a ele, com seus desmandos, incoerências, paradoxos, contradições, injustiças, manipulações e camadas e camadas de hipocrisia, que "somatizadas" rendem a nós o nosso próprio sofrimento, na pele e na alma.
Impotência é o estado de falta de capacidade sem solução. Qual criança já não quis suspender o carro do pai, sem sucesso? A sensação de nada poder fazer é desestruturante. A sensação de impotência é isso.
Mas a coisa piora quando descobrimos  que a nossa impotência é construída por nós mesmos e contra nós. Ela veio junto com o mundo que criamos e sua fisiologia.  Logo, consideramos que essa impotência foi fabricada propositalmente. Que ela é uma jaula, uma prisão, um empecilho, um jogo de forças paralisantes construído por nós e para nós só para demarcar território e exercício de poder.
A fome é projeto de manipulação, de uso de força e de direcionamento de um rebanho que se não come não pensa, se não pensa obedece. E se torna um exército permanente de reposição de reserva de mão-de-obra barata
As guerras são nichos de interesses, de distribuição de capital, de demonstração de força, de desfile de superioridade.
A ideologia da hierarquização de valores, do que se tem que ter e ser para ser respeitado é liturgia do gado marcado. A que grupo você pertence? E os signos que definem esse pertencimento são designados por nós. O selo, a marca registrada e o indexador é o quanto custa. O quanto de tempo de trabalho, o quanto de desaforos tivemos que aguentar, o quanto de vezes passamos por cima de nós mesmos,  o quanto de valor monetário, etc... Depois terminamos doentes, tristes, deprimidos, suicidas, sós, pedintes de olhar, de atenção, de carinho, de amor, seja ele de que estirpe for, frágeis e débeis, vítimas da primeira circunstância ou vigarice que nos ofereça, espuriamente, o que verdadeiramente tem valor e não demos prioridade lá atrás, e que faz tanta diferença, que sua falta é capaz de nos destruir por dentro.
Parar o choro de uma criança...esse sim, é um sonho e tanto e uma jornada surpresa. Se não for fome ou dor, carinho resolve. Uma voz branda, uma mão macia e um calor protetor.
Já, curar a dor de alguém, ou ao menos, amenizá-la, talvez, seja possível se nos despirmos de todo o medo da responsabilidade de que fala Saint-Exupéry sobre o  cativar, e fazer o exercício do mais sincero abraço. A questão, é que nos braços só cabem um de cada vez, e somos sete bilhões de miseráveis doloridos com um sorriso amarelo na cara.
Sobre o convencimento de alguém a cerca de seu próprio valor, talvez, seja , de fato, o mais difícil da história. Só o próprio indivíduo pode levantar a si mesmo. Só o indivíduo tem os olhos sobre si e o conhecimento a seu respeito, para se perscrutar introspectivamente e se valorar. Mas dizer que isso é possível, talvez ajude.
Outro desafio gigante é a definição de amor. Aquele ente poderoso, pentadimensional, para além de tudo o que podemos ser e conceituar. Esse, esquartejado em partes: a sexual, a fraternal, a maternal, a paternal, a filial, a humanitária. E excede a tudo o que podemos abarcar com o corpo, com alma e com a cognição. Mas, sonhar com a chegada de seu exercício e com a prontidão de nossas capacidades para vive-lo, além de não custar nada, é obrigatório.
Agora,  convencimento de que todos queremos a mesma coisa, talvez, seja o mais fácil de todas as premissas de impotência diante da vida. Não é raro observarmos que as plantas que são cuidadas, veladas, e com as quais se conversa, são mais viçosas, mais cheirosas, produzem mais, e podemos até dizer que, são mais felizes. Os animais, tanto os domésticos quanto os silvestres, quando acarinhados e inserido esse proceder na sua rotina, são mais maleáveis e, às vezes, lutam contra sua própria natureza, embora ela vença sempre, só para receberem um pouco mais desse manjar.
O que eu faço para minar essa impotência?!....escrevo.
 
