sábado, 31 de março de 2012

SOLIDÃO MODERNA

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Já vão tempos em que os solitários eram aqueles velhinhos de bengala que não se casaram, não tiveram filhos, ficaram para titios/titias; ou aqueles que se retiravam para as montanhas como eremitas, ou ainda, os guias espirituais que faziam a escolha da solitude, da clausura. Foi-se a época em que o solitário tinha cara e carregava uma plaquinha pendurada no pescoço.
Hoje os solitários não tem estereótipo, são bonitos, bem empregados, bem sucedidos, tem liberdade, tem boa formação e pasmem, excelentes relações sociais.
Frequentam festas vips, vão aos shows da moda, curtem bandas e musicas pop, saem em caravanas, desde as excurções simplórias até os pacotaços internacionais. Vão ao teatro, cinema e o principal, têm amigos....4.999 nas redes sociais e sorriem, muito, saem bem na foto e, nunca, nunca estão sós. Estão sempre muito bem acompanhados. São vistos, comentados.
Essa nossa inovação psicossocial iniciou-se com a extinção do escambo. Não precisamos de ninguém para trocarmos nada e, fomos acirrando esse "não trocar" desde a comida pelo manufaturado até a atenção pelo apreço. Capitalizamos nossas relações, nos encastelamos em nossa "autosuficiência" e nos bastamos.
Se por um acaso sentirmos necessidade de "humanitude" - exercício das potencialidades emocionais inerentes aos seres humanos - procuramos uma ONG. ONG do agasalho, ONG da solidariedade, ONG do abraço, ONG do beijo, ONG do orgasmo, ONG do amor....Já terceirizamos tudo mesmo, não é?!
Esquecemos o que é pedir um bife no açougue cortado do jeito que a gente gosta. Porque no mercado ele já vem cortado na bandeijinha, por não sei quem que, também, não se interessa para quem vai. O pão da padaria, feito pelo seu Manoel, que perguntava: - Mais branquinho ou mais moreninho, D. Maria? Já vem empacotado com uma tal de data de validade. E, vai pão frio mesmo. Já inventaram  a torradeira!
Algumas da nossas invenções modernas, necessárias para dar conta do tipo de vida que elegemos como ideal são gotinhas a mais na história de distância que  estamos construindo de nós mesmos.
Existe uma cidade na Holanda que decidiu fechar o seu centro histórico para  carros  de passeio. Os aspectos  impactados, além dos óbvios, poluição e cuidado com o meio ambiente, foram também os de sociabilidade, enfim, qualidade de vida. Pessoas são "obrigadas" a interagir com outras pessoas, nos transportes públicos - que lá funciona - nas ruas. São impelidas a olharem umas para as outras, a se comprimentarem, a se dirigirem umas às outras, a terem contato. Por uma simples mudança de comportamento, de hábito. Quando mudamos uma variante, mexemos em tudo ao nosso redor.
A nossa capacidade de adaptação nos levou a adaptar-mo-nos a não sermos nós mesmos. E há que se fazer um esforço hercúleo para traçar estratégias pedagógicas que nos leve ao caminho de volta.
Aquele caminho que fazia com que olhássemos o outro nos olhos,  com que encostássemos no outro com naturalidade, com que apertássemos as mãos do outro com prazer e com que identificássemos a presença do outro pelo perfume.
Precisamos reaprender, urgentemente, a prestar atenção, a dar atenção, a exercitar potencialidades de cuidado que são nossas.


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