domingo, 24 de junho de 2012

HOUSISMO - parte II - O AMOR E O MEDO

Partilhar
House M.D. Drama/ mistério Elenco: Hugh Laurie, Omar Epps, Robert Sean Leonard; Produtores: Paul Attanasio, Katia Jacobs; Roteiristas: David Shore, Brian Singer; Criador: David Shore; 2004-2012.
Agora é definitivo. Acabou o affair que tínhamos com o detetive da medicina Dr. Gregory House (Hugh Laurie). A viagem ao interior da personagem e as exposições de suas fraquezas, medos e fragilidades, iniciou-se no  1º episódio da  6ª temporada / Broken, em que House encontra-se num hospício - Mayfield Psychiatric Hospital. Vimos um House pedindo ajuda e com medos confessos, sem segurança, mas tentando acreditar em alguma coisa, tentando se salvar. Quando se envolve com Lydia ( Franka Potente) a cunhada de uma das pacientes, e  o que os aproxima é a música.
House via a mulher, em geral, como objeto, numa relação de prestação de serviços. Em Mayfield a contratação de serviçais era proibida, é claro, e a liberação de um paciente para sair era impossível, até segunda ordem. O que o forçava a ver as pessoas como pessoas, inclusive se tivesse que se reportar a esse aspecto, relação íntima.
No hospital psiquiátrico a carência e a fragilidade humanas estavam tão expostas, tão afloradas que eram o cartão de visitas de cada um. Num trabalho psicanalítico de exercício de confiança, House se aproxima de Lydia e a cena de entendimento entre os dois é, na minha opinião, a mais bela  de toda a  série. Um pedido de desculpas numa valsa silenciosa em que ambos dançam ao som do nada, apenas perdoando-se e confessando-se como humanos  que se rendem à essa condição. O que se segue é o exercício do despir-se de si e  de ser o que se é. O atestado da intensidade do fato, em House, são seus olhos marejados acima dos ombros de Lydia, como faróis acesos sob a escuridão e que encontraram o que procuravam sem nunca ter  tido a certeza de que existia, revelavam sua alma, retiravam a armadura e o escudo e erguiam a bandeira branca de rendição.
A impossibilidade do romance - mulher casada x paciente de um hospício - o faz cair na realidade fria e cruel que ele sempre conheceu. A cena da porta na cara de House, na varanda da tal senhora, com a  câmera aberta e house de cabeça baixa é proporcional à dos olhos marejados. A partir daí, revestir-se do seu antigo eu, o papel já conhecido de si, é mais que natural.
O renascer mais terno, possibilita mais adiante um romance, mais que esperado, com Drª Cuddy ( Lisa Eldeinstein) -  1º episódio da  7ª temporada/ Now What? . Após perder uma paciente nos escombros de um desabamento e estar completamente revoltado e impotente diante da morte, é aninhado nos braços da colega de  trabalho. Outra cena brilhante se agiganta diante do espectador: Lisa ao cuidar das feridas corpóreas de House,  beija-lhe a perna "aleijada" com uma cicatriz horrenda, numa alusão à cuidado e aceitação. House resiste ao ímpeto da fuga e se emociona, permite-se, consente ser amado, tocado, cuidado, estar sob a guarda de, confiar, colocar-se nas mãos de alguém.
O amor para House era enfraquecedor de poderes, atrapalhava a atenção, interceptava comunicações racionais, era uma espécie de criptonita. O amor o distraía, o deixava menos competente, mais normal, mais igual a todo  mundo, mais comum, alcançável, nivelável. E essa perda de seu "eu-arcabouço", essa imposição de fragilidade e a falta de capacidade de administrar outra pessoa em sua vida, colocou um ponto final na história.
O seguir em frente era imperativo para ele, mas quando passou a ser realidade na vida da Cuddy, quando percebeu não conseguir fazê-lo em sua vida emocional, a grande manifestação de descontentamento foi o ato mais abrupto - 23º episódio  da 7ª temporada/ Moving On - a invasão da casa da mulher amada com um carro, no mais perfeito estilo Mad Max, a música do episódio, composta por Jason Derlakta e Jon Ehrlich, dizia: " não tenho nada a perder exceto escuridão e sombras, amargura e padrões".
House não conseguia mudar com platéia, House não queria mudar, ele queria que o mundo se curvasse ao que ele era, e a condição para o pleno exercício, do que se institucionalizou chamar de amor, no caso de House, era a mudança.
