domingo, 11 de março de 2012

DURA CERVIZ

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Levamos a vida toda construindo o arcabouço do que somos, da nossa personalidade, da apresentação de nós ao mundo, do modo de pensar, da construção de um estilo, que se manifesta através da vestimenta, das músicas que gostamos, dos livros que lemos, das atividades de lazer que desfrutamos, da ideologia política e filosófica que vivemos, da religião ou do acreditar etéreo/divino que professamos.
Diz-se que mudar fica mais difícil com a idade, que é mais fácil convencer um jovem do que um ancião; que a cristalização de ser, a fossilização do ideário se instala e a tarefa se torna quase impossível. Alguns associam ao medo do novo, outros a resistência à mudanças ou a pirraça. O que poucos enxergam é que pode ser a forma de manutenção da obra de arte da própria vida. Uma maneira de se curtir a pintura terminada, uma forma de orgulho por ter sobrevivido, por ter resistido, persistido...existido.
A frase mais incômoda de se ouvir na juventude é: ..." no meu tempo"....e quando nos damos conta estamos quase que a responder, se não o fizemos:
- Você está no MEU tempo.
Aquele tempo que é carregado na memória para sempre. É o mais ativo, vívido, repleto de novidades, de sensações, de descobertas e, que são ressucitados, rememorados, homenageados através da tal frase. Com o passar do tempo somos nós quem vamos dizê-la, porque repetimos. Repetimos o que odiamos ouvir porque o tônus do tempo vivido fica esculpido na alma. E, quando  alguém resiste às mudanças, resiste a negação dessa obra de arte que é  particular, exclusiva, perfeita dentre todas as imperfeições.
Ter dura cerviz é ter dificuldade de se curvar, dificuldade na malemolência, mas não por pirraça, nem por acharmo-se melhor, mas para preservar o que sobrou de  melhor.
Entendamos as pessoas de  dura cerviz de nossas vidas. Pois um dia seremos como eles, agarrados àquele tempo em que aquele aprendizado, aquela realidade, aquele entorno, aqueles valores, aqueles contextos eram a novidade  da vida, na flor da vida, no usufruto de todas as energias vitais... que murcharão, desaparecerão e tudo o mais será só repetição.
A sabedoria dos idosos, o conhecer o final da novela antes dela começar, vem de " ver novelas", de conhecer os caminhos da vida, da perda da novidade.
Esse é um ciclo democrático e igualitário. Se somos seres humanos constituídos da mesma matéria, habitando o mesmo planeta, sob as mesmas condições de pressão e temperatura, somos iguais. E, não nos espantemos quando nos pegarmos dizendo: ...."no meu tempo"... se é que já não fazemos isso.

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