quinta-feira, 31 de março de 2011

INVERSÃO DE VALORES

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      Foi-se o tempo em que observar a vida alheia depunha contra o observador. O Voyerismo, considerado uma das degenerescências do caráter humano, hoje é tido como exercício de leitura e avaliação do outro.
      As mudanças de paradigmas são comuns em uma sociedade viva, ativa, que se articula e que permite manifestações de minorias, com suas reinvindicações, que reflete sobre elas e muda. Isso é bom.
      Essa semana encerrou-se mais uma edição de um reality show que, por 11 anos, institucionalizou no Brasil e, há mais tempo no mundo, o voyerismo como costume quase que obrigatório. De tudo, isso não é mau, até a ciência vive da observação. Mas a pergunta que não quer calar é: Para quê? Qual é o objetivo?
      O assistir à vida alheia, para os maduros é um exercíco de julgamento; para os mais velhos  de analogia; mas, o que nos preocupa - a nós educadores - são os adolescentes e as crianças, os que estão moldando seu comportamento. Para esses observar o alheio é constituir exemplos.
      Os realities são usados por antropólogos e sociólogos como instrumento para verificar que tipo de comportamento uma sociedade aprova e, por conseguinte, avaliar que tipo de sociedade temos ou em que ela está se transformando. São termômetros de avaliação do que é aceito, do que é rejeitado, são indicadores de valores sociais.
      Quem trabalha em educação, com crianças e adolescentes, se quiser estar na condição de discutir com eles, ser ouvido, se inserir na conversa e ser aceito no grupo e respeitado, não pode furtar-se de acompanhar o que eles acompanham, assistir flashes desses programas, ler comentários, artigos de jornais e revistas sobre o assunto do momento. Sabendo-se que a realidade do jovem dos ensinos fundamental e médio é o da gravidez precoce, da exposição do corpo, da não valorização do recato, do pudor ou do respeito ao outro como legítimo outro, ou seja, uma realidade bastante difícil de se trabalhar em todos os sentidos, muito principalmente, porque esses valores são de esfera de atribuição da família, que muitas vezes, por falta de estrutura, deixa a desejar.
        A ganhadora do reality show em questão, foi alguém que durante toda a edição seduziu dois homens, em alguns momentos ao mesmo tempo; fez strip-tease para um deles ( 36 câmeras, para o Brasil inteiro assistir - inclusive TV aberta); jogava-se numa perseguição atroz a um deles; foi questionada pelos próprios colegas de programa televisivo, uns com carinho, outros com aspereza, todos foram eliminados; expôs-se como mercadoria, inclusive dizendo a frase: " Não quer... tem quem  quer ", uma espécie de mercadoria numa vitrine à espera de um comprador. Esta Persona foi agraciada com R$ 1.500.000,00 pelo público. A rede de televisão na justificativa desse troféu argumentou que a participante ganhou porque foi ela mesma.
      Se formos avaliar o que uma sociedade diz quando premia este tipo de comportamento, assusta. A primeira premissa a ser validada é: Quem é esta parcela da sociedade? A segunda é: Por que premiar justo isso ? A terceira: Que sociedade teremos daqui  a 20 anos? 
      Não se trata de julgar atitudes corretas ou não. É simplemente simularmos uma situação em que tenhamos diante de nós uma filha, uma sobrinha, uma aluna, uma irmã e nos perguntarmos; que educação quero para ela? que futuro quero para ela? que tipo de pessoa, o meu amor por esta, quer que ela seja? e teremos a resposta.
      Mas hoje SER não vale mais nada.O TER é tudo. O indivíduo pode ser um meliante, um desonesto, sem hombridade.....se tiver um Land Rover, um apartamento na Av. Sernambetiba, acesso a bens duráveis de luxo, ele é bem vindo ao clube.
      Só nos esquecemos que a grande massa de adolescentes e crianças estão assistindo a isso e assimilando de uma forma  que nos foge o controle. Nessa idade se trabalha com exemplos de aceitação, exemplos de sucesso, exemplos de "felicidade". O que estamos fabricando?  jovens que matam os pais por herança, pessoas que traem os amigos por drogas, sem precisar de exemplos institucionalizados de transgressão.
      Vou dizer aos meus alunos que aquele exemplo do reality show  é um péssimo exemplo e eles me dirão que o péssimo exemplo tem R$1.500.000,00 na conta bancária. É a educação indo à bancarrota em todos os sentidos, o familiar, o escolar, o social, o espiritual e sem dar chances de socorro, pois a voz do TER, hoje, é superior à do SER. Antropologia às avessas.

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