Segundo David Shore: " House sabe o que é o amor, é um homem que tem emoções, tem sentimentos, se preocupa, mas tem como características a distância, a indiferença, a remoção de qualquer tipo de ligação e não é bom com mudanças". Usa a união que legitima o amor para ganhar trinta mil dólares em troca do green-card da pseudo-esposa Dominika ( Karolina Wydra) - 17º episódio da 7ª temporada/ Fall from Grace . O amor, segundo a máxima popular, é vida, vida para House é dor.
Vida para House é hipocrisia, um desfile de falsidades e mentiras. House não salvava vidas, ele resolvia mistérios, derrotava doenças, participava de um duelo. O que o paciente iria fazer com o que lhe restasse de hipocrisia e dor , pouco ou nada lhe interessava.
O único espaço de amor no qual  House se sentia à vontade era o da amizade. O amor escolhido com consciência, que tem respeito nas veias, que necessita do cultivo e que a possibilidade de perda é clara, matemática, lógica. O amor que é questionado sempre e revitalizado pela consideração e pelo reconhecimento da necessidade. E mesmo sendo tudo isso, House chegava aos limites dessa relação, sendo uma fonte de usurpação, que era a distância imposta e o limite testado por puro medo.
A partir da possibilidade real de perder o Wilson, único amigo, para o câncer - 19º episódio da 8ª temporada/ The C World - algo que não dependia dele, desesperou-se. Sabia que, enfim, iria ficar só de qualquer jeito e teria que lidar com isso. Esse era seu limite.
David Shore o colocou no último capítulo  - 22º episódio da 8ª temporada /Everybody Dies - conversando com os quatro "fantasmas de sua vida passada" todos querendo salvá-lo da morte eminente em um prédio em chamas, menos um, o último. Que dizia ser a morte a recompensa para tanto sofrimento e aconselhava " acabar com a dor é melhor do que a dor" e House lembrou-se de seu último paciente, um viciado em heroína, para o qual disse:  " você é uma pessoa melhor morrendo do que vivendo.... o mundo é um lugar melhor porque eu não salvei você". E a partir desses diálogos e lembranças, House morre e nasce Gregory. House deixa de ser o vivo-Morto, forja a própria morte e se transforma num morto-Vivo.
House está morto. Alguém que vivia para os usos de suas habilidades de inteligência, para o exercício de suas potencialidades intelectuais, salvava vidas porque era uma consequência da solução de enigmas.
Na verdade, a doença para House era a vida com sua dicotomia de racional/emocional. " A vida é dor"  fala repetida em vários episódios, numa alusão direta àquilo que se apresentava para ele todos os dias através de sua perna.
Em 177 episódios poucos foram os pacientes com quem House se identificou e se envolveu, dentre eles: Um paciente que se comunicava através da música - 15º episódio da 3ª temporada/Half-wit. Uma paciente que sofrera todas as atrocidades possíveis na juventude e que transformava sua dor em arte  - 23º episódio da 7ª temporada/Moving On. E o viciado em heroína que não tinha nada a perder e com quem ele trocou de corpo - 22º episódio da 8ª temporada/Everybody Dies. Todos esses foram pedaços centrais do House.
House optou por uma nova vida no último capítulo da série, abdicando dos enigmas da profissão, do julgo do convívio social, para ser um morto-Vivo. O primeiro exercício de amor de House seria amizade por Wilson, acompanhando-o nos seus últimos cinco meses de vida, apresentando, conotativamente, como carteira de identidade um atestado de óbito.
House deixou de ser House para ser Gregory em cima de uma motocicleta, símbolo de liberdade e rebeldia, sob o som da música composta para o episódio, que dizia: " divirta-se como você pode, pois os anos passam rápido como um piscar de olhos"  ao lado do seu melhor amigo. E as ilações sobre a vida/morte de House ficam por conta do espectador e de suas considerações finais acerca da personagem, de acordo com seu repertório de significações de vida. Depois de salvar tantas vidas House tenta salvar a sua própria, sendo apenas Gregory.
Com oito anos de uma história fictícia e a criação de uma personagem tão instigante, uma salva de palmas para esse gênio chamado DAVID SHORE.


Nenhum comentário:

Postar um comentário