"Feliz daquele que consegue burlar os muros do poder instituído e atuar nos seus interstícios"
 
 

domingo, 9 de novembro de 2014

FRESTAS

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Às vezes, as situações, circunstâncias e/ou contextos da vida não têm portas nem janelas.
Às vezes, se busca nos intervalos de respiração dos acontecimentos, saída. Ou um espaço para se atuar mudando alguma coisa.
Às vezes, só o que restam são frestas, brechas de uma cerca, espaço insignificante em que só cabem um olho e a vontade de mudar.
Às vezes, tudo o que buscamos cabe num espaço descoberto à revelia e que nos inspira táticas mirabolantes.
Mas, para tanto há que se estar atento, há muito que se querer que as coisas mudem de lugar.
As frestas que encontramos ao longo da vida para escaparmos de um cativeiro, às vezes, são tudo que teremos. Quem espera porta larga não alcança. Quem procura porteira aberta vai continuar procurando e quem só age se encontrar uma janela vira estátua de sal.
A vida, possivelmente, é de quem enxerga oportunidade onde não tem. É de quem inventa uma chance, de quem ousa com o que tem nas mãos. Por uma fresta passa uma chave, por uma fresta passa um arame, por uma fresta passa um sonho inteiro.
Mas a cada fresta sua tática. Frestas oportunas não se repetem, a cada uma seu jeito e sua largura. Quem aprende a agir pelas frestas aprende a viver e não se atrapalha com nada. Que pelas frestas da vida, do cotidiano, saibamos lidar com o que o nosso "feeling" diz que somos capazes.
Às vezes, para conseguirmos o que queremos, só temos uma fresta como chance. Quem a desperdiça ou não sabe o que quer, ou não sabe querer.

domingo, 2 de novembro de 2014

O IMPÉRIO DA INCOERÊNCIA

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O texto de hoje é sobre o mundo construído às custas do aprisionamento da nossa natureza e do choque com o que seria natural ou lógico.E o quanto não percebemos/ou percebemos e continuamos a professar o discurso da incoerência e fabricarmos nossa própria infelicidade.
Aprendemos a não mentir até os treze anos, depois pode. Aprendemos a ser leais aos amigos até os vinte e cinco, depois não importa. A falar o que pensamos até os dezoito, depois respondemos pelos nossos atos, não pode mais. 
Mas o mais inusitado são os palavrões, para dar o exemplo só de um: Vai se f... é palavrão que se diz quando se está com muita raiva de alguém. Mas na hora que a gente quer ser feliz a gente vai se f... com outro alguém, e está tudo certo (!!!!!!!).
Sinceridade é enfeite de dicionário, se for usado até as ultimas instâncias dá cadeia. E parceria nos relacionamentos também é frase de efeito. Já se começa uma relação medindo as palavras, o que poder ser dito, o que pode ou não ser escrito...afinal, vai que a relação acaba?!!!
Somos, por natureza, polígamos e instituímos a monogamia só pra ficar bem na fita do capitalismo e dos falsos bons costumes e manutenção dos valores familiares e instituímos a prostituição que é produto direto da monogamia.
Nos apaixonamos perdidamente por alguém, até descobrirmos o alguém. E que não era o que queríamos que fosse. Queremos estar com pessoas mas como elas são, não servem. Somos democráticos até se dizer o que o outro não quer ouvir. Clamamos por justiça, mas só até o momento em que ela venha bater à nossa porta. Lutamos por direitos iguais, até o momento que não fira os nossos privilégios.
Queremos o crescimento e a evolução até encontrarmos alguém que faça algo melhor que nós. Aí, ao invés de aprendermos por imitação, humildade ou por osmose, aderimos a caça às bruxas.
Premiamos quem vence. Mas quem vence, normalmente, é o mais desleal, o mais esperto, o que passa por cima dos outros e de si mesmo, sem nenhuma classe e sem cortinas de disfarces. Ainda somos seres de "umbigo" e de imposição de poder espúrio como prova de virilidade, competitividade e sucesso.
Instituímos um estado de alerta contra o outro e contra nós mesmos. Não existe mais nicho em que possamos relaxar e sermos, simplesmente, o que somos. Usar a liberdade de ser é crime de alta traição contra o próximo.
Vivemos um mundo louco em que, cada um tem seu espaço construído à revelia e de encontro ao mundo do outro e ainda brigamos pelo lugar onde colocar a cerca. A incoerência é uma instituição oficializada e vamos para o ringue para sabermos qual da incoerências tem mais poder e prevalecerá. A guerra de retóricas é a estrada da vida em que ninguém tem razão.  A confiança morreu, a lealdade virou peça de museu e a esperança está em greve de fome.
A partícula de poeira no espaço em que vida é tão rara e complexa abriga o mais nobre dos  sanatórios. E depois de tudo isso construído por nós mesmos, completamente ao oposto do que somos, ainda queremos ser felizes. E ainda somos tão covardes que colocamos a culpa de todos os males da humanidade na conta do diabo....Que coisa feia!!!!!!